28/09/2016

3ª – ROVANIEMI



Quando fiz meu longo mochilão pela Europa, aos vinte e quatro, me apaixonei pela melancolia, a nobreza e o isolamento da Finlândia. É o verdadeiro primeiro mundo, limpo, organizado, igualitário... Queria tanto passar um tempo lá que em seguida estudei finlandês em São Paulo durante dois anos – não aprendi quase nada.


Pelas estradas de Rovaniemi, com Ariel, um argentino que conheci por lá (2010). 

Uma década depois pude realizar o sonho de passar quase seis meses de inverno na Finlândia, entre 2011 e 2012, e quase me matei.



O problema não é o frio, é a solidão, a escuridão, o temperamento distante dos finlandeses. Não foi fácil, mas foi bom. É preciso realizar um sonho para ele deixar de ser. E sobrevivi para contar. (Inclusive intensamente aqui no blog, na época).


Passeis os meses num apartamento alugado na capital, Helsinque, mas, entre as diversas viagens que fiz pelo pais, fui três vezes ao norte para Rovaniemi, capital da Lapônia, em 2010, 2011 e 2012. Enquanto Helsinque me deixou sensações conflitantes, ficaram só lembranças bucólicas (ainda que melancólicas) de Rovaniemi.

Da janela do trem...

Dá para ir de avião de Helsinque, mas todas as vezes fui de trem; são doze horas de viagem da capital, vendo a paisagem branca, os bosques, tudo lindinho, ainda mais atravessando a noite num vagão leito. (As linhas de trem e os aeroportos terminam lá, para ir mais ao norte só de ônibus ou veículos particulares – e me aventurei uma vez, oito horas acima, até a fronteira da Finlândia com a Noruega, em Karigasniemi).



Rovaniemi tem apenas 60mil habitantes e é o principal ponto de turismo da Lapônia, conhecida por ser a “terra do Papai Noel” (sim, é lá que gravam aquelas matérias do Fantástico, Jornal Hoje). Construíram uma vila natalina aberta o ano todo, onde passa o círculo polar ártico, a cerca de 8km da cidade, que dá para chegar à pé, de bicicleta e de ônibus - já experimentei os três.  O lugar não é nada demais, uma grande loja de souvenires temáticos; há também um parque, mas que só é aberto próximo do Natal, e eu não cheguei a conhecer.




Escorregando na linha do Círculo Polar Ártico

A entrada do parque fechado. 

A cidade ainda tem o Museu do Ártico, sobre a fauna e a cultura da região (terra dos “sami”, ou lapões, os esquimós finlandeses). Fora isso, o gostoso mesmo é o clima, aquela desolação cercada de pinheiros por todos os lados. Andei muito de bicicleta  pelas estradas, os bosques. Comi em restaurantes bem gostosos e aconchegantes (carne de rena é obrigatória, e deliciosa; também me lembro de uma deliciosa centolla).

O Museu do Ártico. 

Entendo que provavelmente a maior preocupação do viajante seja com o frio. É frio, mas suportável... para quem gosta de frio insuportável. Nas duas vezes em que fui no outono (outubro de 2010 e 2011) estava alguns graus acima de zero; em fevereiro de 2012 peguei -10C, mas nada demais para quem já tinha passado -23C em Helsinque.






Com Ronaldo, no centro de Rovaniemi (2012), em plena madrugada de inverno. 


Há todo tipo de hospedagem, de hotéis butique a grandes redes (como a Scandic) e albergues. Experimentei de tudo também. Na  ultima vez ainda conheci um pernambucano que estava morando por lá e saímos numa noitada em plena terça-feira, rodando pelos três bares abertos na cidade – lembro que num deles tocou na mesma noite Prodigy, Suede e Michel Teló; é para se sentir mesmo casa.


A viagem está quase acabando...

21/09/2016

4ª – LONDRES

Londres, outubro passado. 

Não poderia deixar de ser... Londres teria de estar na lista mesmo que eu não quisesse, eu não queria, ela se obrigou a estar aqui.

Fui pela primeira vez aos 16, fazendo intercâmbio no sul da Inglaterra; naquela época, conheci a capital em breves viagens de fim de semana, em que eu e meus colegas corríamos para aproveitar o tempo na Tower Records ou no Museu da Madame Tussauds.

O tempo passou e nada mudou...

Londres acabou sendo das cidades em que mais passei tempo na vida. Em 2002, vindo de um mochilão, acabei arrumando emprego de barman numa boate e comecei toda uma nova carreira. No Brasil eu já era um publicitário formado, com experiência, em Londres eu era um latino que sabia falar inglês.

Com Laurence, meu colega de bar. 

Comecei a trabalhar como barman sete dias por semana.

Era assim que funcionava, os funcionários do bar marcavam que dias podiam trabalhar; mas eu, como não tinha mais nada a fazer da vida, marcava para trabalhar todos os dias, para poder me  sustentar.

E com a lendária Dusty. 

E funcionava. Porque a maioria dos funcionários era estudantes que tinham outras atividades ou queriam sair à noite. Eu era o latino que estava sempre lá.

Com Simon, do Suede.
Claro, eu tirei algumas folgas, um show do Suede, um show do Sex Gang Children, mas em geral eu estava sempre lá, atrás do bar. Fora atender os clientes, também fiquei várias tardes da semana lá ajudando a receber os caminhões e fazer o estoque. Era divertido. Ser barman tem uma aura, né? Diferentemente de ser garçom, você está protegido por um balcão, as pessoas vão até você, torna-se um certo status dizer que é amigo do barman. Aos 24-25, idade que trabalhei lá, foi bem bacana para mim.

Com meu guitarrista favorito de todos os tempos, Bernard Butler, e David McAlmont. 

O Ghetto se tornou uma boate hypada e marcou história no elektro. Entre seus clientes, passaram Kate Moss, Bjork, Siouxsie, Brian Molko, Boy George...

Mas isso também limitou muito minha experiência de Londres à noite. Quando eu trabalhava lá, dormia quase o dia todo. Acordado de dia, não tinha muito pique para turismo, não tinha muita grana, e também tinha minhas tarefas na casa. Morava com três amigos brasileiros e um inglês num sobrado em White Chapel, na zona leste de Londres, bairro típico de imigrantes. 

Os canais de Camden. 

Naquele esquema, não daria para ficar mais do que alguns meses. Voltei ao Brasil sem arrependimentos, com muita experiência na bagagem. Logo comecei uma nova carreira como tradutor e escritor (meus dois primeiros livros, Olívio e A Morte Sem Nome, foram escritos em Porto Alegre, antes de meu período em Londres, mas publicados depois que voltei a São Paulo).


carregando os caminhões com Rebecca, querida colega do bar. 

Ano passado tive uma breve passagem de quatro dias na cidade, após treze anos longe. Não tinha obrigação alguma e preferi assim. Tinha apenas de esperar o tempo passar até pegar meu vôo de volta ao Brasil. Estava num final de viagem e também sem muito dinheiro, então preferi rever uma Londres de leve.

E revendo a Rebecca ano passado, num barzinho em Camden. 

Reencontrei uma capital muito mais cosmopolita do que eu deixara em 2002. Com um centro e um Soho impressionantes. Apesar de estar com pouca grana e pouca disposição para balada, consegui aproveitar as tardes em Camden, os passeios nos rios, canais e parques. Esse é um ponto crucial que pesa na Londres da minha avaliação: apesar de ser uma metrópole turística, é possível aproveitar programas tranquilos (vazios) e bucólicos pelas paisagens em torno da cidade. Foi isso o que fiz.

Encontrei esse estranho parque ano passado, perto de onde me hospedei em King's Cross. 

O lado selvagem de Londres. 

O triste ano passado foi constatar o fim das lojas de disco; sempre associei muito a cidade à música, minhas bandas favoritas vêm de lá, mas o paraíso de grandes lojas de discos já não existe mais. Claro, não existem em nenhum lugar, mas achei mais fácil encontrar novidades em Paris, que ainda tem as Fnacs com grandes seções de música, do que em Londres. Consegui comprar algumas coisas em lojas pequenas, mas ficou claro que as vendas estão entregues à internet, e que para isso estar na cidade não faz muita diferença.

Hyde Park
 Mas enfim, Londres permanece como a cidade mais importante de todas minhas influências literárias, musicais, artísticas, como a formação de mim mesmo. A breve passagem ano passado me deixou com vontade de mais; é um lugar onde eu poderia ser novamente feliz.




14/09/2016

5ª – SÃO PETERSBURGO...



Em 2011 esse filtro não era tão manjado, me deixa. 

Se Barcelona! tinha de vir com exclamação, São Petersburgo chega com reticências...

A Rússia é um país absurdo, em todos os sentidos, e eu não me considero apto a analisar e compreender, mas gosto. Sempre quis conhecer, e tive a oportunidade de ir duas vezes a São Petersburgo num curto espaço de tempo, em 2011.


Passei uma longa temporada de inverno na Finlândia, entre 2011 e 2012, e aproveitei a viagem. De Helsinque para São Petersburgo são apenas três horas de trem, e brasileiros não precisam mais de visto, então me pareceu perfeito. Fui pela primeira vez em outubro de 2011, por uma semana. A viagem de trem foi tranquila – a inspeção de passaportes (e de malas, pois abriram as minhas) é feita dentro do vagão, durante o trajeto. Fui acompanhando os lindos bosques da Finlândia aos poucos cederem lugar a vilas bombardeadas, estações dilapidadas, e estive certo de que cruzei a fronteira.


Em São Petersburgo ninguém fala inglês. E ninguém quer falar. Ninguém quer ajudar. Mesmo no guichê de atendimento ao turista na estação de trem, ninguém fala inglês. (Pode parecer absurdo, mas se formos verificar se alguém fala inglês nos terminais rodoviários do Brasil....). Há toda uma fama de taxistas mafiosos, todo um sistema de extorsão do turista, e já cheguei com medo, como se não viesse do Brasil... Mas deu tudo certo.


Arrisco-me aqui a cair na xenofobia, mas vamos lá. Andar na Rússia para mim foi uma emoção única. Após meses na Finlândia, com um povo tão fofinho, limpinho, comportadinho, onde ninguém cruza olhares, você chega à Rússia, onde todo mundo te encara atravessado, todo mundo tem cara de matador, onde todo mundo é lindoooooooooooo...

Sério, nunca vi tantos meninos lindos como lá – para quem curte esse tipo loiro-psicótico, claro.  É muita gente angulosa.  


Num grande shopping da cidade. 
Lembro bem da segunda vez em que cheguei à cidade, na estação de trem, em que desisti de ir de táxi e resolvi ir a pé para o hotel, porque já conhecia um pouco a cidade. Atravessei a primeira ponte e dei com um batalhão de soldadinhos rasos, nos seus 18, 19 anos, marchando, todos com olhos duros em mim, todos lindoooooooooooooos... Quase pedi que me fuzilassem lá mesmo.

E minha estadia toda em São Petersburgo foi assim, muita gente linda, com muita cara de danger.


A cidade em si é aquela mistura – ainda áreas bem dilapidadas da União Soviética, com os pontos turísticos revitalizados e capitalizados. Encontrei uma cidade cortada por rios com belas pontes, o fantástico museu Hermitage (que achei um pouco grande e “eclético” demais) e ótima comida, inclusive. Comi muita comida japonesa de qualidade lá, por algum motivo, também comida mais sofisticada a preços possíveis, que não chegaram a ser baratos. Não é uma cidade barata.

Um belo prato de pato. 

A mim me pareceu uma viagem pelo mundo e pelo tempo. Parecia que eu estava nos anos 80, um lugar onde todos fumavam nos bares, nos restaurantes, onde todos bebiam intensamente...  (Lembro agora que fui num museu turístico meio freakshow, que tinha uns fetos de sereias, umas vacas de duas cabeças....)

Em dezembro ainda as temperaturas estavam razoavelmente positivas...

Foi também uma impressão bem turística e superficial. A segunda vez que fui, em dezembro de 2011, foi para ver o show do Suede, e só passei um final de semana (fui na quinta, voltei na segunda) daquelas coisas que se faz uma vez na vida. (Por sinal, o show foi incrível, num clube razoavelmente pequeno, vi colado no palco, e eles tocaram sete músicas inéditas, muitas das quais nunca foram lançadas oficialmente.)


Brett Anderson com letras inéditas em mãos. 
Voltando aos meninos...


Nas madrugadas mais solitárias em Helsinque, ligado no Grindr, chegava até São Petersburgo (que afinal é a cidade grande mais próxima). Na Rússia, meu Grindr apitava com meninos do mundo todo turistando por lá, e com russos bem suspeitos. Em 2011 ainda não havia sido decretada a lei contra a “propaganda gay”, que na prática oficializou a homofobia no país, mas eu já sabia que era um país perigoso nesse quesito. Depois de muito conversar, resolvi marcar encontro com um gordinho simpático que só queria me mostrar a cidade.



Jantamos num restaurante típico. Pedimos vodca e o garçom trouxe uma jarra inteira de vodca gelada, que bebemos em shots. O menino era bacana, trabalhava na ópera, conversamos bastante, mas depois de bêbado ele começou a investir pesadamente, me seguiu pelas ruas e lembro que tive problemas para escapar.

Central Station, clássica boate gay.
Também me aventurei pela noite gay, é claro. Não sei hoje, mas na época São Petersburgo tinha duas grandes boates gays, um pouco escondidas, mas que um turista mais empenhado como eu encontrava sem problemas. Ambas me surpreenderam pela variedade de opções que ofereciam. Não era só pista e bar, era show de drag, show de gogoboys, karaokê. Eu lá sozinho fiquei horas vendo os shows, vendo o povo cantar no karaokê (e impressionantemente, eles pareciam cantar só músicas russas típicas... Bem, talvez seria igual se cantassem sertanejo por aqui.)


Os shows de drags (que não vinham com legendas)
As duas curtas passagens por São Petersburgo foram bem impactantes, me deixaram a maior estranheza e fascínio que eu poderia ter num país ainda ocidental. Uma pena que seja um país com uma política tão conservadora, restringindo duramente direitos LGBT. Não acho que eu voltaria tão cedo.


Enfim,em 2011, deu para ser feliz também. Mas sempre com medo de roubarem meu rim. 


07/09/2016

6ª – BARCELONA!


BARCELONA! tem de vir assim, com exclamação!

Como a escolha das minhas cidades favoritas é absolutamente pessoal, alguns destinos sofrem influência pesada de boa sorte e bons momentos que talvez nem sempre a cidade proporcione.

No trem de Madri para Barcelona. 

Assim foi com Barcelona, que conheci em 2010. Havia sido convidado para um congresso de escritores jovens em Madri e resolvi esticar para conhecer mais da Espanha. Calhou de ser começo do verão e auge da temporada gay, com as paradas. Eu havia reservado um alberguezinho fuleiro (do tipo em que não conseguiria mais me hospedar hoje em dia), cheguei de trem num domingo e vi uma movimentação atípica de gays, drags...

Na parada.

Era o ponto de partida da parada gay de Barcelona, que acompanhei minutos após chegar. De lá fui para festas, bares, boates, praias, restaurantes, na semana em que fiquei na capital catalã. É lindo ver esse começo de verão na Europa, as praias tomadas de escandinavos sedentos pelo sol, meninas lindas em topless – poucas vezes vi tanta gente bonita (e com tão pouca roupa); todo mundo num clima de começo de férias, de aproveitar a vida. Foi só farra, literalmente agarrado por meninos e meninas.

A praia. 

O exemplo de uma refeição perfeita. 

O Euro ainda estava sob controle na época e pude fazer boas compras, comer muito bem, turistar intensamente. Lembro bem do museu Picasso, de Barceloneta, da linda (e cafonérrima) fonte colorida de Montejuic. Não posso dar um roteiro mais objetivo, até porque já fazem seis anos, mas Barcelona é uma cidade completa: com bairro gótico, praia, baladas, museus, e ótima comida. Eu não precisaria de (quase) mais nada.


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Em 2013 voltei à Espanha para lançar Masticando Humanos na edição espanhola por várias cidades, mas infelizmente Barcelona foi cancelada. Encontrei um país em crise, deprimido, menos fascinante do que conheci em 2010, mas a experiência com Barcelona permaneceu intacta.  

TIREM AS CRIANÇAS DA SALA

(Publicado na Ilustríssima da Folha deste domingo) Do que devemos proteger nossas crianças? Como não ofender quem acredita no pecado? Que ga...