04/04/2008



ANIMAIS CRUÉIS


Fábio, Cris e eu, no lançamento dela, ontem.



A aula-palestra que tive esta semana no Mackenzie foi bem proveitosa. Queria preparar algo diferente, uma discussão, para não ficar como de costume uma entrevista coletiva, com o autor falando dos seus livros e de seu processo de criação, especialmente por se tratar de uma turma de alunos de letras.




Então apresentei um pequeno panorama dessa "Geração 00", e como ela está ligada à internet: Com a popularização da rede, no início dos anos 2000, houve o primeiro boom de produção do internauta, com os blogs. E esse veículo possibilitou que escritores jovens, que ainda não tinham sido publicados em papel, se auto-divulgassem. Nessa primeira leva de blogs, alguns escritores se destacaram, tiveram um enorme número de acessos, e as editoras começaram a pensar que poderia ser interessante ter esses nomes (e essa audiência) em seu hall de autores.



Eu não tive meu início na internet. Só abri este blog (meu primeiro blog) depois de ter publicado dois romances. Mas cheguei na hora certa, ganhando o Prêmio Fundação Conrado Wessel na época em que as editoras estavam de olho nos autores jovens. Do contrário, eu não teria migrado da Talento, a pequena editora que publicou "Olívio", para a multinacional Planeta, que estava chegando ao Brasil.


Acredito que esse boom passou rápido, porque as editoras perceberam que esses autores não vendiam tanto quanto se esperava (e não tanto quanto o número de acessos de seus blogs). Essa aposta em autores jovens, que teve seu pico em 2003 e 2004, agora deu uma acalmada (a Planeta mesmo, agora investe em bestsellers como Paulo Coelho). Quatro anos depois, permaneceram os autores mais consistentes... ou persistentes. (Já na internet, também passou há muito a febre dos blogs. Houve em seguida a febre dos fotologs, dos sites de MP3, de relacionamento - como o Orkut - e mais rececentemente de vídeo, como o YouTube.)




Depois de apresentar esse panorama aos alunos do Mackenzie, abri uma discussão, perguntando a eles qual seria a importância de ler literatura contemporânea, quais são os problemas que afastam as pessoas da literatura, quais alternativas poderiam difundir mais o hábito de leitura e outras questões do tipo.



Eu tinha algumas suposições já preparadas, algumas respostas. Mas os alunos acrescentaram coisas bem interessantes. E eu acho que toda aula deveria ser assim, com o professor mais propondo questões/discussões do que apresentando sua própria verdade.



Então, aproveitando, coloco aqui o link de uma ótima página para conhecer um pouco mais os jovens autores desta geração. O jornalista Ramon Mello entrevistou vários deles, desde bestsellers como Bruna Surfistinha até gente como eu, você, Simone Campos, Ana Paula Maia, Botika, Marcelino e etc. Vê lá:


http://wwwb.click21.mypage.com.br/myblog/visualiza_blog.asp?site=clickinversos.myblog.com.br





Falando em novos autores, esta semana consegui ler inteira a antologia "Contos Cruéis", organizada pelo Rinaldo de Fernandes para Geração Editorial. Tinha recebido o livro há uns dois anos, quando saiu, mas só agora consegui pegar para valer. E achei bem, bem, bem interessante. Hum, ok, acho que uso esse adjetivo - "interessante" - demais, e ele não quer dizer exatamente nada - nada positivo, nada negativo, mas é que se aplica bem a coisas assim, que são... interessantes. Pois a antologia tem contos ótimos, e contos muito ruins, de qualquer forma, é um panorama... interessante sobre o tema "violência urbana". Acho que está longe de ser "as narrativas mais violentas da literatura brasileira contemporânea" (como explica o subtítulo), é um livro muito focado em violência social e sexual, e tudo muito calcado na realidade brasileira objetiva (e eu sempre levanto a bandeira da realidade subjetiva). Mas se era essa a proposta, mostrar nossa realidade urbana crua, o livro cumpre muito bem seu papel e além de ótimos contos de consagrados como Lygia, Loyola e Rubem Fonseca, me introduziu autores como Geraldo Maciel, Maria Alzira Brum Lemos (que eu só conhecia pessoalmente) e Carlos Ribeiro. Só o fato de ser uma antologia extensa (são 47 contos), já a torna um ótimo registro.



Para terminar, quer espiar mais um pouco o meu livro novo?


(lustração de Alexandre Matos)




O verão acabou logo. Menos de um ano depois já havia ido embora completamente para tornar tudo o que incomodava mais risível e tudo o que prometia mais desejável. Na verdade, foi-se em poucos meses, em poucas horas, segundos, e quando os meninos abriram e fecharam os olhos, um vento frio já varria a areia para dentro do mar e os turistas para fora, devidamente agasalhados, de volta para seus ônibus e para longe da cidade. Todos se foram.

Graças a Deus, diriam meus eleitos.



A mudança dos tempos e dos ventos sentia-se também pelos estalos do prédio, a estrutura se conformando a novos climas, novos sentidos, que às vezes pareciam não fazer sentido algum. As aulas não voltaram, a greve não acabou. O que quer que os professores tenham decidido na assembléia, não teve interferência prática no ócio dos meninos. Agora eles viviam um ócio polar, longe da praia, sem a possibilidade de férias. Era um sentimento mais solitário, mais melancólico, como se tivessem de fato sido esquecidos, desprezados. Uma coisa é você se sentir livre quando percebe a possibilidade de encarceramento, outra é a liberdade, fruto de total falta de escolha. Não havia nada o que fazer. Nenhum professor a repreendê-los. Ninguém a dizer o que eles poderiam se tornar, o que deveriam desfrutar. Eram garotos perdidos, meninos congelados, esquecidos no fundo do freezer, atrás dos hambúrgueres, ao lado de uma garrafa de vodca vazia
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TIREM AS CRIANÇAS DA SALA

(Publicado na Ilustríssima da Folha deste domingo) Do que devemos proteger nossas crianças? Como não ofender quem acredita no pecado? Que ga...