17/09/2009


Oooooooooooook, sei que é assunto meio velho (ou semi-novo?) mas só esta semana fui ver o "Anticristo" do Lars Von Trier.

Eu gostei.

Gostei bem.

E não é só para ser do contra, não.

Em primeiro lugar, o filme é visualmente lindo - às vezes até cafona de lindo - a fotografia, a locação, a trilha. Um belo antítodo para o über-realismo do Dogma, que o diretor fazia no passado.

Em segundo lugar, é um filme de terror. Mas é um filme de terror do Lars Von Trier, então sempre há uma esquisitice, uma suposta profundidade, algo maior do que o medo imediato, que deixa suspenso no ar uma tensão constante. E ainda é um filme de terror, com referências e clichês fortes do gênero. Os clichês são necessários, são as fórmulas testadas para criar o medo, mas em "Anticristo" são todas posicionadas de uma forma diferente, com alguma estranheza.

Ok, essa estranheza às vezes resvala no trash, mas o importante é que o filme tem o essencial para um filme de terror: clima. Para mim, os melhores filmes de terror são exatamente aqueles em que nada se explica realmente, que as cenas acontecem como um pesadelo, sem precisar de justificativa para terem efeito. "Anticristo" faz isso muito bem.

Além do mais, existe uma explicação lógica possível para o filme, uma explicação fácil e sem recorrer a nenhuma fantasia, que pode satisfazer aos simplistas, mas que não precisa ser dada. O grande mérito do filme é esse, dar a possibilidade de você querer explicá-lo ou não - racionalizá-lo (como Dafoe) ou apenas seguir o clima (como Gainsbourg). Para mim, a explicação reduz o filme. (Quer saber a minha explicação? Coloco no final do texto, em lilás, para não ser um spoiler para quem não viu).

Os diálogos são uma sucessão de frases prontas - claro - porque é a proposta, é a artificialidade da razão em contraponto à fúria da natureza. Esses conceitos são materializados nos personagens do homem (que está desde o começo do filme em combate com a natureza) e da mulher (que é como um animal selvagem, tentando ser adestrado pelo marido). Gosto de personagens que são materialização de idéias, mais do que seres reais.

Eu colocaria esse filme ao lado de "O Iluminado", "Audition", "Misery" e "Evil Dead", todos filmes bem diferentes entre si, mas com pontos em comum com "Anticristo". E NÃO achei este filme tão pesado e chocante como dizem - talvez porque eu já tenha ido esperando o pior. "Os Idiotas" do Von Trier me fez bem mais mal. As cenas de violência deste são fortes, mas nada demais para quem está acostumado com filmes do gênero. Também não achei as cenas de sexo apelativas. Dizer que esse é um filme pornográfico? Pelamordedeus, só há uma ceninha rápida de penetração, o resto é aquilo de casal batendo o tapa-sexo de sempre. Vocês não têm Sexyhot em casa? (eu ganhei de cortesia da Net, ok?)

A crítica mais imbecil que li questionava o título "Anticristo" - como esperando que houvesse um ser em si (talvez o filho morto?) para personificar o conceito. "Anticristo" é o filme em si, não de maneira megalômana em ser o derradeiro filme apocalíptico, mas apenas porque a premissa da história nega Cristo. A premissa é aquela de "a natureza é a igreja de Satã," que dentro do universo do filme pode ser real ou não. Mas é um filme de conceito satanista - anti-cristo.

É claro que não se pode comparar com Dogville, que é outra proposta (e é uma obra prima), mas ainda acho este um grande, grande, grande filme, que lida muito com o que é cinema (e está anos luz à frente de "Manderlay", vamos dizer).


Quanto à trama, vai aí uma (possível) explicação:

Uma mulher vai para uma cabana no meio do mato com seu filho pequeno, trabalhar numa tese sobre feminicídio. O isolamento, os barulhos do mato e o tema de sua tese acabam causando uma perturbação mental nela (à la "Iluminado"). Ela passa a maltratar o filho, vesti-lo com os sapatos errados, causando deformações em seus pés. Voltando para a cidade, seu filho acaba morrendo acidentalmente, mas ela culpa a si mesma por sua negligência (e talvez a deformação nos pés tenha contribuido para o acidente?). Seu marido terapeuta tenta tratá-la, voltando com ela à cabana no mato, mas a perturbação constante da mulher faz com que ela acabe atacando-o. O marido - também perturbado, fragilizado pela morte do filho e pelo estado da mulher - tem visões e pesadelos, mas acaba conseguindo se safar da mulher. Fim.

E vai aí outra (possível) explicação:


Uma mulher vai para uma cabana no meio do mato com seu filho pequeno, trabalhar numa tese sobre feminicídio. Fragilizada por seus estudos, ela se deixa dominar pela natureza perversa (o Anticristo) que habita todas as mulheres, tentando subjugar os homens. Ela passa a maltratar o filho, vesti-lo com os sapatos errados, causando deformações em seus pés. Voltando para a cidade, seu filho acaba morrendo acidentalmente, mas ela culpa a si mesma, agora que não está mais sob influência da natureza. Seu marido terapeuta tenta tratá-la, voltando com ela à cabana no mato, mas a natureza impera sobre a mulher, fazendo-a atacar o marido. Ele, observando-a atentamente, começa a ter indícios da maldade da natureza em ação, mas consegue dominar a razão e safar-se da mulher. Fim.

E, para mim, a graça é que pode ser qualquer uma das duas, as duas ao mesmo tempo, ou nenhuma.

MESA

Neste sábado, 15h, na Martins Fontes da Consolação, tenho uma mesa com o querido Ricardo Lisias . Debateremos (e relançaremos) os livros la...