25/07/2024

DIA DO ESCRITOR





Neste sábado terei o prazer de conversar pela primeira vez com o queridíssimo Alexandre Vidal Porto, que lançou um dos grandes livros do ano passado - "Sodomita", pela Companhia das Letras. Será também minha PRIMEIRA mesa sobre "Veado Assassino", veja só. Tenho feito muito pouco debate, então é uma chance de me encontrar, me bulinar, levar livros para autografar e tudo mais. Será na Livraria Na Nuvem, dentro do Café Colombiano, em Campos Elíseos, mediados pela querida Rita Couto. 

SEMANA QUE VEM começa minha Oficina do Personagem - um curso novo que vou dar focado em construção de personagem, para tirar esse ranço da autoficção. É um curso mais interativo, com os alunos trazendo seus temas para criarmos personagens que carregarão as tramas. Nem tinha divulgado ainda aqui, porque já se formou uma turma boa, quase fechada. Mas se um ou outro ainda quiser, dá para se inscrever. Aqui: 




E HOJE, que é Dia do Escritor (mais um? Parece que é todo dia...) o Estadão fez uma matéria sobre a situação atual do escritor no Brasil, entrevistando grandes nomes... além de mim. Deixo o link aqui e minhas respostas na íntegra, que acho que a discussão rende: 


1. Como é ser escritor no Brasil hoje? É uma profissão romantizada?

Ser escritor no Brasil hoje é uma gama de possibilidades muito maior do que era no século passado. Como toda a cultura pós internet, o mercado se fragmentou. Há escritores de autopublicação na Amazon que têm milhares de leitores e nem conhecemos. Tem os autorzões de respeito do Jabuti. Os bestsellers voltados a um público jovem. Autores do Tik Tok... Então existem romantismos de vários tipos. Você pode romantizar ser Itamar Vieira, ou romantizar ser Raphael Montes, Tati Bernardi,  Theago Neiva ou Arlene Diniz... Isso não quer dizer que ficou mais fácil. Há espaço para todos... ou quase todos, mas o número de leitores não se ampliou, apenas se fragmentou. 


2. É possível viver da escrita e da venda de livros no Brasil? Ou é necessário ampliar o leque de atividades para completar a renda e pagar os boletos?

Sim. Viver da escrita é uma realidade para muitos escritores nas últimas décadas, exatamente por essa fragmentação. O escritor pode dar aulas, escrever para jornal, fazer tradução, roteiros (que é um mercado que cresceu muito, primeiro com a retomada do cinema nacional, depois com a TV a cabo e depois com os streamings). Tudo isso É viver da escrita, são atividades que agregam ao escritor e, ao meu ver, fortalecem sua literatura. Agora, viver da venda de livros é outra coisa. Fora os bestsellers, geralmente conseguem aqueles que trabalham com literatura infantojuvenil, pelo simples fato de que conseguem escrever e publicar com mais frequência, têm mais livros, porque têm menos texto. Um autor de literatura infantil consegue publicar vários livros num ano, ganhando por cada um o mesmo que um romancista que ficou cinco anos escrevendo uma obra. 


3. Quais são os principais obstáculos que você enfrenta para publicar e distribuir suas obras no mercado editorial brasileiro?

Aqui é uma percepção muito pessoal minha. O obstáculo para mim é que não me encaixo exatamente em nenhum desses fragmentos - eu não me encaixo no perfil autorzão de respeito, mas também não sou um autor comercial; lanço mais provocações do que bandeiras; sou um autor alternativo que publica por editoras grandes, então fico meio isolado, as próprias editoras não sabem direito como me vender. E tenho notado cada vez mais dificuldade nisso, meus temas, meus próprios títulos são barrados hoje pelos filtros que desmonetizam conteúdos... Quem vai colocar "Veado Assassino" numa programação oficial ou mesmo num título de Youtube? Mas a provocação é a marca da minha literatura, é isso que vim fazer aqui, e para isso há cada vez menos espaço, cada vez menos espaço para o controverso. 


4. Quais foram as principais mudanças no fazer literário, especialmente depois do movimento que ampliou a publicação de obras que atendem a pautas sociais e identitárias?

Não acho que o fortalecimento das pautas identitárias tenha alterado o fazer literário. Sempre há ondas de pautas na literatura, e os autores identificam-se ou não, tentam fazer parte ou remar ao contrário. E ainda que a literatura dita de respeito (ou as "editoras ditas de respeito") tenha adotado essas pautas nos últimos anos, há também diversas outras correntes em paralelo - se o feminismo vem com força na literatura premiável, por exemplo, há também todo um submundo de livros de mulheres submissas, que encontram o grande amor num homem poderoso, autoritário, que se transforma em lobisomem. 

09/07/2024

TODA A VERDADE SOBRE A FEIRA DO LIVRO!


Del Fuego, Tracy, eu e meu mestre Furtado na Feira do Livro do Pacaembu.


Tá tipo a Flip, só que do lado de casa.


Eu dei só uma passada, nos dois domingos, para encontrar amigos, colegas, fazer a social e tentar ser finalmente feliz. Bate um pouco aquele clima “Malévola", né? De uma feira paulistana, muito da panelinha Quatro-Cinco-Um-Companhia-Todavia, da qual eu não faço muito parte. (Meu livro tava lá, o Veado, no estande da Companhia, meio escondidinho, mas tava.) Vejo muito autores se queixando disso, da panelinha, os mesmos debates/convidados de sempre. Mas acabam convidando quem está vendendo. Para discutir as pautas (exaustivas) do momento. E quem se alinha com a linha editorial da organização... O que eu acho meio limitante.

Isso porque esses debates parecem ser sempre mais de auto-exaltação, buscar mais um consenso entre os participantes do que uma discussão. Eu entro numa discussão quando acho que tenho algo diferente a acrescentar (como no caso sobre a Censura aos Livros), mas o meio editorial brasileiro é um meio pequeno e frágil, que tenta sobreviver e não está interessado na contestação. (Pelo menos essa fama de “sincerão” tem me rendido muito job de leitura crítica – em privado, ainda querem saber o que tenho a dizer...)

Mas a feira também serve para essas discussões privadas. Encontrei muita, muita gente legal, editores, agentes, autores, amigos, leitores gatinhos e até minha sobrinha tava saracoteando por lá (e tive de puxá-la para uma foto, porque criança e cachorro sempre aumentam engajamento, e cachorro eu não tenho). E a gente pôde discutir coisas como essas nos bastidores, nos estandes. Sempre falo isso: acho imprescindível o autor participar desses eventos, trocar ideias com os pares, afastar (ou confirmar) paranoias, ver que não somos tão especiais ou desprezados assim. Não dá para esperar sempre (ou nunca) estar na programação oficial; dá para ir ouvir os colegas da vez, e continuar a discussão nos bastidores.


Danilo, Valentina e o Biajoni, na social louca de domingo. 

E claro que faz toda a diferença eu estar numa região central, em São Paulo, ser só uma caminhada para ver a Tatiana Salem Levy e a Tati Bernardi falarem na Megafauna, ou o Marçal e o Bonassi na Livraria na Nuvem. À Feira do Pacaembu eu chego em 40 minutos, caminhando tranquilo, ouvindo um suedezinho, com meu GALAXY BUDS PRO 2 – que garante até três horas de música com redução de ruídos (Use o cupom: NAZA20 e peça o seu com descon... Mentira).

Essa diferença da FLIP faz toda a diferença: dá pra eu ir, passar duas horinhas e voltar. Porque para passar dias naquele circo de vaidades, com todo mundo tentando se vender, como na FLIP, eu acho que não tenho mais energia... (Todo ano eu penso ano em ir, todo ano eu desisto, todo ano me arrependo, mas penso que se tivesse ido me arrependeria mais.)

Aproveitando, este ano quem primeiro me puxou para a feira foi a querida Tracy Mann, autora norte-americana que escreveu um livro FODÁSTICO, que eu traduzi: “O Mundo Todo É Bahia.” É um livro de memórias dela nos anos 70, quando veio fazer um intercâmbio aqui em São Paulo e se apaixonou pelo país. Acabou fugindo para a Bahia (naquele sonho de viver na praia, tão arquetípico de meninas no final da adolescência) e conheceu Gil, Caetano, Wagner Tiso, Milton Nascimento, Tom Jobim e mais uma porrada. Virou uma espécie de Forrest Gump da MPB. O livro acaba sendo tanto um romance de formação quanto um registro da cena musical da MPB, em plena ditadura. Eu traduzi direto de encomenda para ela – tem algumas editoras lendo, mas parece que ela ainda não fechou a publicação no Brasil (fica a dica).

Tracy e eu.


(Anedota real da Feira: Encontrei a Tatiana com a filhinha. Ela me apresentou: "Filha, ele tem um coelho!" A menina foi direto pra minha BARRIGA! "Cadê?!" Não sei se ela me achou gordo, se achou que eu era mágico, que ia tirar um coelho de dentro da camisa...)

Del Fuego, Tatiana e sua filha procurando meu coelho...

03/06/2024

SOBRE A PARADA...


Sobre a parada...

Dei uma rápida passada. Sair de casa aqui já é praticamente participar. Mas acho importante estar presente, fazer número, marcar território, porque nada está ganho...

Eu sempre acabo observando meio como um observador externo, sem fazer parte, sozinho e quietinho, assistindo ao desfile de corpos. O mais legal da parada sempre foi a diversidade, que espelha a do país. A gente vê no noticiário só as drags, só os montados, mas a parada é um mar de manos, com tiozinhos, novinhos, bombados, trans, drags, de todas as classes; talvez o único lugar onde todas essas tribos se encontrem (dêem um beijo e percam o sapatinho).
 
De negativo, achei péssimo terem restringido os acessos à Paulista (não consegui chegar à Parada pela Frei Caneca, por exemplo, estava bloqueada). Isso criou gargalos sufocantes para entrada e, principalmente, para a saída, que quase me provocaram um surto. Achei tenso.
 
De mais positivo: terem recuperado a bandeira... em termos. Grande parte das bichas de verde e amarelo. Flagrei inclusive dois caras pintados inteiros de verde, dois gêmeos siameses (porque as relações homossexuais têm muito disso, do narcisismo, de se buscar um igual), pareciam dois Shreks; um deles se ajoelhou com uma aliança, para comemoração geral.

Encontrei só um amigo, voltando para casa, também vestido de verde e amarelo. Eu todo de preto, como sempre. “Que você tá de preto, Santiago? Virou bolsomion?” Só faltava essa. Agora sequestraram nosso luto.

01/06/2024

OS 40 MELHORES LIVROS GAYS (da minha biblioteca)




Aproveitando a trend, a parada, o pride, vai minha lista. Tive de revirar as estantes, a cabeça e antigas listas que já fiz para lembrar de tudo. Ia fazer uma lista de 24, mas ficou pouco. Subi pra 30, muitos ficaram de fora. Decidi parar em 40, ou não parava nunca. 

Obviamente só coloquei uma de cada autor (e alguns foi bem difícil de escolher...). A ordem é (quase) completamente aleatória.  

(Se esqueci do seu, é porque você nunca me amou.)


1. O Retrato de Dorian Gray – Oscar Wilde
A grande obra sobre o mito de narciso. Provavelmente o livro mais importante da minha vida.

2. Morte em Veneza – Thomas Mann
A novela disserta sobre beleza e platonismo (coisa que o filme deixa para o expectador, através apenas da idealização da figura de um menino).

3. Morangos Mofados – Caio Fernando Abreu:
Um clássico homoerótico dos anos 80, que ainda inspira muito do que se faz de literatura gay no Brasil.

4. Frisk – Dennis Cooper
Das coisas mais pesadas que se pode ler, disserta exatamente sobre isso: há coisas que só se pode fazer em livro... (Sem tradução no Brasil.)

5. O Quarto de Giovanni – James Baldwin
Neste clássico dos sebos, a homossexualidade é personificada pela fascinação com a beleza clássica do velho mundo europeu.

6. Sou Eu – João Gilberto Noll
Infantil do Noll (ilustrado por meu irmãozinho Alexandre Matos), tem muito da sua representação latente da homossexualidade através de dois meninos à beira da adolescência que vão nadar num rio.

7. Memórias de Adriano – Marguerite Yourcenar
Outro clássico dos sebos, uma autobiografia imaginária do Imperador Adriano, que revela muito da homossexualidade na antiguidade clássica.

8. Nossa Senhora das Flores – Jean Genet
Um clássico maldito, escrito em fluxo de pensamento, é uma viagem pelo underground de Paris nos anos 1940.

9. A Confissão de Lúcio – Mário de Sá Carneiro
Um triângulo amoroso com um “duplo feminino”, que termina em crime; revela muito da personalidade conturbada do jovem poeta (amigo de Fernando Pessoa) que se matou aos 25 anos.

10. Meu Irmão, Eu Mesmo – João Silvério Trevisan
Através da relação com o irmão, morto prematuramente nos anos 1990, Trevisan examina sua própria condição de soropositivo que sobreviveu à epidemia.

11. Solo te Quiero como Amigo – Dani Umpi
Romance de “sofrência gay” retratando a vida gay no Uruguai contemporâneo. (Sem tradução no Brasil.)

12. Lucas e Nicolas – Gabriel Spits
Romance juvenil inocente e fofinho, uma espécie de precursor de Heart Stopper, num Brasil interiorano pré-bozo.

13. O Tripé do Tripúdio e Outros Contos Hediondos – Glauco Mattoso
Das melhores amostras da obra do poeta maldito fetichista.

14. O Templo – Stephen Spender
Um jovem inglês que vai para a Alemanha no final dos anos 1920 e se deslumbra com a beleza, com os corpos, com "o templo" dos alemães. Anos depois, volta ao país e descobre que todo aquele culto à beleza assumiu uma conotação política perigosa, com o emergente partido nazista.

15. Ricardo e Vânia – Chico Felitti
Através de uma longa reportagem investigativa sobre o “Fofão da Augusta”, Felitti conta muito sobre o universo gay e trans das últimas décadas.

16. Três Porcos – Marcelo Labes
Romance lindamente escrito, de um personagem (ou um autor?) com uma sexualidade muito mal resolvida, fruto de experiências homossexuais na pré-adolescência.

17. Maldito Coração – JT. LeRoy
A falsa biografia de um michê juvenil, que passa por diversos abusos e situações insólita durante a infância e a adolescência. (A tradução brasileira é minha.)

18. Correndo com Tesouras – Augusten Burroughs
Esse aparentemente é uma autobiografia real, de um menino que também teve uma vida insólita e repleta de abusos na adolescência. Pesado e engraçado.

19. Igor na Chuva – Hugo Guimarães
Romance de encontros fortuitos e sexo casual numa São Paulo apocalíptica, escrito num fluxo de consciência fascinante.

20. O Beijo da Mulher Aranha – Manuel Puig
Um longo diálogo (veja só), entre um prisoneiro político e um homossexual, presos na mesma cela.

21. Nunca Mais Voltei – Alexandre Willer
Contos afetivos e nostálgicos retratando muito dos dramas da homossexualidade contemporânea.

22. Mysterious Skin – Scott Heim
Dois meninos são abusados na infância. Dez anos depois, um deles transformou tudo numa fantasia de abdução e o outro idealizou a experiência. Não foi traduzido no Brasil, mas gerou um belo filme do Gregg Araki.

23. The Night Listener – Armistead Maupin
Um radialista se envolve com a história de um menino vítima de abuso, mas aos poucos vai percebendo que há algo mal contado. Também virou um belo filme com Robin Williams e Toni Collette.

24. Paris Brest – Alexandre Staut
Uma improvável bem sucedida mistura de romance, memórias e receitas, trazidas do período do autor trabalhando com o namorado como cozinheiro na França.

25. Babilônia de SP – Pedro Balciunas
Interessante livro reportagem sobre michês paulistanos.

26. The Man Who Fell in Love with the Moon – Tom Spanbauer
Um faroeste gay narrado por um michê indígena adolescente. (Sem tradução no Brasil.)

27. Confissões de uma Máscara – Yukio Mishima
Outro clássico dos sebos, traz muito da sexualidade conturbada do autor, num adolescente que se descobre gay no Japão da Segunda Guerra.

28. Ilusões Pesadas – Sacha Sperling
Publicado ainda na adolescência desse autor francês, é uma autoficção que retrata a vida louca dos parisienses bem-nascidos no início dos anos 2000.

29. Temporada de Caza para el León Negro – Tryno Maldonado
Uma declaração de amor em prosa poética para a um jovem artista cocainômano, anárquico e autista. (Também sem tradução no Brasil.)

30. E Se Eu Fosse Puta – Amara Moira
Um retrato autobiográfico da cena trans contemporânea, escrito com humor, poesia e acidez.

31. A Resistência dos Vagalumes – Vários Autores
Antologia brasileira contemporânea que tem no seu maior mérito o que poderia ser seu maior defeito: é um tanto quanto inchada. São 61 vozes, então acaba oferecendo um panorama bem amplo de toda a sigla LGBTQIAPN+; indispensável para quem estuda essa temática.

32. Uirapuru – Febraro de Oliveira
Prosa poética de um jovem autor sul-matogrossense; das vozes mais interessantes para se acompanhar atualmente.

33. Atire a Primeira Pedra – Mike Sullivan
Através de dois personagens, um réu e um psiquiatra encarregado de examiná-lo, o autor coloca em choque duas visões da homossexualidade: a doença que precisa ser curada e a possibilidade de se enquadrar num novo modelo de família. Dos melhores que li ano passado.

34. Outono de Carne Estranha – Airton Souza
O polêmico romance que balançou o Prêmio Sesc retrata relações gays no universo ultra masculino do garimpo da Serra Pelada.

35. Balé Ralé – Marcelino Freire
Dos melhores exemplos da prosa oral e musical do autor, uma visão lírica da homossexualidade contemporânea.

36. Sodomita – Alexandre Vidal Porto
Divertidíssimo romance histórico passado no Brasil colonial, baseado num personagem real condenado por sodomia.

37. Homens Elegantes – Samir Machado de Machado
Romance de capa-escapa gay, divertido e debochado.

38. Quarto Aberto – Tobias Carvalho:
Um retrato desse geração “poligâmica”, dos relacionamentos gays abertos, numa Porto Alegre pré-diluviana.

39. O Dia que Não Matei o Presidente – Celso Suarana
Recém lançado volume de contos sobre vingança, violência, amor e superação num Brasil dominado pela extrema-direita.

40. Veado Assassino – Santiago Nazarian
Um retrato da geração atual: tão fluída quanto indecisa, não binária e assexuada.

23/05/2024

LEMBRANÇAS DE PORTO ALEGRE

 


Saudades de Porto Alegre...

Tenho acompanhado as notícias como todo mundo, compartilhado, doado, ajudado como dá, com medo de falar algo mais e me transformar na Juliana Didone no chuveiro. Não tem como todo mundo ter algo a acrescentar. Não tem como todo mundo ter a solução. Mas fico pensando naqueles cenários, como foram, como estavam, como ficarão...

Foi em Porto Alegre que comecei minha vida adulta, na virada do milênio. Morei dois anos, fiz grandes amigos (bem, AMIGAS, principalmente, que as gaúchas sempre foram bem melhores). Apesar de todo o inegável bairrismo, me receberam muito bem, me levaram para conhecer a cidade, as praias, Gramado. Tornou-se uma parte do que eu sou.

Lembro como era uma cidade boa para caminhar. Com uma vida ao ar livre muito mais forte do que São Paulo, por causa do rio, dos parques. A gente saía domingo na Redenção e encontrava todo mundo...

Para além da minha vida pessoal, é inegável a influência, a consistência e a força da produção gaúcha na nossa música, na literatura, vários de nosso maiores nomes, muitos dos meus favoritos.

Eu não vou a Porto Alegre há um bom tempo (talvez uns DEZ anos?!), estava planejando uma visita. Agora nem sei o que iria reconhecer. Queria só ver se os amigos estão bem.

Uma grande amiga, que mora perto de onde eu morei, no Floresta, disse que saiu assim que a casa começou a alagar. Foi para a praia. Não sabia como ficou a casa. Os amigos todos parecem estar em segurança, se é que se pode chamar assim. Mas como fica uma cidade em trauma? Como evitar que aconteça de novo?

Tava agora revendo um álbum inteiro de fotos que fiz por lá; tantas lembranças. Eu tinha isso, de fazer álbum de fotos (físicas, impressas). Sempre achei a forma mais segura de preservar: as fotos digitais se perdem, HDs se vão, redes sociais são desativadas. Mas imagino agora todas as fotos e as lembranças que ficaram debaixo d’água...

#tbt #portoalegre

14/05/2024

SEMANA NA SERRA



High na Cachu. 


Das minhas lembranças mais bucólicas de infância estão os córregos da Serra da Mantiqueira, as cachoeiras, os cogumelos explosivos dos bosques de araucárias...

Um esquilo fotogênico. 

E recorri a essas lembranças para escrever um novo romance. Mais um. Apenas porque não posso evitar (e ainda tenho tanto prazer no processo...). Um romance sobre as dores e as delícias da infância...


Inspiração é isso. 

Aproveitei a semana do dia das mães, meu aniversário e uma folga nos trabalhos para revisitar esses cenários que eu não via desde a pré-adolescência. Muita coisa mudou, mas nem tanto. Se não sou exatamente o mesmo, aquela criança continua aprisionada aqui dentro, ocupando um terço da minha coxa esquerda, ou o testículo direito...


Praças psicodélicas...

Comecei por uma cidade que não ouso colocar o nome, porque dizem que é a cidade mais segura do Brasil, lindinha-lindinha e, se vocês descobrirem, estraga. Mas é uma cidadezinha de 6 mil habitantes em que penso em terminar a vida... (a questão é saber quando vai terminar; talvez eu devesse me apressar...)


Santo Antônio do Pinhal (ops!) está cheia de restaurantezinhos gostosos, lojinhas, tem até livraria, córregos, os bosques, a mata. Daria para eu ser feliz... por seis meses. Caminhei uma hora e meia para encontrar uma cachoeira, estava FECHADA. Não sabia que cachoeira tem horário de funcionamento, mas aparentemente, atualmente, tem. Inconformado de caminhar 3 horas (ida e volta) para dar com um portão trancado, TIVE de encontrar uma forma... Caminhando um pouco mais de volta, vi uma cerquinha, com acesso ao córrego, nenhuma placa de proibido... Caminhei de volta pela água até encontrar umas quedas d’água. Vontade de banho de cachoeira saciada. Foi o ponto alto da minha viagem.  

Quando Santiago caminhou pelas águas. 

Não resisto a uma piscininha.

   

Também deu para trabalhar bem no livro, teve pousadas com piscina, ótimos cafés da manhã, longas caminhadas... Numa noite, caminhava em Santo Antônio, a cidade mais segura do Brasil, com uma menina adolescente logo à frente, voltando para casa. Fiquei pensando se acontecesse alguma coisa com ela, se ela sumisse, se ela morresse, se fosse encontrada morta. Provavelmente o maior suspeito seria eu! (“Vi ela lá pelas 9 da noite, na estrada do Lajeado; tinha um senhor estranho, cabeludo, caminhando logo atrás...”).


Cachoeiras com dona Elisa. 

Antes de ser preso, fui para Campos do Jordão no fim de semana. Dizem que é a Suíça brasileira, porque é tudo muito burguês, mas, com vontade, dá para se embrenhar um pouco no mato. Lá reencontrei os cogumelos que soltam fumaça. Minha mãe veio no sábado passar aniversário e dia das mães comigo. Aos 75 anos, e com o pulmão debilitado, aguentou bem as longas caminhadas. Devo partir antes.


Brindando com dona Elisa. 

De especial, meu aniversário no domingo teve novos cenários, belos cenários, os passeios e os pratos caros dos restaurantes, servidos por twinks a serviço. Não tive presentes ou bolinho, mas estou naquela idade em que já não posso mais esperar ser feliz. E até que fui. Por 6 dias.


Dona Elisa ainda encontra motivos para sorrir. 

09/04/2024

MESA



Neste sábado, 15h, na Martins Fontes da Consolação, tenho uma mesa com o querido Ricardo Lisias. Debateremos (e relançaremos) os livros lançados na pandemia - ele com seu excelente "Uma Dor Perfeita" e eu com meu "Fé no Inferno".

Será também minha PRIMEIRA MESA EM QUASE DOIS ANOS, e a primeira tarde de autógrafos do Fé no Inferno que faço numa livraria, veja só. Agradeço ao convite do Lísias.
Quem já tem os livros, quem não quer os livros, pode ir lá só pra nos bulinar.

Data: 13/04/2024
Horário: 15h às 18h
Local: Livraria Martins Fontes Consolação - Rua Dr. Vila Nova, 309 - Mezanino
Evento: Encontro com Autores que Publicaram na Pandemia com mediação de Rita Couto (podcaster) e Fernando Ferrone (escritor e tradutor).

Participantes: Ricardo Lísias e Santiago Nazarian (autores)

06/04/2024

ZIRALDO

Ziraldo em Búzios, 2015.


Acabei de saber do Ziraldo.

Falava esses dias, com meus alunos de Caminhos da Publicação, sobre os escritores lendários com que cruzei nesses vinte e pouquinhos anos de carreira – Millôr, Noll, Lygia, Scliar, Márcia Denser, Victor Heringer...

E teve também o Ziraldo.

Confesso que Ziraldo não foi um autor importante na minha infância. Minha mãe, livreira, achava suas lições de moral de uma pieguice só, então nunca tivemos os livros em casa. Fui ter contato bem mais tarde, cruzando pelo cena literária, em hotéis, festivais, e numa noite em que ele morreu, em Búzios.

Era um festival da Melhoramentos, eu tive uma mesa com o Tiago de Melo Andrade e o Raphael Montes; Ziraldo teve a sua logo em seguida. Depois saímos todos para jantar, Ziraldo, editoras, namorados; bebemos pouco, comemos sushi, testemunhamos o bom papo dele (e sua mão carinhosa passeando pelas pernas das jovens...). Voltei cedo para o hotel, com meu ex, e quase morremos naquela noite.

Tivemos algum tipo de infecção alimentar. E havíamos todos partilhado da mesma bandeja de sushi. Enquanto eu vomitava copiosamente no banheiro, só conseguia pensar: “Caralho, se a gente tá assim, o Ziraldo morreu...”

No dia seguinte, descobri que só eu e meu ex havíamos sido premiados; ninguém mais passou mal.

Isso foi em 2015, mas acho que nunca mais vi o Ziraldo. Há poucos anos, cheguei a traduzir alguns livros dele para o inglês – O Menino Marrom, O Menino de Júpiter –, foi um trabalho delicioso, complicado com as rimas, mas discutido todo com a Editora; nunca cheguei a saber o que ele achou (ou mesmo se chegou a ler). Pude então me debruçar e entender melhor a sua obra.

Ficam então boas lembranças, lembranças divertidas, lembranças controversas, mas sem dúvida o reconhecimento do privilégio de ter conhecido essa figura lendária da nossa cultura, dono de um traço inconfundível e de lições de moral questionáveis...

(na foto: a única imagem que tirei de Ziraldo naquela noite.)




17/03/2024

TIREM AS CRIANÇAS DA SALA

(Publicado na Ilustríssima da Folha deste domingo)


Do que devemos proteger nossas crianças? Como não ofender quem acredita no pecado? Que gatilhos evitar para quem cresce em um país traumático como o Brasil? Você só descobriu o sexo depois que mamãe e papai autorizaram?

As polêmicas atuais em torno da censura de livros pretensamente passam muito pela proteção das crianças e dos adolescentes. Mas é mais fácil assustar uma criança ou ofender um evangélico? Quem realmente está se incomodando com o quê? Escolas, editoras, curadores e os próprios autores parecem estar tentando prever tudo isso. Como fazer para que nossos livros passem pela censura?

Nas últimas semanas, foi pedido o recolhimento do romance "O Avesso da Pele" (Companhia das Letras), do gaúcho Jeferson Tenório, em escolas do Paraná, de Goiás e do Mato Grosso do Sul, sob o pretexto de que a história contém palavras de baixo calão, de cunho sexual.

Marçal Aquino sofreu ataques semelhantes no ano passado, com seu romance "Eu Receberia as Piores Notícias dos Seus Lindos Lábios" (Companhia das Letras) sendo retirado da lista de leituras do vestibular de uma universidade de Goiás.

Censura ainda mais grave vem sofrendo o livro "Outono de Carne Estranha" (Record), de Airton Souza, vencedor do prêmio Sesc, por parte da diretoria da própria instituição.

O romance, que narra encontros homossexuais no garimpo de Serra Pelada, teve circulação restrita dentro do circuito do Sesc e levou a demissões, atrasos e mudanças no edital do prêmio, que ameaçam a independência do júri com uma censura prévia, do que pode ou não ser premiado em futuras edições.

Alguns observam esses movimentos como atos reacionários da direita, mas é importante notar também os ataques e as "readequações" que obras como as de Monteiro Lobato vêm sofrendo por representar realidades que já não estão de acordo com pautas progressistas. José Roberto Torero e Marcus Aurélio Pimenta tiveram seu livro infantil "Abecê da Liberdade" recolhido pela própria editora, a Companhia das Letras, em 2021, por mostrar cenas de crianças negras brincando em um navio negreiro.

A literatura é a arte do indivíduo, a materialização de universos particulares, independentes e subjetivos, em palavras. O grande mérito da literatura sempre foi não buscar consenso, e a grande literatura é aquela que traz algo novo, ainda não discutido, que pode surpreender, maravilhar e incomodar.

Há muito os autores brasileiros se acostumaram com a ideia de que o livro é uma obra limitada, de nicho, que não vai atingir grandes públicos, não vai mudar o país.

O problema talvez esteja na ambição de um livro de inegável qualidade, como o de Tenório, de furar a bolha da literatura e querer conquistar um público gigantesco no Brasil de hoje. Alguém sempre vai se incomodar. As crianças não estão preparadas para ler porque os pais não foram preparados para ler, para discutir, refletir.

Mas a ambição talvez faça sentido, porque, em muitos casos, as editoras se adiantam não para "abafar o caso", mas para expor nacionalmente a censura, fazendo com que o livro repercuta e venda ainda mais. Foi noticiado que "O Avesso da Pele" aumentou suas vendas em 400% depois da "censura provinciana". Seu alcance está longe de ser limitado, e o autor merece mais nossa admiração do que nossa solidariedade.

A grande censura, porém, é bem mais silenciosa. No meio da literatura infanto-juvenil, temas, palavras e ideias são previamente vetados há muito tempo. Livros tidos como controversos não são nem mais considerados pelas editoras, porque podem causar atritos com pais e professores e dificultar a aprovação em editais de compra do governo, o que inviabiliza a edição comercialmente.

Essa controvérsia se dá tanto com conteúdos sensíveis a grupos religiosos (que podem barrar até figuras clássicas da literatura infantil, como bruxas e dragões) quanto com temas que ferem a sensibilidade progressista, como a violência ou a representação exclusiva do modelo familiar clássico.

Editoras do segmento infanto-juvenil contam com conselhos de pais e professores para analisar o livro antes de sua contratação ou durante sua edição, orientando sobre o que pode ou não ser dito às crianças (um papel que deveria ser reservado a cada família). Desses livros impedidos de circular, nós nem ficamos sabendo.

Agora essa mesma prática está sendo adotada pelas editoras na literatura adulta, com a contratação dos "leitores sensíveis", responsáveis por analisar se certa palavra pode soar ofensiva a homossexuais, se uma ideia pode ecoar mal no movimento negro, se as mulheres vão se incomodar com certa cena, se o livro contém "gatilhos" (conceito tão amplo e tão odioso que, na prática, significa qualquer coisa que possa despertar algo de negativo).

Alguns livros controversos ainda são publicados, pois, no fim das contas, o investimento é relativamente baixo. Mas esses livros não são inscritos em editais como o Programa Nacional do Livro e do Material Didático, circulam pouco, e seus autores não são convidados para grandes eventos, para grandes festivais, não têm colunas em jornais, pois podem tanto inflamar a ira de bolsonaristas quanto de movimentos de minorias e, principalmente, afastar patrocinadores.

A verdadeira censura, afinal, não é ideológica, restrita à direita ou à esquerda, é uma censura de mercado. O que pode limitar o potencial mercadológico do livro vem sendo vetado.

Alguns podem dizer que sempre foi assim —o livro, afinal, é um produto; se não tem viabilidade comercial, é rejeitado. Isso, porém, vem se intensificando e penetrando cada vez mais em um meio em que eram permitidos o conflito, o debate, a reflexão.

A literatura sempre foi o último meio de resistência, no qual se podia dizer tudo o que não se pode dizer em nenhum outro lugar. Se não for mais assim, algumas ideias permanecerão apenas em nossas cabeças. Eu me pergunto: o que acontecerá quando essas ideias não encontrarem mais meio de escape?

A censura mercadológica se intensifica também na literatura porque o mercado penetra em todas as áreas da existência contemporânea. As redes sociais promoveram a mercantilização de nossas vidas. Buscamos não apenas sermos valorizados, "curtidos", mas monetizados.

Os criadores de conteúdo —hoje, qualquer um que tenha conta no Facebook, Instagram, YouTube, TikTok e afins— estão sujeitos a uma censura sobre seu próprio dia a dia. Ideias, palavras, momentos não podem ser compartilhados porque ameaçam o alcance de suas postagens e o eventual lucro (financeiro, inclusive) que se pode obter.

Nesse contexto, não há espaço para o sarcasmo, o cinismo (como o parágrafo de abertura deste texto); a ironia foi assassinada, tendo de vir sucedida do odioso SQN ("só que não") para deixar claro que o texto contém contradições.

A questão das palavras proibidas tornou-se tão patética que canais do YouTube sobre crimes reais, dedicados a analisar a violência, precisam alterar algumas grafias ("v1olência", "est*pro", "m4t4r"), ou então perdem a chance de serem monetizados. Não é uma questão de não assustar as criancinhas, é não assustar os anunciantes.

A subjetividade da literatura vem sendo ameaçada não por bolsonaristas, não pela "cultura woke", mas porque os meios de comunicação atuais buscam o consenso, a unanimidade, atingir todos os públicos, não ofender ninguém. As redes sociais, que cresceram promovendo a diversidade e a comunicação de nicho, agora têm de agradar a todo o mundo ao mesmo tempo.

E a literatura não é isso, nunca foi isso. Não tem espaço nessa realidade. Como venho dizendo, querem que vivamos em um mundo de censura livre, quando deveríamos buscar um mundo livre de censura.


11/03/2024

VEADO VENDIDO



MEU LIVRO VAI VIRAR FILME!

(não sabe de nada... inocente...)

Mas saiu hoje na coluna de Ancelmo Gois em O Globo. Veado Assassino foi vendido para o cinema ARGENTINO (acho que eu fui o único brasileiro a se beneficiar da eleição do Milei...)

Já vendi horrores de livros para o cinema, para saber que esse é só um primeiro passo. Ter os direitos vendidos não significa necessariamente que MEU LIVRO VAI VIRAR FILME! As produtoras geralmente pagam um adiantamento e, se conseguirem viabilizar, o filme acontece (daí a grana é melhor...)

Mas é sempre bacana ver esse interesse, ainda mais um livro com esse título, com esse tema. Chegou a ser sondado por produtoras importantes no Brasil, mas não deu em nada (que surpresa). Agora já assinei (e recebi) com os argentinos, que parecem estar bem empenhados em viabilizar logo, vamos ver...

A peça com Pedro Goifman no papel título também está sendo adaptada por mim, com direção da Fernanda D'Umbra. Mas também nada certo ainda; estamos atrás de viabilizar a produção, editais, parcerias, produtores... Quem quiser entrar nesse barco..

08/03/2024

Os filmes do Oscar (que eu vi




- American Fiction: adorei, achei divertidíssimo, mas o final acho muito facilitado.
- Anatomia de uma queda: Achei bonzinho, mas nada de novo.
- Barbie: Puta blábláblá chato. Uma merda.
- Assassinos da Lua das Flores: Filmão ok, meio sem graça.
- Pobres Criaturas: Esse eu ameeei. (Mas não chega perto de concorrentes do ano passado, tipo Tár e Triângulo da Tristeza).
- Segredos de um Escândalo: Moralistinha, mas bacaninha.
- Dias Perfeitos: O livro do Raphael Montes é melhor.
- O Menino e a Garça: Detestei com todas as forças.
- Homem-Aranha Através do Aranhaverso: Fui ver com preguiça, porque tava todo mundo falando, e não pude deixar de me impressionar. Dava pra esse o Oscar de animação.
- Godzilla Minus One: Uma injustiça estar só no efeitos visuais. (E não vai leva
r).

DIA DO ESCRITOR

Neste sábado terei o prazer de conversar pela primeira vez com o queridíssimo Alexandre Vidal Porto, que lançou um dos grandes livros do ano...