30/03/2023

O NOME DA ROSA



A literatura liberta, a literatura transforma, a literatura faz um mundo melhor...

Sempre combati esses chavões. Primeiro, porque acho que é esse o dever de um escritor. Segundo, porque sou malcriado. Cresci numa casa cheia de livros, e sei o quanto minha mãe abriu mão do conforto de seu berço por amor à arte. Eu também. Não pude escapar. E sempre me referi à literatura mais como uma maldição, uma maldição hereditária.

Costumo brincar que, se alguém tem toc e rinite, MORRE ao entrar no meu apartamento, por causa dos livros, da desordem, da "carga". E não é tão exagero. Quem não tem literatura desde o berço, não criou os anticorpos necessários, e muitos meninos frágeis sofreram ao dormir aqui... (Falava sobre isso na segunda-feira mesmo, numa entrevista para o Galeno Amorim.)
 
Ontem, minha mãe foi internada às pressas na UTI. Está com insuficiência pulmonar, não é covid, mas ainda não sabem o que é. Ela nunca fumou, nunca usou drogas, mora no meio do mato...

Comentei brincando no hospital que deveria ser os livros... O médico respondeu a sério que era possível. E listou as bactérias e fungos bibliófilos que poderiam provocar isso.
 
Saberemos depois da broncoscopia. Mas para mim já está decidido. São os livros, são os livros. É a maldição. Eu sempre digo.
 
(Dona Elisa passa bem, ainda está na UTI, mas não está entubada. Quer só ir embora logo pra casa, porque precisa entregar uma tradução...)

23/03/2023

AMOR EM TEMPOS DE GUERRA



Esta semana reli O Diário de Anne Frank para um trabalhinho.

Impressionante como é mais relevante do que nunca – não só pelo relato de guerra, mas principalmente pelo enclausuramento, em tempos de pandemia, BBB... (Aquilo é BBB puro... er, imagino, não sei, nunca assisti a BBB, não estou dizendo que BBB tenha algo de literário...) (Curioso que o nome do programa tenha vindo de outro livro...)

Como obra literária, o diário também é uma maravilha, até pela própria consciência da Anne da importância histórica daquele registro, e suas ambições literárias. Mas é de se pensar o quanto foi editado, o quanto é cortado...

Ainda assim, é bastante ousado na questão sexual, contendo até fantasias lésbicas; natural para uma menina enclausurada em plena puberdade. Senti muito falta disso nos incontáveis relatos de sobreviventes do genocídio armênio, que li para a pesquisa do meu Fé no Inferno – a sexualidade parecia que podia ser freada pelos horrores da guerra. Talvez isso se dê principalmente por os livros serem escritos posteriormente, com intuito objetivo de publicação, não como um diário íntimo, como o de Anne; e talvez também pelo dogma religioso pesado dos armênios.

(Só encontrei um memoir do genocídio armênio que trata do despertar sexual em tempos de guerra de maneira deliciosa: Four Years in the Mountains of the Kurdistan, do Aram Haigaz – com um moleque-protagonista tarado que se apaixona por toda mulher que vê. Não tem tradução para o português, e eu adoraria fazer. Mas parece que o tema não interessa muito por aqui, vide o alcance do meu romance pela Companhia... Traduzi outro memoir sobre o genocídio – “A Um Fio da Morte”, do Hampartzoum Chitjian, que também não teve muita repercussão.)

Voltando à Anne, é lindo e triste. Ela consegue namorar e se apaixonar pelo único menino com quem tem contato, Peter van Daan, que inicialmente ela considera “um rapazinho molenga, tímido e desajeitado.” Fiquei pensando se Peter não seria gay, tão fascinado por estrelas de cinema, driblando as investidas de Anne...

Homossexualidade em tempos de guerra é ainda mais tabu. Mas no caso armênio há dezenas de relatos de transexualidade... ou ao menos cross-dressing, meninas que se passam por meninos para poder sobreviver, trabalhar, evitar estupros. “Durante a noite, seu ronco alto me acordou. Enquanto eu me esticava para mudar sua posição, fiquei espantado de notar que o menino era menina!” – narrou Chitjian no seu memoir (sem entrar em detalhes de como descobriu isso). Remete a histórias clássicas, de Zulvísia a Mulan, passando por Grande Sertão. (E obviamente também incorporei no meu Inferno.)

Terminando com Anne Frank, me lembrei de que visitei o museu-esconderijo dela, na primeira vez que fui a Amsterdam, há mais de 20 anos. Eu tinha comprado uns cogumelos... Achei que não tinha batido... Fui visitar o museu...
 
O que me lembro mistura o que li no Diário. Olhares atravessados de turistas. E gnomos.


21/03/2023

HOMEM TAMBÉM MENSTRUA?

Trevosa e barbuda na academia...


Há uns dias, tava vendo um filme em que uma menina adolescente reclamava das primeiras cólicas menstruais. Me bateu uma sensação estranha, porque eu sabia (ou achava que sabia) exatamente o que ela sentia, mesmo nunca tendo menstruado...

Cólica é algo exclusivamente menstrual? Homem também pode sentir? Mesmo homem que não menstrua? É uma lembrança de vida passada? Um apêndice como os mamilos? Mamilos são polêmicos para o ornitorrinco?

(Tenho mais peito do que muita mulher... Mas menos cólica.)

Daí hoje, na academia, no auge da testosteronice, bati com um peso nas partes íntimas... Senti a dor de ser mulher.

Para os homens que nunca sentiram (cólica), para as mulheres que nunca sentiram (as bolas): cólica menstrual é exatamente como a dor de acertar as bolas, só que em menor grau e duração contínua. Talvez como a dor que persiste alguns minutos depois.

O que significa que a mulher é um homem com o saco comprometido? É só uma teoria. Mas faz sentido...

(É o masculino que cresce sobre o feminino? Ou o ovo? Ou a galinha?)

Hoje pisamos em ovos para dizer o que é masculino, o que é feminino... Acho curioso que a nova geração adote tanto o termo “não-binário”, termos dos mais contraditórios, porque pressupõe que tem de haver uma caixinha específica para o masculino, para o feminino – que só pode se definir como homem ou mulher quem se enquadra em estereótipos.
 
Na minha juventude, na virada do milênio, no século passado, éramos “andróginos” – essa coisa de pintar as unhas, pintar os olhos, se montar. Um dos meus melhores amigos, um menino lindo e hétero, era mais mulher do que eu. Cogitava até fazer laser para acabar com a barba. Hoje é um tiozinho barbado (como eu), casado, pai de família, comedor de torresmo. Se tivéssemos 20 anos hoje, provavelmente seríamos não-binários... Como não tenho, estou longe de ser – mesmo com os cabelos compridos, mesmo com os olhos pintados...

(Sou só um emo, um emo velho. Mas infelizmente isso não contemplado em editais...)

Será que não-binário é só uma fase? Uma transição até se assumir mulher? Até desistir e se assumir homem? Ser homem é uma fraqueza de caráter? Ser mulher e ter o saco na lua? Existe velho não-binário? Existe não-binário há vinte anos?
 
Sempre me debati com essas questões, dos limites do masculino, do feminino, mesmo me reconhecendo como homem-cis-gay (Ou talvez por me reconhecer como homem-cis-gay). Meus namoros recentes, com meninas trans, me fizeram aprofundar... e levei a discussão para meu novo romance (quase em pré-venda). Acho um horror que a comunidade gay busque tanto essa hipermasculinidade. E acho triste que os meninos que se enxerguem minimamente femininos hoje tenham de se enquadrar como trans. A binaridade anda mais forte do que nunca. Mas onde há debate há esperança...

Neste final de semana, no MASP, fui ao banheiro. Só as cabines eram separadas para homens, para mulheres (e o melhor de ser homem é mijar de pé). Lavando as mãos, checando a maquiagem, comentei com a menina ao meu lado: “Que horror. Foi só o PT assumir que pintaram o museu de vermelho e fizeram um banheiro unissex...”

Infelizmente, essa nova geração ainda não descobriu o sarcasmo.


18/03/2023

SEJA UM AUTOR FRACASSADO SEM SAIR DE CASA!



Terminou hoje mais uma oficina, de cinco aulas, que dei por Zoom – “Como se Escreve o Romance Contemporâneo”, com participação da Andrea del Fuego, Raphael Montes e Alexandre Staut.
 
Adoro, mas detesto. É sempre bom conversar sobre literatura, saber o que os outros estão escrevendo, estão lendo, receber as dúvidas deles sobre escrita, sobre o meio, muita coisa que a gente, já avançado na carreira, toma como natural.
 
O saco é vender o curso em si, promover – e não só por ter de ficar enchendo o saco nas postagens, chamando aluno, patrocinando post, mas por “vender o sonho” em si, a promessa; tenho sério conflitos com isso.
 
Cada vez mais vejo gente aí vendendo curso, seja de literatura ou do que for, e sempre com essas promessas: Seja um autor de sucesso! Conquiste mais leitores! Você já pensou em viver de escrita? Acho uma picaretagem, me dá um mal-estar, que é difícil precisar...
 
Talvez seja um pouco por minhas frustrações pessoais com a literatura. Talvez seja muito por eu ter literalmente abandonado a publicidade para me tornar escritor (e agora o trabalho de escritor me obriga a voltar). Mas tem sido agonizante ver como a Internet tem cada vez mais obrigado TODOS a se tornarem publicitários, vendendo o tempo todo a si mesmos.
 
Instagram hoje só aparece conteúdo pago, “post patrocinado” e, além da venda de cursos, para mim o que mais aparece é rapazinhos sem camisa. O cara patrocina post dele na piscina. O cara paga pra você vê-lo sem camisa. É o povo pagando para ser famoso, ser amado, ser seguido.

Já tô velho demais para este mundo.

Nesses 20 anos de carreira (como escritor), me sinto cada vez mais perdido. Parece que no começo eu sabia mais o que fazer, como fazer e acontecer (e acontecia). Agora, a cada livro, encontro um terreno desconhecido (no anterior, foi a pandemia) em que tenho de repensar totalmente a maneira de promover um livro, de tentar chegar às pessoas.
 
Não tem chegado. (E não é nem o livro em si, é a “mensagem”, o número de seguidores que vai se tornando proporcionalmente cada vez menor, minha presença no meio literário, o alcance cada vez limitado...)

(Você já conhece a palavra de Santiago?)

Nunca dá pra confiar só na editora. Mesmo numa editora fodona, como a em que estou. O livro sempre depende do autor. A carreira é dele. É ele quem tem que fazer (escrever, divulgar, acontecer). Eu, em editora grande, tenho muito menos alcance do que muito autor da Patuá, da Nós, da Autêntica; gente mais bonita, malemolente e integrada. (O existencialismo bizarro é um projeto fracassado...)

Mas a gente segue, como sempre falo, porque antes de tudo (ainda) tenho muito prazer na prática, na escrita, na discussão sobre literatura. Um “coach literário” pode falar que estou fazendo errado. “O marketing não pode ser pensado só a posteriori, para vender o livro, Santiago. O marketing tem que estar na escrita em si, no texto vendedor...”

(Daí fodeu de vez. O existencialismo bizarro é, na verdade, literatura de autodestruição disfarçada.)

O que ferra é sempre o marketing. O que sempre ferrou e salvou minha vida foi mesmo a publicidade.
 
Por enquanto, não vai ter curso novo. Estou pensando em novos formatos, novas possibilidades, de repente presenciais, em outros lugares.. Vamos ver o que acontece.

Talvez estar em crise com a atualidade seja um sinal de que faço parte dela. Integrado ou não, estou pensando, agindo, e buscando alternativas para sobreviver nesse cenário. Talvez seja mais válido e consistente do que a bolha em que vivem os integrados, especialmente para quem quer criar algo consistente, que dure, que fique. A voz da literatura não deveria ser a voz dos outsiders?
 
Mas o que ficará daqui a cem anos, meus livros ou um canudo de plástico?

13/03/2023

MEDINDO MEUS PASSOS



A última atualização do meu iOS trouxe um aplicativo chamado "Fitness". Resolvi testar. Para ele me dar uma meta de calorias/movimento por dia, coloquei minha altura e peso.

"Tem certeza de que é isso mesmo, Santiago?"

"Claro que tenho!"

"Não é isso o que identificamos pelo nosso dispositivo... Você não vai chegar a lugar nenhum enganando a si mesmo."

"Ah, é?! Então coloca aí o que você identifica no dispositivo..."

"Bem, se você tiver até 80kg, pode PISAR no aparelho, que calculamos pra você..."

"Er, deixa como está..."

Agora o app está me deixando neurótico, literalmente calculando cada passo que eu dou, do banheiro para a sala, da sala para o quarto. "Você não está cumprindo sua meta, Santiago." Tenho que viver com o celular no bolso e ele nem é justo de fato; calcula o que eu gasto andando até a academia, mas não o tempo que fico na esteira! "Assim você não vai chegar a lugar nenhum, Santiago."

Ontem fui dormir cedo. Tive sonhos intranquilos. Acordei mais cansado do que dormi. Abri o aplicativo e já estava cumprida a meta do dia.

Estava lá registrado: Pico de movimento - entre 4:15 e 5:38 da manhã.
 
"Noite agitada, hein, Santiago?"

"Como assim? Eu tava dormindo...."

"Aham, sei."

"Sério. Fui dormir cedo. O que aconteceu? O que tu registrou aí?"

"Está de ressaca? Lembre-se de que a bebida prejudica sua meta..."

"Me conta! O que foi que eu fiz?!"

"Usou camisinha, ao menos?"

11/03/2023

OS FILMES DO OSCAR (que eu vi)



- FABELMAN: Filmão de Oscar mesmo. Exatamente o que eu esperava e não me provocou naaaada.
- AVATAR 2: Lindo de ver em 3D no cinema. E só. (Me deu uma dor de cabeça de dois dias...)
- CLOSE: Dos mais lindos e mais tristes de todos os tempos. Só acho muito rápido e desproporcional tudo o que acontece... Não dá para entender como as coisas chegam naquele ponto. 
- OS BANSHEES: Bacaninha. Um pouco enfadonho, mas bacaninha. 
- ELVIS: Outro filmão de prêmio, mas divertido. (Nunca fui fã de Elvis, mas o filme levanta bem o personagem, talvez até demais - ele é muito idealizado; fico pensando que na vida real o Elvis não devia ser aquele santo todo.)
- TRIÂNGULO DA TRISTEZA: Divertidíssimo, provocativo, mas o final decepcionou.
- TUDO EM TODO LUGAR: Chato, histérico, neurótico. Não aguentei nem metade.
- A BALEIA: Meio teatro demais, falta um pouco em cinema, mas bacaninha.
- TÁR: Meu favorito. Amei.

MESA

Neste sábado, 15h, na Martins Fontes da Consolação, tenho uma mesa com o querido Ricardo Lisias . Debateremos (e relançaremos) os livros la...