16/06/2010



Ilustração de uma coluna que eu e o Alê fizemos pro Folhateen, e que nunca foi publicada.

Futebol não me interessa. Desprezo futebol. Mas é impossível não dar importância ao futebol quanto o país inteiro para, o país inteiro grita, o país inteiro se reestrutura por uma dúzia de bangolés correndo atrás de uma bola.

Hoje eu tive de reestruturar toda a minha vida pelo jogo Brasil X Coréia do Norte.

Não assisti. Sabe-se lá qual foi o último jogo de Copa que assisto. Não é questão de revolta ou excentricidade. Eu moro sozinho. Não trabalho num escritório há mais de oito anos. Não há motivo para eu parar sentado em frente a uma TV num jogo. Mas eu sinto, eu sinto...

Por isso escrevo. Claro que tem sua importância. Tento me manter alheio – não acompanho as novelas, não assisto Big Brother – mas Copa do Mundo, quer a gente queira ou não, interfere em nossa vida. Nessa, hoje, no jogo do Brasil, eu estava soltinho, cruzando os morros da Lagoa à Barra, mas não cruzava à toa. Saíra mais cedo de casa, para tentar pegar os bancos abertos, fui até o centro, vivi o estresse florianopolitano – que não chega aos pés de nenhum estresse genuíno – para tentar resolver as coisas antes do jogo. Quando resolvi, voltei. O jogo começava. E voltei com as ruas menos vazias do que eu esperava. Durante o jogo, os carros continuavam passando, a vida continuava aqui fora. Carros batiam, é verdade, mas era tudo esporte.

Andei, como sempre ando, ligado no Ipod. Então perdi grande parte dos urros. Em certa hora achei que devia ouvir, desliguei o Ipod. Não ouvi mais nada. Não tinha fogos. Não tinha gritos. Achei que o Brasil estava perdendo. Torci para o que o Brasil estivesse perdendo. Não por uma falsa malícia nem por genuína perversidade – se o Brasil perdesse, seria tudo mais fácil. Apenas deixariam de se preocupar tanto com isso. Mas não. O Brasil não ganhava nem perdia. Era apenas um jogo.

Enquanto eu seguia pelas ruas surdo, via os meninos empinando os kites na lagoa. Kite surf. Gosto de kite surf. Admiro kite surf. Estou tentando aprender kite surf; e via os rapazes voando na Lagoa - esporte - em plena hora do jogo, e tinha vontade de perguntar se eles não se importavam, se não queriam saber o resultado, se não estavam interessados num bando de homens correndo atrás de uma bola na África. Aparentemente não.

Quando cheguei na Barra, quase no final do jogo, um garotinho loirinho saiu correndo de uma casa e gritou para mim:

"Brasil ganhou de dois a um!"

Eu respondi com um sorriso sincero: "Parabéns."

Quanto se é menino no Brasil... (suspiro) Quando se é homem, tem de se aprender a crescer ouvindo “para que time você torce”, aprendendo a perder. A gente tentando entender qual é a graça disso, inventando um time predileto falso, sofrendo com a falta de mira ao gol. Os outros meninos escolhendo os melhores do time e você aprendendo a ser diferente. Depois disso, você quer que a gente torça? Quem continua gostando de futebol, eu pessoalmente considero um traidor. Eu não. Nunca mais. Nunca mais. Nem devolvo bola de criança. Se uma bola rola aos meus pés numa rua, sigo com o Ipod ligado, fingindo ignorar os gritos:

“Ei, tio, chuta a bola de volta, tio!”

Eu não, nem escuto. Nunca mais. Nunca mais.

MESA

Neste sábado, 15h, na Martins Fontes da Consolação, tenho uma mesa com o querido Ricardo Lisias . Debateremos (e relançaremos) os livros la...