17/03/2008

LONGO POST DE FARSAS E BIZARRICES

Laura Albert e Savannah Knoop - Autora e intérprete de JT LeRoy, respectivamente.



Opa, Santiago,
Muito obrigado por tudo isso. Acho que o povo lê sobre mim e tira suas conclusões sem ler uma única palavra. Eles não pensam que talvez a imprensa se aproveite apenas do lixo sensacionalista, o troço que usam para vender revistas, que tem pouco ou nada a ver comigo, com quem eu sou ou sobre o que é minha obra. É a cruz que tenho de carregar, mas há piores... como nós sabemos.
Eu li sim “Running with Scissors”, acho que te entendi errado. Lembro de você me perguntar e eu estava meio abobado e tão acostumado a nunca ter lido a maioria das coisas sobre as quais me perguntam, é [um livro] doloroso... ótimo e engraçado. Ele é um cara bem bacana também.
Enfim, obrigado por ser eu, escrevendo esse livro comigo, porque é o que um tradutor deve fazer. Estou muito honrado.
Sinto muitas saudades do Brasil. Espero voltar logo. Talvez para esse lançamento eles me tragam de volta… Não custa sonhar.
Com afeto,
JT.
PS – Pode retirar o nome do Dennis Cooper de qualquer lugar que apareça? Obrigado! Eu também gostaria de refazer a página de agradecimentos, incluir uma turma lá. Pode me enviar essas páginas?
Obrigado mais uma vez ; )
(Email de JT LeRoy, enviado para mim em setembro de 2005)
Ok, sei que essa história é velha...
Fui procurar o email do JT LeRoy depois de assistir “Segredos na Noite – De Night Listener”, em DVD. Recomendo, apesar do filme ser estrelado pelo Robin Willians... É baseado numa história real, uma história de fraude literária, muito parecida com a do JT, descoberta pelo (escritor) Armistead Maupin.
O livro de Maupin "The Night Listener", eu li há pouco mais de um ano. Também é bem instigante, mas acho que não tem tradução no Brasil.

Isso me fez pensar como a verdadeira história (da fraude) de JT LeRoy daria um bom livro, e me fez procurar os antigos emails que troquei com ele/ela. Nesse aí já se vê uma contradição entre algo que ela (Savannah - a intérprete de JT) me disse ao vivo, e o que dizia a autora (Laura Albert). No caso, era sobre um livro do Augusten Burroughs, que eu comentei pessoalmente com JT, e que ele/ela disse não conhecer.

Também fiquei pensando em como há bons autores gays/alternativos nos Estados Unidos. Como essa literatura “underground” contemporânea me influnciou, com nomes como o próprio Augusten Burroughs, Matthew Stadler (que eu também conheci pessoalmente), Alan Hollinghurst, Ton Spanbauer e principalmente o Dennis Cooper.

Mas daí é só pensar mais um pouquinho e ver que, no Brasil, há grande número de autores gays, que tratam da temática em maior ou menor grau, e estão no primeiro time da literatura contemporânea: Caio Fernando Abreu, João Gilberto Noll, Silviano Santiago, Marcelino Freire, Bernardo Carvalho, Glauco Matoso, João Silvério Trevisan...

E daí me lembro porque quis organizar aquela MALDITA coletânea de contos gays, com o Marcelino Freire. Mas que ainda vai sair, pode ter certeza, deve sair este ano ainda, mais pro final.

Então, vamos lá. Encontrei uma bela entrevista com Laura Albert, revelando toda história por trás da farsa de JT LeRoy. Traduzi as melhores partes. Aproveitei para traduzir também uma entrevista com Dennis Cooper (que li há tempos, enviada a mim pelo Daniel Luciancencov). É bom para ajudar a difundi-lo por aqui. Não há nenhuma obra do Cooper traduzida para o português. Eu já tentei vender, mas é coisa HARDCORE MESMO, não é para qualquer um...

Então vai lá JT, depois Cooper (pega fôlego porque a coisa é longa).
Trechos da entrevista com Laura Albert, autora de JT LeRoy.
(Tradução Santiago Nazarian)
P: Você inventou o Jeremy, mas diz que ele se apoderou de você, como se existisse independentemente..

Parecia mesmo que ele era outro ser-humano. Vou falar dele no passado porque sinto que a energia dele não é mais a força primordial em mim, como era antes.
Como você decidiu apresentar o JT para um mundo mais amplo, além da sua terapia?

Dr. Owens pediu que eu escrevesse minhas histórias. Ele dava aulas na Universidade de São Francisco para gente que queria ser assistente social, e ele sabia o quanto eu odiava assistentes sociais, então ele disse: você pode ensinar a verdade para eles. Gostei disso porque me senti útil. E percebi que foi uma forma de me forçar a escrever. Quando escrevi a primeira parte eu senti um clique. Era um conto chamado “Balloons,” sobre o uso de heroína. Eu escrevia as história à mão, porque não sabia datilografar. Então mandava por fax para ele, às vezes ia de bicicleta para a escola e entregava pessoalmente. Eu estava louca por retorno.

Você ia pessoalmente, como Laura?

Não, eu ia como amiga do Jeremy, Speedie. Era quem eu era em público – uma mulher, mais tarde conhecida como Emily, cujo apelido era Speedie. Ela falava com esse sotaque cockney irritante, dava vontade de bater nela, mas ela morou em todo canto, porque o pai dela era militar. Ela teve uma vida difícil, e saiu de casa cedo para morar em São Francisco. Eu também disse que ela trabalhava com sexo, porque tinha gente que podia me reconhecer. Eu me encontrei com o Terry—Dr. Owens— como Speedie, algumas vezes.

P: Quando você escrevia, você sentia que JT se apoderava de você da mesma forma de quando você falava? Você sentia que JT é que escrevia?

Não, quando eu escrevia eu sentia como se estivesse tentando formar uma história. Ele contava a história e eu era a secretária que pegava e dizia: Ok, obrigada, agora vou tentar tornar isso uma obra. Mas assim como eu não sentava e não pensava em mim como JT, enquanto eu escrevia eu também não tinha de ser a Laura.

O que o Dr. Owens, e seus alunos, acharam das histórias?

Conversaram sobre elas do ponto de vista terapêutico. Mas eu queria saber mesmo o que achavam sobre a escrita. Então o Dr. Owens me passou o contato de um vizinho, um editor chamado Eric Wilinski, que me deu retorno. Um cliente meu, do disque-sexo, me havia indicado a poesia de Sharon Olds, e eu a admirava muito. Quando mencionei isso para o Eric, ele disse que havia estudado com ela e sugeriu que eu escrevesse diretamente pra ela. Eu disse, Nah, isso não se faz. Ele disse que tinha falado com ela, e ela queria que eu escrevesse para ela. Ela me escreveu de volta. Ela leu “Balloons” e a resposta dela foi tocante.
Na mesma época, entrei em contato com um autor gay de ficção, de quem tinha ouvido falar. Havia coisas muito perturbadoras nos livros dele, coisas sexuais, e a forma como ele capturava a solidão e as necessidades dos adolescentes realmente me tocou. Liguei pra ele usando o apelido de Terminator, e falei como Jeremy. Ele era alguém que eu admirava, mas quando li meu trabalho no telephone, percebi que, ainda que ele gostasse da minha escrita, se empolgou sexualmente pela perversidade e o abuso das histórias. Então começamos a mudar nossa relação para uma relação sexual. Era como os namorados da minha mãe – eu queria que eles estivessem por perto, então fazia de tudo. Ele achava que estava falando com um garoto de treze anos, e sempre me convidava para ir a sua casa. Eu achava que atenção sexual era melhor do que não ter atenção nenhuma. Aprendi nas ruas que se você entra numa situação sexual perigosa, é só dizer que tem AIDS – é a última estratégia de sobrevivência. Então finalmente eu pisei no freio e disse que tinha AIDS e feridas por todo o corpo. Não o desestimulou nem um pouco. Tem gente que gosta de ir ao extremo. Eu estava assustada, mas também aliviada. Se ele podia ter compaixão por alguém que não era bonito, que estava de fato desfigurado, ele podia ter compaixão por mim, Laura.

Mas ele não sabia que Laura existia. Ele tentou ajudar o JT de alguma forma?
Ele me mandou um romance de outro autor gay, com quem entrei em contato. Esse cara também me me chamou para ficar com ele, mas passou meu trabalho a frente para uma escritora do The Village Voice chamada Laurie Stone, que acabou publicando um dos meus contos, “Baby Doll,” numa antologia chamada Close to the Bone. Esse livro teve muitas resenhas e a maioria destaca meu conto, dizendo como é intenso e cru. Logo arrumei um agente, Henry Dunow, e a editora Crown quis publicar um volume com meus contos. Falaram em publicar como um livro de memórias. Era época da febre de memórias. Havia saido o The Kiss , da Kathryn Harrison, e The Liars Club, da Mary Karr, e tinha esses livros apelativos de abuso infantil por todo canto. Mas eu não queria publicar as histórias se elas não pudessem sobreviver como ficção. Comecei a me corresponder com a escritora Mary Gaitskill, e ela me deu um ótimo retorno, foi a primeira pessoa a ser crítica com minha escrita. Ela me levou a todas essa grande literatura: Vladimir Nabokov e Flannery O’Connor— e eu percebi o quanto precisava aprender.
Ela quis se encontrar com o JT?

Sim. Ninguém nunca o havia encontrado pessoalmente, e começaram os boatos de que ele não era real, então eu sabia que precisava de um corpo. Marquei um encontro com a Mary, e decidi contratar alguém para interpretar o JT. Mas não conhecia ninguém que combinasse com minha descrição física dele. Então Geoff e eu andamos de carro pela Polk Street, e eu vi um garoto que nunca havia visto antes. Tinha dezenove anos, era magro, loiro, de olhos azuis – perfeito. Disse a ele: quer ganhar cinqüenta pratas sem fazer sexo? Ele topou. Falei pra ele não conversar, só dizer oi para uma mulher chamada Mary, depois se assustar e ir embora. Levei-o ao café. Mary Gaitskill esperava lá. O garoto entrou, disse “oi, sou o Terminator”, passou um vinagre e um chocolate que eu comprei de presente pra ela. Ela disse “oi, prazer em conhecê-lo”, e ele fugiu. Então me sentei. Eu fui lá como Speedie, e nós conversamos.

Tem uma foto de autor do JT, no livro. Quem era esse?

Meu editor pagou para usar a foto de um adolescente que parecia com o JT. Quando Sarah foi publicado, teve críticas fabulosas, e as revistas queriam matérias com suas próprias fotos do JT. Não queriam usar a foto de divulgação. Então percebi que de novo iria precisar de um corpo. Amo o Andy Warhol, e havia lido que ele usava gente que fingia ser ele. Então quando a revista dele, a Interview, pediu uma foto do JT, perguntei a essa menina que conheci em Valencia Street, uma sapata bonitinha de vinte e poucos, se eu podia fazer uma foto dela, por cinqüenta pila. Coloquei óculos nela e fizemos a foto como JT. Mas mais revistas estavam interessadas. Eu precisava de mais fotos. A irmã mais nova do meu marido Geoff’, Savannah, sabia sobre JT, e me ocorreu que eu poderia usá-la como modelo, se não conseguisse achar mais ninguém. Ela tinha essa energia de estrela, e me deixou tirar umas fotos dela. Quando vi, eu disse: “Oh, meu Deus, parece com a foto de divulgação do JT!”

Por que fazia garotas serem o JT?

Bom, primeiro tentei um cara. Fiz até com que o JT dissesse para as pessoas que ele precisava de um dublê, como Andy Warhol. Mas finalmente eu percebi que o gênero não importava – era mais encontrar um visual específico. Savannah por acaso era mulher. Mas mesmo depois dela começar a aparecer como JT, eu sempre procurava alguém, porque eu sabia que não era fácil para Savannah se vestir como ele. Precisava de toda uma transformação física além da peruca loira, do chapéu preto e dos óculos escuros.

Você a deixava falar com os repórteres ou só posar para fotos?

Inicialmente, eu disse para ela não falar. Mas ela tem um ótimo ouvido, e depois de me ouvir falar como JT no telefone, conseguiu pegar o sotaque sulista, o ritmo lento e algumas frases básicas. Quanto mais entrevistas ela dava, mais falava. Mas levou muito tempo para se acostumar a ser JT, e no começo ela meio que ferrava com tudo. Uma vez ela disse que era de North Virginia—e as pessoas pensaram: Oh, JT gosta de zoar com as pessoas. Outra vez fomos num cinema e tinha um cara do som que tinha trabalhado com o pai dela. Ela me puxou pro banheiro e me contou. Eu pensei: bem, agora já deu. Felizmente, ele não a reconheceu. Isso sempre acontecia. Quando Savannah dava autógrafos, ela via gente que ela conhecia, e que não a reconhecia.

Como você conseguiu viajar com Savannah quando ela se passava por JT? Você tirou identidades falsas?

SIm, mas ela ia com o passaporte dela. Só o pessoal da polícia via, e tínhamos cuidado. Quando os livros foram publicados fora, fomos levados ao Japão, Brasil, e por toda Europa, e tínhamos um ritual. Quando pousávamos, arrancávamos os nomes de todas as malas.

Então vocês viviam com medo de serem descobertas?

Falávamos sobre isso, mas sabíamos que nossa intenção não era má, então não tínhamos vergonha. Nos perguntávamos: estamos fazendo as pessoas fazerem algo que não querem? Estamos sendo úteis? Estamos fazendo as pessoas se sentirem bem e estamos espalhando amor? [?!!!] Achamos que sim. As pessoas respondiam com muito amor e felicidade ao JT e sua literatura.

Ninguém notava a diferença entre a Savannah em pessoa e você no telefone?

Não, porque quando ela começou a interpretar o JT, eu copiei a voz dela. Na minha época de punk, eu falava com sotaque britânico porque era mais bacana. Eu saí com meu namorado skinhead por quatro meses antes de dizer a ele que eu não era inglesa. O que eu percebo é que depois de um tempo as pessoas começam a prestar atenção no que você diz, não na sua voz. Então você pode relaxar no sotaque e ninguém nota. Mas se eu sentia que estava falando com alguém desconfiado, eu mantinha meu máximo, e meu papel de Speedie ficou mais importante, eu tinha de falar como ela e como JT no telefone, às vezes na mesma ligação. Eu ia e voltava: Espere, deixe eu chamar o JT, então ele começava a falar.
Alguém acreditou quando você disse que você era o JT?

Sim, claro. No geral, muito mais gente – gente envolvida na publicação do livro, gente que ficou próxima de mim e de Savannah – sabia que eu era JT, e não quis admitir. É mais fácil alegar ignorância e me culpar do que admitir que sabia. Por outro lado, teve algumas pessoas que eu senti que tinha de contar, e que não tiveram problema com isso. Uma delas foi o Billy Corgan dos Smashing Pumpkins. Quando eu o conheci, há três anos, foi uma coisa e tanto, porque a música dele significava muito para mim. Ele leu meu trabalho e disse que me conhecer era importante para ele. Ele teve um relacionamento por telefone com o JT, mas quando eu o conheci em pessoa, disse que JT era eu—Laura. Ele entendeu e me apoiou.

Suas relações com celebridades eram diferentes das com outros escritores?

Sim, mas a maior parte dessas celebridades é que se aproximaram de mim. Ou mencionavam meu trabalho numa revista, daí eu escrevia agradecendo. Vi que Sheryl Crow falou sobre meu livro no site dela, e fiquei perplexa. Alguém me disse que Winona Ryder gostava do meu trabalho, e Drew Barrymore também, e entrei em contato com elas. Lou Reed leu os livros e gostou muito. Shirley Manson leu sobre JT na The Face, anos atrás, e a vimos tocando em LA, e fizemos todos uma festa de pijama. Shirley era tão receptiva com Speedie quanto era com JT, o que era raro. Ela escreveu uma música chamada “Cherry Lips”, baseada no personagem Cherry Vanilla, do livro Sarah. Músicos começaram a pedir para eu escrever histórias sobre eles, para fazer press releases. Fiz um para o Billy Corgan, Bryan Adams, Nancy Sinatra, Bright Eyes. JT era o cara se você queria ser cool ou atingir o pessoal jovem. Shirley Manson passou meu trabalho pro Bono, e numa entrevista na Rolling Stone, ele disse como The Heart Is Deceitful estava mexendo com ele. Nós o conhecemos e ele foi maravilhoso com todo mundo. A diretora Allison Anders leu Sarah e passou para Madonna, e me disse que Madonna estava lendo. Eu estava na Flórida, na piscina da casa da minha avó, e pensava: Meu Deus, Madonna está no meu mundo. Foi um sentimento incrível. Mas Madonna e eu nunca tívemos muito o que dizer uma pra outra, foi mais uma coisa de vaidade. Ela me mandou uma vez um monte de livros de kabbalah. Fiquei com um e vendi os outros. Precisava do dinheiro mais do que da kabbalah.

Como você se sentia quando via Savannah em público como JT?

Eu não via Savannah, eu via o JT. Era um grande alívio porque ele saía de mim e entrava nela. Eu sentia espanto, admiração, orgulho. As pessoas faziam fila o dia inteiro para vê-lo. Ele tinha tratamento de astro. Tínhamos seguraças porque haviam todas essas pessoas para tocá-lo. Eu tinha o que queria – me conectava com as pessoas – sem ser o foco das atenções.

Você se preocupou em como tudo isso podia afetar a Savannah?

Sim, muito. No outono de 2003 começou a produção do filme baseado em The Heart Is Deceitful, que a Asia Argento dirigiu. Havia um enorme uso de drogas no set, e muita gente queria se aproximar do JT, então ofereciam álcool e drogas pra Savannah. Eu ficava furiosa. Eles sabiam que JT tinha um passado de vício e davam drogas pra ele! E claro, eu tinha medo também de que ela pudesse dizer ou fazer algo que entregasse tudo. Não é segredo que ela e a Asia namoraram.
Então Asia sabia que JT era mulher?

Sim, claro.

E outros devem ter notado também. Como você explicava a aparência feminina do JT?

Savannah já estava realmente se tornando JT nessa época. Até seu corpo mudou. Ficou bem masculino, sua menstruação parou, seus seios diminuiram. Ao mesmo tempo, JT estava virando mulher – era a verdade dele. Ele começou a falar sobre mudança de sexo.

O que você previa para JT? Queria que ele continuasse crescendo como autor?

Sempre senti que JT era uma mutação, um pulmão compartilhado, e para eu me tornar normal, eu teria de respirar sozinha. No começo, senti que ele teria de morrer de AIDS, mas isso não está em nenhum livro. Eu não neguei os boatos, mas não dei nenhuma declaração dizendo que ele estava com AIDS para aumentar sua popularidade. Me lembro um dia, há dez anos, quando achei que ele ia morrer naquele final de semana. Fiquei mal. Estava fisicamente doente. Mas JT não queria morrer, e não pude deixá-lo morrer. Senti que se ele morresse, eu morreria.
Você sentiu – ou sente – alguma vergonha por enganar quem acreditava no JT?

Eu sangro, mas é um tipo diferente de vergonha. Fico triste por isso. Muitas pessoas se inspiraram por alguém tão novo ter escrito o que eu escrevia. JT tem quinze anos a menos do que eu. Tudo o que posso dizer é que sinto muito se as pessoas ficaram decepcionadas ou ofendidas. Se saber que tenho quinze anos a mais do que o Jeremy desvaloriza meu trabalho, então sinto muito.

Agora você escreve para seriados da HBO, como Deadwood , como Laura Albert. Como é não escrever como JT?
É impressionante, pela primeira vez na vida estou solta no mundo como Laura Albert, a escritora de sucesso. E estou indo escrever ficção com meu próprio nome. Dizem para você rezar para seus inimigos. No final, o que eles me deram foi um presente, e devo ser grata.
*****
Os dois livros de JT LeRoy - "Sarah" e "Maldito Coração" foram publicados no Brasil pela Geração Editorial. O primeiro foi traduzido por Flávio Moura, o segundo por mim.
O filme "Maldito Coração", dirigido por Asia Argento, pode ser encontrado facilmente nas locadoras aqui no Brasil. Mas é uma merda. O livro é bem melhor, mais pesado e mais divertido.
Ainda, é interessante imaginar quem seria o "autor gay" com quem JT teve contato por telefone e quis trepar com ele. Pelo email da Laura para mim, pedindo para excluir o nome do Dennis Cooper, dá para ter uma idéia...
Agora a entrevista com o Cooper (eu disse que seria longo, não reclame. Fiquei horas traduzindo. Também não repare nos eventuais erros, fiz isso nesta madrugada e você não está me pagando nada. Fora que meu auto-corretor estava passando tudo de volta para o inglês, e este blogger ferrou com a formatação do texto. Mas beleza.) O mais engraçado são as histórias sobre o Burroughs...
SLAVA MOGUTIN ENTREVISTA DENNIS COOPER

(Tradução de Santiago Nazarian)
“Los Angeles é Impressionante," ele me diz enquanto andamos em seu velho Toyota vermelho. "Aqui há tantos lugares onde você pode desovar um corpo e se safar.” Parece bem convincente. Quase como ouvir a voz de um de seus personagens em “Frisk” ou “Try”. Mais tarde, quando almoçamos no French Market em West Hollywood, ele pede um veggie-burguer. “Sempre fui vegetariano, desde os 18 anos.”

Às vezes é melhor não conhecer essas pessoas cujo trabalho você admira. Sempre há a chance de decepção. Mesmo assim, eu sabia que tinha de conhecer Dennis, depois de trabalhar em traduções do seu trabalho para o russo por alguns anos, e de trocar emails por alguns meses. "E suas roupas?” - Eu não podia evitar de olhar para seus jeans gastos e camiseta manchada com buracos. “Oh, isso é do meu passado de punk”, ele explica. “Acho que não sou um boêmio, não dou a mínima para o meu visual.” Uma declaração atípica de um escritor gay atípico, cujo trabalho influenciou toda uma geração de jovens escritores e alcançou um conhecimento bem além do mundinho gay.
SLAVA MOGUTIN: Ouvi dizer que o Presidente Nixon freqüentava a casa dos seus pais quando você era criança.

DENNIS COOPER: Sim, ele era o melhor amigo do meu pai. Meu irmão tem o mesmo nome dele. Meu pai gostava de política, era muito conservador e queria ser presidente. Todo esse povo Watergate era amigo do meu pai. Nixon entrou nessa porque eles também eram uns babacas fascistas. Então houve a grande queda. Nos anos 60, meu pai começou a fumar maconha, daí ficou mais liberal. Antes disso, queria ser presidente. Mas percebeu que não ia dar certo, então desistiu dessas ambições políticas.

SM: Como isso te afetou?
DC: Eu era muito novo. Então não me afetou tanto.

SM: O que você achava do Nixon?
DC: Nada, naquela época. Hoje em dia acho interessante. Mas eu só tinha uns oito anos, e era um povo que aparecia na minha casa e eu dizia “oi”. Mais tarde eu pensava “Oh, Deus! Vocês eram amigos deles!!"SM: Você veio de uma família rica?DC: Meus pais não eram ricos na juventude. Meu pai ficou rico. Era um garoto pobre do Texas, mas começou seu próprio negócio e ganhou aquela grana toda. Meus pais eram bem conservadores, especialmente minha mãe. Meu pai é mais liberal agora, mas não sei, não falo muito com eles. Eles se divorciaram quando eu tinha 13 anos.
SM: Então eles sabem bastante do seu trabalho?

DC: Ninguém na minha família lê meu trabalho, eles não querem saber, o que por mim tudo bem.. Sabe, cresci no final da era hippie, então para mim era como um mundo diferente lá fora, era legal. O conservadorismo dos meus pais me deu algo para se rebelar, de forma geral. Mas não foi o principal. Minha mãe era realmente uma alcoólatra psicótica. Foi o que me afetou. Ela era completamente horrível…

SM: Quando você percebeu que queria escrever?

DC: Quando eu tinha 15 anos eu comecei a escrever como uma forma de arte. Foi quando eu li pela primeira vez Rimbaud e Sade. E pensei “Oh, Deus! Pode-se escrever sobre isso!” Minhas fantasias foram justificadas pelo Sade. Não dá para ser mais extremo do que ele. Mas tudo o que eu escrevia como adolescente era lixo.

SM: Era poesia, ficção ou diários?

DC: Era de tudo. Eu tentei imitar 120 Dias de Sodoma, e escrevi esse romance extremo de 800 páginas. Era sobre uma festa na escola onde meus amigos e eu fizemos todos esses carinhas bonitinhos virem, então os prendemos e torturamos e matamos. Era uma coisa bem longa, totalmente horrível e ridícula.

SM: Basicamente, você tentou ser o mais bizarro possível.
DC: Isso, mau e cool. Então um dia percebi que minha mãe lia minhas coisas. É uma história longa. Ela me fez ir ao psiquiatra. Eu tinha medo, muito medo que ela descobrisse. Eu escondia no meu quarto. Então queimei. E anos e anos depois, estava escrevendo um livro e encontrei uma página que se safou de algum modo.

SM: Por que você ficou obcecado com violência e essas bizarrices?

DC: Não sei. Quando eu era bem novo, talvez uns doze, vi uma matéria num jornal sobre três garotos, de 11, 12 e 13 anos, ou algo assim, que foram encontrados pelados e mortos nas montanhas bem atrás onde eu morava. Me lembro de ter ficado tão excitado com isso, foi estranho. Achei que era a história mais fascinante que eu já tinha visto. Me lembro que todos meus amigos para quem eu contava isso achavam totalmente esquisito. Então percebi que havia algo de estranho em mim. Daí fiz um amigo ir comigo para o lugar onde eles foram mortos. A gente costumava caminhar por lá. Acampamos por três dias tentando achar o local exato. Bizarro!

SM: Sabe, nos EUA se lê sobre serial killers no jornal. Na Rússia, é um tabú para a mídia. Há apenas boatos…

DC: Mas vocês tiveram aquele cara, como é o nome?

SM: Andrei Chikatilo? Sim, foi o mais famoso serial killer russo, famoso por morder fora os mamilos e línguas das vítimas. Seu apelido era “Zver’ (“Fera”). E ele agia na mesma região onde eu morava com meus pais. Então cresci ouvindo essas histórias bizarras sobre maníacos. Não sabíamos muito, só ouvíamos de vez em quando que garotos desapareciam. E eu sempre tentei imaginar o que aconteceria se eu me encontrasse com a Fera, e o que ele faria comigo.

DC: Era igual comigo, mas eu sempre me imaginava como o assassino. Mesmo quando eu tinha 12, mas também porque há tantos assassinos em LA. Tem algo na atmosfera daqui...

SM: Em uma das suas entrevistas, você disse que serial killers não são gente muito interessante...
DC: Pela minha pesquisa não. E li tanto sobre isso. Acho que a fantasia torna o assassinato muito mais complexo do que é. O único que parecia ter uma estética envolvida era o Dennis Nilsen. Ele era bem esperto. Mas Gacy, Dahmer e todos esses caras matavam basicamente pela solidão…

SM: Mas você não acha que são necessárias algumas qualidades extraordinárias para cometer alguns assassinatos e não ser pego logo no primeiro? Isso não torna esses caras interessantes? E alguns deles tinham claramente uma imaginação louca e talento artístico: Nilsen escrevia poemas de amor para suas vítimas mortas., Dahmer tirava polaroides de seus corpos....
DC: Acho que o que eu quis dizer é que eles não sabiam se comunicar com o mundo, não podiam articular, não podiam explicar nada. As evidências podiam ser bem interessantes, mas só dá pra imaginar. Nilsen era o único intelectual. Nos outros casos, há diferentes graus: Dahmer obviamente é mais interessante do que Gacy. Gacy não parecia nem um pouco esperto…

SM: Obviamente, você foi mais inspirado pela literatura Européia. E quanto a autores americanos?

DC: Quase nada de autores americanos. Burroughs era OK. Mas não sou tão ligado em Burroughs. Mais nos franceses.

SM: Então você fala francês?
DC: Não, leio traduções.
SM: Sei que você morou na Europa um tempo. Quando foi pra lá?

DC: Em 1985 fui para Amsterdã. Fui convidado para um festival de poesia lá, conheci um holandês, daí ele veio me visitar. Ele tinha de estudar e eu estava falido e muito drogado. Então decidi morar lá.

SM: Como foi?
DC: Não nos demos nada bem. Nunca terminamos, mas estávamos acabados quando eu morava lá. Como eu não conhecia ninguém, ele era meu melhor amigo, mas ele tinha problemas em ser gay, o que eu não sabia até ir morar lá. Agora ele não é mais gay.

SM: Como se sustentava lá?
DC: Trabalhava ilegalmente. Trabalhei para algumas revistas de arte americanas, para The Advocate.
SM: Ainda faz muito jornalismo? Vejo artigos seus por todo canto.

DC: Bom… é minha única renda. Não tenho um emprego. Livro só dá uma certa grana, e leva alguns anos pra escrever um livro. Então preciso escrever artigos para pagar as contas.

SM: Sempre leio suas resenhas e entrevistas, mas às vezes não parece ser exatamente você, como uma pessoa totalmente diferente.

DC: Bom, sim, claro. Algumas coisas que escrevo é lixo, não me importo. Muitas vezes é só um trabalho, mas às vezes eu gosto, varia. O que eu escrevia para a Spin eu não gostava. Mas o dinheiro era bom e eu entrevistava Courtney Love e gente assim. Então tudo bem.
SM: Era legal sair com todas essas celebridades como Leonardo ou Keanu?
DC: Foi a última entrevista do Leonardo antes de Titanic, então foi a última vez que ele deixou isso acontecer. Eu o conhecia um pouco antes disso. Acredite ou não, ele ia participar do filme baseado em “Frisk”, porque ele gostou do livro. Mas depois decidiu não fazer, foi sábio da parte dele. Então só conversei com ele algumas horas. Mas Courtney Love quis que eu passasse um final de semana com ela. Naquela época, ela parecia bem bacana, agora ela é uma babaca burguesa. Não agüento mais ela. Keanu foi bem queridinho. Eu o achei muito legal e aberto, um cara honesto, fácil de gostar. Sonic Youth foi ótimo também. A maioria das pessoas que eu entrevistei foi bem legal. Não quero foder com elas, e não é que eu tenha nada contra. Obviamente eles controlam a situação. Há coisas que não dizem. Como fofocas e coisas assim. Teve gente que não me deixou entrevistar, tipo Marilyn Manson e Trent Reznor. Acho que sou pesado demais para eles, e eles sabiam que eu ia desmascará-los...
SM: Parte do seu jornalismo é meio moralista…

DC: Moralista? Sou bem moralista, de uma forma estranha. De uma forma BEM estranha. Depende do que estou tentando defender. Não gosto de autoridade. Odeio gays que tratam garotos como objetos. A beleza cega as pessoas. Conheço tantos garotos atraentes mas infelizes, porque as pessoas não os levam a sério. É um problema porque tenho muitos amigos que se magoam com isso. Não acho que é moralismo, é contra a estupidez, contra o egoísmo. E quanto as drogas, não gosto mesmo de heroína, porque fui tão próximo a gente ligada a isso, e é algo realmente perverso. Mas eu nunca faria uma lei contra, eu diria para legalizar...
SM: Há muitas drogas nos seus livros. Ainda é parte importante da sua vida?

DC: Quando eu era mais novo, tomava muitas drogas. Entrei numas coisas bem pesadas, bem perigosas. Mas faz muito tempo. Agora é só na mente. Minha vida é bem normal no momento. Só quero trabalhar, sabe. Eu era tão louco. Sinto como se eu já tivesse feito de tudo. Se surgir algo realmente interessante, eu experimento, do contrário, me sinto bem tendo uma vida normal. Também, na minha idade, se tomo drogas tenho uma ressaca! Faça agora, antes de ficar velho.

SM: Ótimo conselho!
DC: Sim, não tenho nada contra as drogas. Adoro drogas, só não sou fã de heroina.
SM: Na morte do Burroughs, você foi amargo, o acusou de usar ghostwriter e coisas assim…

DC: Mas é verdade. Eu conheci o Burroughs. Meu agente era agente dele, meu ex-namorado, Mark, trepava com o Burroughs o tempo todo. Trepava semana sim, semana não.

SM: Aí está! Sabia que tinha algo de pessoal!
DC: Eu nao me importava. Eu achava legal que ele quisesse trepar com o Burroughs, que tinha 75 anos. Agora esse cara está escrevendo as memórias dele, o que é meio assustador...
SM: Quem mais está na lista do Mark?
DC: Allen Ginsberg, Gus Van Sant, todo mundo... Então sei muito sobre o Burroughs. Não quer dizer que a obra dele é ruim, só quer dizer que ele não escreveu tudo sozinho. Tudo desde “Cities of the Red Light” pra frente teve muita ajuda, cada vez mais.

SM: Quem "ajudava" ele?
DC: James Grauerholz, o assistente dele. Não é um grande segredo entre as pessoas que conhecem o Burroughs. A turma dele me odeia. Burroughs era um velhinho bem bacana, mas o povo ao redor dele o tornou um freak. Me decepcionou mesmo pelo trabalho dele significar algo, ser realmente transgressor, e de repente perdeu o sentido para mim porque todas bandas do mundo o usava em seus clipes. O trabalho não significa mais nada. Ele se tornou como um garoto propaganda dos marginais. Acho deprimente. Eu nunca faria isso. Mas não foi culpa dele. Ele era velho demais, não estava mais controlando sua vida. O pessoal ao redor é que o controlava.

SM: E quanto a apresentação que Burroughs fez em um de seus primeiros livros?
DC: É, a apresentação… É uma longa história. Se você realmente ler, não é exatamente positiva. “Deus o ajude, ele é um escritor nato”, não quer dizer que sou um bom escritor. Meu agente pediu que ele fizesse, porque ele o conhecia bem. Parece uma ótima apresentação, mas se você pensar bem, não significa nada.

SM: Você gostaria de viver tanto?
DC: Eu fumo três maços por dia, então acho que não vai dar. Pode ser interessante. Não sei. Vamos ver. Ainda me sinto como um jovem fodido de 20 anos, mas não sou. Envelhecer é uma porra estranha...

SM: Como você se sente em ser cada vez mais conhecido e popular?

DC: Acho que meu trabalho vai permanecer por muito tempo, mas acho que nunca vou ser grande. Sempre será uma coisa cult. Não vou ganhar prêmios ou ser convidado para programas de entrevistas como o Norman Mailer ou escrever no The New Yorker. Vai ficar assim. E pra mim tudo bem, porque todos os artistas que eu gosto são assim. Muitos garotos lêem meus livros, mas não se pode fazer filmes com eles. Fizeram uma vez e foi algo horrível. Então não sei o que é o sucesso.

MESA

Neste sábado, 15h, na Martins Fontes da Consolação, tenho uma mesa com o querido Ricardo Lisias . Debateremos (e relançaremos) os livros la...