01/12/2017

UM ANO TREVOSO

Saindo do poço...

Não foi fácil para ninguém, não se engane. Não foi fácil para mim. Estava revendo há pouco minhas retrospectivas de anos anteriores, e se a do ano passado também foi negativa, já fui feliz em 2015, 2014, 2010, 2007...

Este ano não foi dos piores. Mas foi pesado.  Se 2017 me trouxe conquistas importantes, os quatro primeiros meses, primeiro terço, em que NÃO RECEBI UM TOSTÃO, me deixaram um gosto amargo na boca que ainda não passou. Eu, prestes a fazer 40 anos, questionando minhas escolhas, desconfiando de que meu tempo já havia passado; foi um começo do ano do cão, dos piores da vida, em que não pude contar com quase ninguém, os amigos pareciam mergulhados em crises pessoais, nem meu namorado estava por perto, uma solidão intangível. Foi horrível-horrível...

Ok, acho que foi dos piores.

Primeira mesa do ano foi em abril, com André Fischer e os queridos do Põe na Roda. 

Mas, como resultado do meu desespero, ou pura sorte-acaso, a partir de abril comecei uma série de viagens e debates que mantiveram a cabeça em movimento e as contas sob controle. Foram 25 mesas, talvez um recorde em minha carreira, que trouxeram não só os cachês, mas aprendizados e experiência.
Na estrada com Namaia e Marcelo Reis de Mello. 

Começou com a turnê de debates do Sesc pelo interior do Rio, com Ana Paula Maia - uma forma de me aprofundar num estado vizinho, que me era tão estranho. 'Namaia é das autoras de que mais gosto, e temos visões bem conflitantes de mundo; então deu para ter debates densos, sem perder o respeito, não só nos palcos, como nas vans, nos aeroportos, nos jantares em que ela me arrastava por Copacabana quase de madrugada...

Adamantina. 

No segundo semestre tive a turnê pelo interior de SP, com o Viagem Literária, que também me levou a novos públicos e novos cenários. Encontrei desde adolescentes a idosos que estavam sendo alfabetizados, uma aula para mim mesmo. E ainda tive uma turnezinha de duas cidades do Paraná, com a Caravana Literária, onde encontrei leitores lindinhos-lindinhos.

Em Apucarana. 

No meio de tudo isso, tive mesas pontuais em BH, Salvador, Votuporanga, Iguape, Garopaba, São Paulo e a Bienal do Rio. Também fiz minha terceira passagem pela Colômbia, desta vez em Medellin, para um festival literário. Foi bacana reencontrar colegas queridos de lá e do Brasil, como o Julián Fuks e o Juan Cárdenas, mas a viagem em si não foi grande coisa, e não deu mesmo para vôos maiores.

Setembro em Medellin. 

A viagem mais exótica do ano foi até uma aldeia guarani.

Além das viagens de trabalho, fiquei com um pé em Maresias, onde Murilo comanda o restaurante Guató. Foi inesperado e bacana arranjar uma casa na praia nessa fase da vida, mas a distância não é tão fácil de administrar - eu não posso estar sempre lá e ele raramente consegue vir para São Paulo. Ao menos pude usar as casas (porque ele se mudou três vezes desde o fim do ano passado) para receber amigos e a família. Minha sobrinha de cinco anos já tem Maresias como destino certo de férias e feriados.

Gaia e Valentina.

A casa alugada atual é do lado da praia, tem um belo jardim e uma suíte para hóspedes (para os amigos próximos, bem próximos, que não sou uma people´s person, e Murilo menos ainda), mas minha favorita foi a casa do primeiro semestre, que ficava afastada, no meio da mata, cheia de pragas e umidade e uma piscina incrível - meu cunhado a chamava de "Solar Lars Von Trier."


Foto tosca de um dia raro.. ou foto rara de um dia qualquer: Eu e Murilo fomos até Ilhabela, almoçamos por lá e encontramos um raro arcade, ou "fliperama", um lugar para "jogos eletrônicos", algo tâo presente na minha infância, presente lá mesmo em Ilhabela, onde eu ia na pré-adolescência... Nesse só passamos para as fotos, mas estava funcionando. Me deu uma nostalgia terrível...

Com essa nova vida de praia, na meia idade, se não posso pagar de gatchenho surfista, ao menos desenvolvi talentos de mestre churrasqueiro. Já passei muito do básico e agora faço carvão com os gravetos do jardim. (Rodrigo Hilbert, se eu cozinho, você faz doce?)


Com Xerxenesky e Tati Bernardi no lançamento da neve. 

Voltando ao trabalho, o marco do meu ano foi o lançamento de Neve Negra, é claro, meu primeiro romance pela Companhia das Letras. Foi bem recebido, gerou muitas entrevistas e boas resenhas - nenhuma negativa até agora - com destaque para o texto do Cristóvão Tezza na Folha. Talvez por ter sido fruto de uma encomenda, encaixou-se perfeitamente nesse novo momento do "pós-terror", que foi o mote da maioria das matérias.

"O pós-terror."

Aliás, essa foi uma discussão interessante... e interessante que tenha gerado discussão. Lembro logo que meu livro e do Xerxenesky estavam saindo, que nos encontramos na Companhia das Letras e ele disse como nossos livros saíam totalmente alienados às discussões do momento - para mim isso era o padrão. Então praticamente no dia seguinte os livros estavam inseridos na discussão, não só do pós terror, como, no meu caso, em toda a questão da função da arte e da relação com a pedofilia. Ao meu ver, isso é o resultado de um bom olhar da encomenda, quando a RT Features nos pediu os livros, já intuindo as discussões sendo gestadas, porque eu mesmo sempre passo longe de tendências, e se não tivessem me pedido esse livro eu teria feito algo bem diferente.

Discutindo literatura de horror com uma grande turma, em novembro.


Bom que pude debater sobre isso como autor, porque não exercitei muito o lado resenhista e jornalista... que não sou de fato. Publiquei um punhado de contos em revistas e jornais - que coloquei no post anterior aqui do blog. Na Folha de S. Paulo, onde escrevo esporadicamente desde 2005, só publiquei uma matéria no começo do ano, um perfil de leitores de literatura brasileira contemporânea, na Ilustríssima (aqui). Como estava lançando livro, preferi me concentrar na divulgação.

Bahia com Mário Rodrigues e Milena Britto. 

Não tive outros grandes projetos e promessas no ano, nem para o próximo. Talvez eu devesse ser mais pró-ativo, mas minha experiência com cinema-TV-teatro é sempre tão frustrante... Perdi a conta de quantos argumentos, roteiros, projetos fiz, que não deram em nada. Em livro, bem ou mal, eu sei que depende só de mim. Eu sento para escrever e o livro sai. Não é à toa que já tenho nove.


Colômbia. 

Então me concentrarei nisso neste final/começo do ano. Estou em Maresias com uma pilha de livros para pesquisa, o computador, e escrevo no jardim com a coelha cavando trincheiras. Natal e reveillon serão por aqui... provavelmente até o carnaval. Volto assim que o trabalho chamar.

No fim de ano passado, em Maresias. 

TIREM AS CRIANÇAS DA SALA

(Publicado na Ilustríssima da Folha deste domingo) Do que devemos proteger nossas crianças? Como não ofender quem acredita no pecado? Que ga...