08/01/2018

DONA DE CASA LITERÁRIA

Virada: ele de doma, eu de trevoso. 

 Há meses tenho pesquisado um tema importante, histórico, para meu próximo romance. Tenho lido pilhas de livros, rascunhado capítulos, mas ainda não encontrei uma trama redonda, o personagem perfeito, uma voz viva.

Para que, né? Deveria apenas assumir minhas incapacidades, escrever sobre essa busca em si e minha relação com o tema, que o romance contemporâneo de respeito não é feito assim?

Ironias à parte, acho essa uma discussão bem válida, que eu gostaria de estender para as mesas, para as entrevistas, mas as perguntas que chegam a mim acabam sendo sempre as mesmas: uma longa apresentação de currículo e de influências. 

Julián Fuks, por exemplo, é um autor que respeito, estimo e admiro, com quem vira e mexe discuto (e discordo) sobre essa questão, em posts ou mesas de restaurante, e com quem gostaria de me aprofundar publicamente. Recentemente, comentando um post meu, ele defendeu a necessidade do romance se aproximar o máximo possível do real; para ele, isso faz parte do engajamento da boa literatura. Já eu, sou eterno defensor da diferença, que ainda vê a literatura como uma resistência a qualquer tendência ou corrente vigentes, mesmo tendências ou correntes literárias. Bem, deve ser por isso que ele tem um Prêmio Saramago e eu nunca apareço em nenhuma seleção de respeito, hum? Ou é simples falta de talento?

“Não tenho talento, mas tenho marido” - tem sido meu mote. Estou aqui em Maresias há mais de um mês, morando na bela casa que Murilo alugou. Nesse período de entressafra literária, final-começo de ano, quando não acontece evento nenhum, onde não aparece muito trabalho, ele está em alta temporada comandando o restaurante, num ritmo de trabalho que nenhum escritor jamais terá. Não tem como eu ajuda-lo – até porque ele é chef  do restaurante, mas funcionário do hotel, não é dono. Eu cuido da casa, da coelha, leio e escrevo, e felizmente também estou com a tradução de um romance foda para a Harper Collins. Coisa rara. A vida fica muito mais fácil quando traduzo um livro bom. (Valeu por mais essa, Mariana Rolier)

Família. 

Meu talento para dona de casa se estende à cozinha (ok, talvez eu devesse dizer que meu talento se restringe à cozinha). Então aqui em casa basicamente quem cozinha sou eu. Natal mesmo, cozinhei peru, farofa de miúdos, cuscuz marroquino, esperando sozinho Murilo para a ceia, que aconteceu depois da uma da manhã, quando ele chegou cansado do restaurante. Sem modéstia digo que minha comida favorita é a minha e a dele (embora não façamos meu prato favorito: sushi). Também nunca tive comida de família. Na minha casa de infância quem cozinhava eram as empregadas. Minha mãe dia desses disse uma frase sensacional: “Sua avó não sabe nem tirar uma maçã da geladeira.”

No reveillon, recebemos meu querido amigo Luis Fernando Scutari com o namorado, e o sol se abriu um pouco para eu torrar. Não recebemos muita gente aqui. Primeiro porque temos pouquíssimos amigos íntimos, então quem mais vem é minha irmã com marido e filha. Depois porque Murilo está sempre trabalhando demais e eu nunca estou inteiramente de férias, então é preciso que os hóspedes sejam independentes, vão para a praia sozinhos, sintam-se em casa e não encham o saco. Eu trabalho em casa e preciso de horas diárias de silêncio e sossego para ler e escrever (bem, silêncio relativo, o som está sempre ligado...).

Com LF. 
Por sinal, a casa é especialmente prodigiosa por isso. Estamos do lado da praia e ainda não tivemos UM vizinho invasivo, barulhento, som alto. O jardim cheio de bromélias traz passarinhos de cores psicodélicas (e pererecas de todos os calibres). O ar condicionado potente garante noites bem dormidas.

Ficarei aqui até... sei lá quando. Março, abril, até ter motivo para voltar para São Paulo ou sair de lá. A falta de wifi tem sido muito produtiva – menos tempo no Facebook , mais tempo em páginas de papel – embora eu relativize o caráter imbecilizante das redes sociais. Sempre me alimento bem disso, do que estão dizendo, do que está acontecendo, das notícias que estão compartilhando. Bem ou mal, é uma fonte de informação importante, de contato com as opiniões vigentes, em meio a vídeos de coelhinhos fofos e boy bands russas.



            

TIREM AS CRIANÇAS DA SALA

(Publicado na Ilustríssima da Folha deste domingo) Do que devemos proteger nossas crianças? Como não ofender quem acredita no pecado? Que ga...