22/01/2009

O PATO SOU EU


Numa noite lisérgica, sonhei que Deus era um pato. Ele vinha a mim numa revelação; não em roupas de marinheiro, mas também não num grasnado incompreensível. Falava com uma voz suave, pausada – talvez para não me causar pânico por estar falando com Deus, talvez para não me causar pânico por estar falando com um pato:

“Sim, sou o Deus Pato, você precisa aceitar. Se me aceitar como Deus, eu vou poder te guiar.”

Na hora eu o aceitei como Deus Pato, mas depois que despertei fiquei meio sem saber o que fazer, ou como ele me guiaria. Até agora, não achava que é um pato quem me guia. E eu gosto tanto de pato, será que seria uma heresia? Seria uma heresia comprar pato no supermercado, pedir pato no restaurante, comer pato como se eu estivesse comendo o corpo de cristo?

“Você não está escutando. Eu não sou Cristo. Sou o Deus Pato. Seu Deus. Aquele que vai te guiar, se você aceitar”, relembro que ele me disse no sonho.

O Pato Sagrado. Ou o Pato Sou Eu?


Minha antiga editora uma vez me pagou um Pato. Comemos num restaurante em Pinheiros. Me pergunto se foi esse Pato quem fechou meus caminhos. Ou se continua travado na minha garganta...


Continuo sem saber como ele está me guiando, ou aonde vai me levar. Resolvo fazer as pazes, prestar uma homenagem e fazer uma família de Patos para a instalação do Sesc:


(O Pato com a arte de Alexandre Matos.)

Deus então diz que talvez eu seja um cínico. Que eu não acredito na família. Mas pode ser só ironia, não cinismo, já que agora tenho um Pato Perdido, que foi impresso errado, na porta do meu apartamento. O Pato que não seguiu a família. O Pato que se perdeu na gráfica. O Pato desgarrado está aqui comigo. Seria esse meu Deus?

Quem segue a família desce as escadas...


O Deus Pato está realmente se comunicando comigo. Está me guiando, escada abaixo, ou até a porta do meu apartamento. Farei tudo o que o Deus Pato mandar. Tentarei escutar o que ele tem a me dizer. Ele está na porta acima do meu olho mágico, e quando olho através dele, vejo o outro lado, o corredor, o elevador, quem está do lado de fora e quer entrar aqui.

O Pato diz que estou paranóico. Não há ninguém lá.



É noticiado o desaparecimento progressivo de vários Patos do Parque do Ibirapuera. Suspeitam dos cães ou mesmo da contaminação da água. Aqueles Patos não são próprios para comer. Não só não são da espécie adequada, como já estão laqueados pelos dejetos do lago.

Meu Deus Pato Laqueado...

As autoridades dizem para não comer Pato de procedência duvidosa. De repente foi aquele que certa vez comprei num mercadinho na Liberdade...

Meu Deus Pato Laqueado...

O Pato está dentro de mim e as toxinas estão se comunicando comigo. Meu Deus Pato fala comigo, através da carne, das proteínas, das toxinas que passaram para o meu corpo. Uma Alma de Pato radioativa. Um Pato Mutante que tem o poder de se comunicar com seu predador depois de morto, pelos produtos químicos que ingeriu no lago do Ibirapuera.

Não coma os Patos do lago.




Eu queria dizer que tarde da noite, de madrugada, ao amanhecer, mas quando ainda está escuro, escuto o grasnar de Patos na minha porta. Não escuto. Meu Pato fala comigo num tom perfeitamente suave, eu escuto. E mesmo quando está tudo em silêncio, quando não há mais ninguém aqui dentro, olho através do Pato, colado na porta acima do olho mágico, não vejo nada lá fora. Mas sei que há outros seguindo meus Patos.


Moro no apartamento 22.

MESA

Neste sábado, 15h, na Martins Fontes da Consolação, tenho uma mesa com o querido Ricardo Lisias . Debateremos (e relançaremos) os livros la...