09/10/2013

DAS POSSIBILIDADES ESCRITAS

"Qual dos seus livros, ou contos, você acha que daria uma série de TV?" Me perguntou um produtor há alguns meses. Eu pensei, revi meus livros, respondi: "Hum... nenhum?"

Mais do que negativar, isso reforçou em mim as possibilidades únicas da literatura. E porque eu escrevo. É para poder fazer o que não está sendo feito aí, na TV, no cinema, na literatura. E para poder fazer sozinho.

A literatura é a arte mais individual que existe, sempre digo isso; não requer consenso, bom-senso, censura ou pudor. O escritor tem todas as fichas na mão - não tem sua visão alterada por produtor, diretor, ator; mesmo o editor, que poderia ter um papel mais participativo, hoje em dia, no Brasil, raramente interfere substancialmente na obra. Editores querem livros prontos, para terem o mínimo trabalho possível, apenas diagramar e distribuir. Isso faz com que a visão expressa nos livros seja a mais particular, o que pode trazer muito mais riqueza do que uma visão coletiva.

Além disso, é uma arte relativamente barata. Não há grandes investimentos - nem por parte do próprio autor, nem por parte da editora - o que faz com que haja menores riscos. Pode-se fazer muito mais, sem medo do dinheiro perdido. Não há afinal muito dinheiro a se ganhar, ninguém está prestando muita atenção. Pode-se dizer disparates, não é preciso ser politicamente correto, você não está lidando com massas, nem com analfabetos. É possível ter mais inteligência, ironia, sarcasmo, perversidade...

A história em si já não tem custo. Não há limite de personagens, cenários, ações, explosões, efeitos especiais. Não há limite de espaço, páginas, você não precisa se encaixar numa grade de programação, num horário de sessão nem mesmo nos espaços abertos nas prateleiras. O livro tem quantas páginas o autor quer que tenha - embora algumas grossuras possam ser mais atraentes do que outras.

Se eu escrevo por tudo isso, como canalizar minha obra para o formato pré-estabelecido da televisão? Para a caretice da indústria cultural brasileira?

A história de uma mulher que se mata a cada capítulo de uma forma; sete meninos que se apaixonam por uma infanticida; memórias de animais urbanos; um colégio para monstros, só lembrando alguns dos meus livros, poderiam render séries de TV nos Estados Unidos, talvez. O Brasil ainda está impregnado de realismo, de conservadorismo, e por isso mesmo que eu preciso fazer diferente.

Produtores, curadores, o público em geral acredita que o escritor precisa ser salvo da literatura. O livro como um trampolim para uma vida melhor. O livro como um degrau para escapar dele mesmo. "Não sei  o que você planeja da sua vida como escritor, mas o mercado de roteiros no Brasil é muito promissor," me disse aquele mesmo produtor, como se dissesse: "Se ficar só nos livros, vai morrer de fome." E talvez ele tenha razão. Já colaborei com alguns roteiros de cinema, escrevi este ano minha primeira série de TV (Passionais, que deve estrear no GNT no começo do ano) e sempre é ótimo exercitar novos formatos. Mas das possibilidades únicas da literatura eu não me esqueço. O livro será sempre meu veículo.

Ainda assim, para meu próximo romance, pensei numa estrutura que facilitasse a adaptação para o teatro, para o cinema. Se a mensagem deve ser a minha, sem concessões, a estrutura poderia ser mais stage friendly. É sempre um desafio importante, afinal, tentar canalizar meu universo pessoal num formato que possa atingir o maior número de pessoas possível. Marshmallow sobre cacos de vidro.

A versão para os palcos eu já estou fazendo. Já estava na hora de eu escrever algo para teatro (apesar de - ou principalmente por - ter gostado tanto da adaptação que fizeram de Feriado de Mim Mesmo). Se há algo que eu aprendi nesses dez anos de carreira foi isso - que tenho de fazer sozinho-eu-mesmo; não posso esperar a benção de produtores, editores, manuéis da costa pinto.

Não há palco, não há aplauso, o escritor tem de se contentar com parcas resenhas, palavras de encorajamento, pouco dinheiro. Mas o importante é que ele não precisa de ninguém, eu não preciso de ninguém. E é lindo ver que eu ainda posso, eu ainda consigo, eu ainda penetro com meus dedos os seus olhos.

E enquanto eu tiver esses dedos, enquanto eu tiver vontades, você vai ter de me ouvir.


TIREM AS CRIANÇAS DA SALA

(Publicado na Ilustríssima da Folha deste domingo) Do que devemos proteger nossas crianças? Como não ofender quem acredita no pecado? Que ga...