Virada: ele de doma, eu de trevoso. |
Há meses tenho pesquisado um tema importante, histórico, para meu próximo romance. Tenho lido pilhas de livros, rascunhado capítulos, mas ainda não encontrei uma trama redonda, o personagem perfeito, uma voz viva.
Para que, né? Deveria apenas assumir minhas incapacidades,
escrever sobre essa busca em si e minha relação com o tema, que o romance
contemporâneo de respeito não é feito assim?
Ironias à parte, acho essa uma discussão bem válida, que eu
gostaria de estender para as mesas, para as entrevistas, mas as perguntas que
chegam a mim acabam sendo sempre as mesmas: uma longa apresentação de currículo
e de influências.
Julián Fuks, por exemplo, é um autor que respeito, estimo e
admiro, com quem vira e mexe discuto (e discordo) sobre essa questão, em posts
ou mesas de restaurante, e com quem gostaria de me aprofundar publicamente.
Recentemente, comentando um post meu, ele defendeu a necessidade do
romance se aproximar o máximo possível do real; para ele, isso faz parte do engajamento da boa literatura. Já eu,
sou eterno defensor da diferença, que ainda vê a literatura como uma resistência a qualquer tendência ou
corrente vigentes, mesmo tendências ou correntes literárias. Bem, deve ser por
isso que ele tem um Prêmio Saramago e eu nunca apareço em nenhuma seleção de
respeito, hum? Ou é simples falta de talento?
“Não tenho talento, mas tenho marido” - tem sido meu mote.
Estou aqui em Maresias há mais de um mês, morando na bela casa que Murilo
alugou. Nesse período de entressafra literária, final-começo de ano, quando não
acontece evento nenhum, onde não aparece muito trabalho, ele está em alta
temporada comandando o restaurante, num ritmo de trabalho que nenhum escritor
jamais terá. Não tem como eu ajuda-lo – até porque ele é chef do restaurante, mas
funcionário do hotel, não é dono. Eu cuido da casa, da coelha, leio e escrevo,
e felizmente também estou com a tradução de um romance foda para a Harper
Collins. Coisa rara. A vida fica muito mais fácil quando traduzo um livro bom. (Valeu por mais essa, Mariana Rolier)
Família. |
Meu talento para dona de casa se estende à cozinha (ok,
talvez eu devesse dizer que meu talento se
restringe à cozinha). Então aqui em casa basicamente quem cozinha sou eu.
Natal mesmo, cozinhei peru, farofa de miúdos, cuscuz marroquino, esperando
sozinho Murilo para a ceia, que aconteceu depois da uma da manhã, quando ele
chegou cansado do restaurante. Sem modéstia digo que minha comida favorita é a
minha e a dele (embora não façamos meu prato favorito: sushi). Também nunca
tive comida de família. Na minha casa
de infância quem cozinhava eram as empregadas. Minha mãe dia desses disse uma
frase sensacional: “Sua avó não sabe nem tirar uma maçã da geladeira.”
No reveillon, recebemos meu querido amigo Luis Fernando
Scutari com o namorado, e o sol se abriu um pouco para eu torrar. Não recebemos
muita gente aqui. Primeiro porque temos pouquíssimos amigos íntimos, então quem
mais vem é minha irmã com marido e filha. Depois porque Murilo está sempre
trabalhando demais e eu nunca estou inteiramente de férias, então é preciso que
os hóspedes sejam independentes, vão para a praia sozinhos, sintam-se em casa e
não encham o saco. Eu trabalho em casa e preciso de horas diárias de silêncio e
sossego para ler e escrever (bem, silêncio relativo, o som está sempre
ligado...).
Com LF. |
Por sinal, a casa é especialmente prodigiosa por isso.
Estamos do lado da praia e ainda não tivemos UM vizinho invasivo, barulhento,
som alto. O jardim cheio de bromélias traz passarinhos de cores psicodélicas (e
pererecas de todos os calibres). O ar condicionado potente garante noites bem
dormidas.
Ficarei aqui até... sei lá quando. Março, abril, até ter
motivo para voltar para São Paulo ou sair de lá. A falta de wifi tem sido muito
produtiva – menos tempo no Facebook , mais tempo em páginas de papel – embora
eu relativize o caráter imbecilizante das
redes sociais. Sempre me alimento bem disso, do que estão dizendo, do que está
acontecendo, das notícias que estão compartilhando. Bem ou mal, é uma fonte de
informação importante, de contato com as opiniões vigentes, em meio a vídeos de
coelhinhos fofos e boy bands russas.