28/09/2018

ELE NÃO!



Já falei exaustivamente no Facebook, e acho que é óbvio para qualquer um que me segue, mas ainda não tinha colocado aqui no blog, então reforço o coro do #elenão, contra a candidatura do Capeta que não merece ser nominado.

Para mim não deveria ter nem discussão, uma pessoa dessas nem deveria poder ser presidente. Mas me surpreendo ainda com o fascismo do povo brasileiro, e a defesa que gente totalmente alienada tem feito dele.

É um cara racista, homofóbico, misógino, que vem há anos na imprensa dando declarações absurdas, pelas quais já deveria estar preso.

Alguns dizem que não é bem assim, que a imprensa (comunista!) tira as frases dele de contexto. Não é verdade. Já acompanhei várias entrevistas completas dele; não tem como relativizar. O cara defende torturador, defende extermínio em massa.

Outros dizem que ele realmente tem um pensamento "conservador", mas é um militar, que o Brasil tem questões muito mais importantes para lidar, e que ele é ficha limpa e vai acabar com a "bandidagem".

O sujeito está há quase TRINTA anos no congresso e não aprovou UMA lei que preste, não fez nada pela segurança do Rio, estado que o elegeu, só meteu a família toda em cargos público e mamou nas tetas do estado, e tem coragem de bradar contra lei Rouanet e afins.

O sujeito não tem a MENOR noção de economia, de saúde, gestão pública. Nos debates tem entregue a responsabilidade aos seus ministros, ao seu "Posto Ipiranga" Paulo Guedes, que propõe imposto de renda único de 20% para pobres e ricos.

O sujeito só não é um GÊNIO DO MAL porque de gênio não tem nada. É um JECA total, ignorante, inculto - é esperto, claro, muito esperto - mas total ignorante e despreparado. Que se aproveitou de esperto na burrice do povo.

"Ah, mas o PT..." Eu não voto no PT. Nem acho que seja saudável o PT de volta ao poder, principalmente com essa polarização, desconfio da governabilidade do partido. Até simpatizo com o  Haddad e votarei bonito nele no segundo turno (se for contra o coiso). Mas meu voto é no Ciro Gomes.

Longe de ser o ideal, e com uma vice aterradora, acho a opção mais viável, o cara mais preparado, com pensamento em sintonia com muitas coisas que acredito. De toda forma, não pago pau pra nenhum político. Não sou otário de chamar político de "mito". E a questão aqui não é em quem votar (temos doze opções), é só que ELE NÃO é uma opção.

Acho lindo sim esse movimento, porque não é questão de partido, nem de direita ou esquerda, é questão de bom senso. É para deixar claro que todo mundo tem direito a voto, mas que essa escolha específica ultrapassa todos os limites - afinal é um cara que apoia a ditadura, a censura, a tortura, que reprime a própria democracia e o direito de voto. Votar nele é no MÍNIMO um contrassenso.

"Ah, mas você prefere o comunismo?" Meus queridos, ESTAMOS EM 2018! O PT ficou uma DÉCADA no poder e tornou o Brasil mais capitalista do que nunca (com acertos e barbeiragens). Não entendo de onde surgiu essa paranoia nos dias de HOJE que "os comunistas vão tomar o poder", coisa total anos 60!

"Ah, mas a Venezuela..." Povo adora pegar exemplo de país fodido para desmerecer a esquerda. Quer exemplo de país de esquerda, com estado forte, flertando com o socialismo? Vai pro primeiro mundo. Vai pra ESCANDINÁVIA!

(Eu já fui. E já fui pra Venezuela também. Tá faltando Cuba, adoraria).

Mas novamente, não é questão de direita ou esquerda. Vota no Alckmin, vota no Amoedo... NELE NÃO.

"Ah, mas falam isso porque ele é o único que consegue derrubar a esquerda..." Meu querido, não tenho culpa que a direita não conseguiu viabilizar uma candidatura decente. Se segundo turno fosse entre ELENÃO e Alckmin votava feliz (ou quase) no Alckmin. E o vice do Amoedo é meu primo! Esse discurso parece um "prefiro explodir o país do que deixar a esquerda governar."

De todo modo... Apelar para a argumentação e bom senso me parece inútil para alguém disposto a votar numa coisa dessas. Podem até assassinar o cabra, que vai surgir outro, um filho, um discípulo, um esporo. O problema é essa mentalidade imbecilizada, formada por anos sem educação, com muita religião.

Mas por enquanto, só podemos pedir: ELENÃO

(Agora vamos deixar de lado a monomania e falar do novo álbum do Suede?)



Tentando argumentar com um "minion". 










20/09/2018

THE BLUE HOUR


Novo disco do Suede saindo nesta sexta.

"The Blue Hour" é o oitavo, o terceiro da nova fase da banda, pós-retorno em 2010. Segue a linha temática sobre relacionamentos conturbados, paternidade, crises de meia idade que não costumam gerar boa coisa em matéria de rock, mas também não dava para esperar que eles seguissem nas drogas e androginia aos cinquenta anos de idade. Fizeram escolhas dignas, com resultados discutíveis.

Nas entrevistas recentes, eles anunciaram o disco como "sombrio e perturbador", mas os primeiros singles iam para outra linha, com letras tiradas de uma cartilha de auto-ajuda: "you are not alone", "don't be afraid", "life is golden" - porém ao se ouvir o disco inteiro, as declarações fazem total sentido. "The Blue Hour" é um disco de pós-punk, o mais gótico que Suede já foi. Fica até difícil imaginar a maioria das faixas numa playlist de sucessos da banda como "Beautiful Ones".

Na verdade, "The Blue Hour" parece um novo projeto solo de Brett Anderson - mais próximo de "Black Rainbows" ("The Exiles", "Actors", "Possession") do que de qualquer outro disco da banda, mas com algumas novidades (corais, ruídos incidentais, spoken word, Brett cantando com primeira e segunda voz).

Será que isso é bom?

Vamos arriscar um faixa a faixa (apesar de, claro, eu ainda estar nas primeiras audições, ainda preciso me acostumar..):

AS ONE: Coral trevoso, guitarra pós-punk, orquestra, uma cruzamento gótico de "When We Are Young", do disco anterior, com o "Seventh Seal" do Scott Walker (uma influência confessa).  Mas a melodia não é lá grande coisa e não transcende muito além de uma introdução, que dá bem o tom do disco.

WASTELANDS: Das mais popzinhas do disco - e das mais longas - mas não traz nada de especial. Falta um melhor trabalho de guitarra, um refrão mais empolgante. Meio "meh".

MISTRESS: Baladinha gótica bem esquecível.

BEYOND THE OUTSKIRTS: Baladinha que cresce com refrão grandioso, tem lá seu solo de guitarra (remetendo levemente a "Sometimes I Feel I´ll Float Away"), mas também nada especial.

CHALK CIRCLES: Aqui a coisa começa a ficar interessante, apesar de ser mais uma ponte para a próxima música. Tem um refrão com multi-vocais (a la "Funeral Mantra") que serve como ótima abertura para a próxima.

COLD HANDS: Como é emendada na anterior, ao ouvir pela primeira vez achei que era uma música só (um progressivo que funciona bem). Outra das pops do disco, versos com guitarrinhas pós-punk e um refrão óoootimo cheio de backings glam. "Put your cold hands on meeeee - oh-oooh." Acho que é minha favorita.

LIFE IS GOLDEN: Outro ponto alto do disco (e um dos singles), uma balada bem bonitinha (não chega a ser linda), com um tom meio kitsch de auto-ajuda ("you are not alone, look up to the sky and be calm. Your life is golden."). Bacana.

ROADKILL: É uma vinheta, em spoken word, com Brett Anderson recitando sobre um pássaro morto que encontrou. Parece as coisas solo do Andi Sex Gang... (E, bem, gosto de Sex Gang).

TIDES: Outra baladinha gótica, na mesma pegada de "As One" e "Beyond the Outskirts", que cresce e ganha percussão no refrão. Nessa altura do disco, já soa meio genérica.

DON'T BE AFRAID IF NOBODY LOVES YOU: Amo o título. A música é outro dos popzinhos meio meh, do álbum, com uma pegada meio "Snowblind", não tão boa quanto. Mas é ok.

DEAD BIRD: Outra vinheta. Aqui com um diálogo curtinho entre Brett e seu filho.

ALL THE WILD PLACES: Baladinha sinfônica, meio balé, meio "meh". Cadê a banda?

THE INVISIBLES: Na mesma vibe do que a anterior, mas com uma melodia mais bacana (porque talvez eu já tenha me acostumado, já que foi das primeiras a sair). Podia ter um arranjo melhor, podia crescer com a banda. Cadê bateria? Cadê a banda?

FLYTIPPING: Outra das baladas que crescem no refrão (como "As One", "Outskirts"). Nos 45 do segundo parece que ao menos Simon Gilbert (o baterista), acordou, com viradas interessantes (que não são muito marca dele). Mas nenhuma grande surpresa fechando o disco.


Concluindo: talvez eu precise me acostumar. Achei meio decepcionante, mas nada vergonhoso. Sinto falta de melodias mais líricas, guitarras mais definidas, um solo poderoso de guitarra (naaaada), muita orquestra, pouca banda. Funciona mais como "álbum conceitual" do que os anteriores, o que também o deixa um pouco repetitivo, muitas faixas parecidas. Tem o grande mérito de ser BEM diferente dos anteriores. Mas está longe de ser dos melhores.

Se você não é grande conhecedor da banda, recomendo mais ver dois posts meus atrás ("The Beautiful Ones"), que coloco uma playlist de 10 das minhas favoritas.

Arriscando meu novo ranking da banda, eu colocaria os álbuns mais ou menos nessa ordem:

DOG MAN STAR
SUEDE
COMING UP
NIGHT THOUGHTS
BLOODSPORTS
THE BLUE HOUR
A NEW MORNING
HEAD MUSIC


16/09/2018

LITERATURA GAY



Semana passada João Silvério Trevisan relançou seu histórico “Devassos no Paraíso”, um tratado sobre a homossexualidade no Brasil “da colônia à atualidade”. Tenho orgulho de fazer parte dessa nova edição (citado com “Feriado de Mim Mesmo”), embora eu reconheça que, "literariamente", poderia ter feito mais pela “causa”- dos meus nove livros, poucos trazem o tema em primeiro plano, talvez porque nenhum trate especificamente de relações amorosas-afetivas....

Entre Trevisan e Noll, em 2009

É sempre uma escolha delicada, até que ponto contar uma história, até que ponto levar uma causa. Eu adoro os personagens tortos, de caráter duvidoso, tentar entender o outro lado. Outra alternativa é ser panfletário, político, que talvez não renda boas histórias. Mas estou trabalhando nisso, estou buscando um equilíbrio...

De todo modo, também estou numa curiosa lista que a SP Review fez recentemente sobre literatura homoerótica brasileira dos últimos tempos (com “Pornofantasma”). Então acho que estou fazendo minha parte... (Aqui:24-livros-homoeroticos-para-voce-ler-agora/)

Estimulado por isso, resolvi fazer minha própria lista, meus 24 livros gays favoritos de todos os tempos, de várias línguas, romances, contos e biografias (só dois coincidem com a lista da SP Review). Muitos são escolhas afetivas, muitos não foram traduzidos, muitos li em inglês, alguns em espanhol. Vários li há tanto tempo, na adolescência, que pouco me lembro (além da sensação positiva, e uma ou outra cena marcante); tenho uma memória terríiiiiiivel para leitura, então às vezes tive de recorrer ao que eu mesmo já escrevi sobre o livro (aqui no blog ou na imprensa).

É uma lista absolutamente pessoal. Não pretende mesmo ser “os melhores” e sim meus favoritos, entre os que li. E não, não tem nenhuma autora mulher. Cogitei colocar o “Cartas de um Sedutor”, da Hilda, mas como seria só ela, preferi manter o clube do Bolinha, só homossexualidade masculina. Acho que não tem nenhum autor hétero também... só enrustidos. Mas tem clássicos, contemporâneos, branco, preto, rico, pobre, jovem, velho, magro, gordo, manco, cego. Tem muitos amigos. E, por incrível que pareça, só UM que já peguei...

Vamos lá, em ordem aleatória:


O Retrato de Dorian Gray – Oscar Wilde


O romance que me fez querer ser escritor na adolescência. Uma versão do mito do narciso, um menino tão belo que se apaixona por si mesmo e vende a alma em troca da beleza eterna. A escrita dândi e sarcástica de Wilde é uma das bases da minha. (E como ainda quero traduzir esse livro...)

Visitando o túmulo dele em Paris pela segunda vez (em 2015). 

Frisk – Dennis Cooper

Das coisas mais pesadas que se pode ler: romance gay pedófilo-necrófilo SM hardcore. Cooper é dos meus autores favoritos exatamente por essa ousadia – leva a ficção literária aos limites (e nunca foi publicado no Brasil). “God Jr.” talvez seja seu melhor romance, mas não é exatamente gay. “Frisk” é uma excelente amostra do que ele faz de melhor, de pior, apenas para os fortes. (Ah, gerou um filme - que não presta.)


Morangos Mofados – Caio Fernando Abreu

Outra das leituras da adolescência, da época de descobrimento da minha (homo) sexualidade e da minha própria literatura. Confesso que hoje acho um quanto tanto datado e... sentimentaloide. Mas a força de contos como “Sargento Garcia” e “Aqueles Dois” se mantém.

Maldito Coração – J.T. LeRoy 

Essa edição é uma beleza. Minha tradução já não sei...
A falsa biografia de um michê mirim, num universo de sexo, drogas e androginia. Acompanhei de perto essa história, conheci a autora (OPS! Temos aqui uma autora mulher, ainda que tenha escrito se passando por homem) e é o único livro da lista com tradução minha (uma das minhas primeiras traduções aliás; tenho medo de reler hoje em dia...).

Com Laura Albert, a verdadeira autora. 

Pai, Pai – João Silvério Trevisan

Trevisan tem uma vasta obra dedicada à homossexualidade, mas “Pai, Pai”, seu romance autobiográfico lançado ano passado é o que está mais fresco em minha mente, e dos que mais gosto (junto a “Ana em Veneza”). A partir da turbulenta relação com o pai, ele narra sua história, a descoberta de sua homossexualidade no seminário e sua trajetória como autor. Tem que ganhar algum prêmio este ano.

Rastros do Verão – João Gilberto Noll

Não é dos romances-novelas mais conhecidos de Noll, mas foi o primeiro dele que li, me mudando para Porto Alegre, aos 22 anos, por isso foi tão importante para mim. Narra a história de um homem... chegando a Porto Alegre, aquele viajante típico do Noll, com sexualidade e objetivos ambíguos. Visitei os cenários descritos no livro com meu namorado na época (que hoje é professor em Harvard) e Noll se tornou um dos meus maiores heróis – que por privilégio depois virou amigo. Saudades. 

Eu na sarjeta com Noll nas estrelas. Nunca me esquecerei. 


Morte em Veneza – Thomas Mann

Como tantos, a obra de Thomas Mann me foi aberta na adolescência pelo filme de Luchino Visconti, que talvez seja melhor do que essa novela (que é um tanto quanto cerebral, enquanto o filme é tão contemplativo). Aqui temos uma espécie de revisão de Dorian Gray, um homem já na meia idade que contempla a beleza perdida, através de um jovem tão idealizado, que acaba sendo sua morte. Convém apontar que toda a obra de Mann traz essa visão idealizada da beleza masculina. E ele é dos meus autores favoritos.

O imortal Tadzio. 

Balé Ralé – Marcelino Freire

Marcelino Freire tem uma voz única. E de todos seus livros “Balé Ralé” continua sendo meu favorito. Livro de contos que trata da sexualidade de forma tão lírica, tão musical e tão divertida.

O Desconhecido – Lúcio Cardoso


“A Crônica da Casa Assassinada” é seu maior clássico, mas confesso que esse “Desconhecido” (de 1940),  me tocou mais profundamente. É uma novela minimalista, sombria, quase um livro de terror, com uma homossexualidade latente, escrita em fluxo de consciência. Ele tinha de ser mais lido.

Homens Elegantes – Samir Machado de Machado

Dos contemporaníssimos, o gaúcho Samir tem trabalhado o romance histórico com criatividade, pertinência e “elegância”. Seu “Homens Elegantes”, lançado em 2016, é uma mistura de romance gay com capa e espada e sátira política (incluindo um vilão chamado “Conde Bolsonaro”).

Bela capa (e espada). 

O Estranho Mundo de Hugo Guimarães 

Dos mais interessantes entre os jovens (agora já não tão jovem) escritores gays contemporâneos, Hugo faz “literatura snuff”, uma prosa gay hardcore, herdeira de Glauco Mattoso com Dennis Cooper, punk e provocadora. Não à toa, quem assina a orelha desse seu livro de contos sou eu. 

Hugo-gato-autor-capa.

Giovanni’s Room – James Baldwin

Um clássico gay (dos camelôs de livros) escrito por um autor negro, representa a homossexualidade através da fascinação americana pelo universo europeu. Outro daqueles que li na adolescência e que, ainda que publicado nos anos 50, me parece incrivelmente atual e provocador. Também quero reler. 

Allan Stein – Matthew Stadler 

Pouco conhecido, Stadler é um autor americano dos anos 90, obcecado pela sexualidade juvenil (eu mesmo o conheci pessoalmente quando eu era pouco mais de um menino...). Aqui, um professor estuda Allan Stein, sobrinho de Gertrude Stein (que não fez nada de grandioso além de ter pousado para uma rara obra homoerótica de Picasso). A obra mistura ensaio e auto-ficção, com alta carga queer. Literatura serve pra isso. 

Puta capa "Dog Man Star."


A Confissão de Lúcio – Mário de Sá Carneiro

Autor português contemporâneo (e amigo) de Fernando Pessoa, Sá-Carneiro era um homossexual obeso que se matou aos vinte cinco anos. Entre as obras que deixou, a novela “A Confissão de Lúcio” é das mais famosas – um triângulo amoroso com algo de um “duplo feminino”, uma homossexualidade latente e simbolista, que termina em crime. Também me foi trazida por um namorado da juventude.

Temporada de Caza para el León Negro – Tryno Maldonado

Maldonado é um escritor mexicano gente finíssima, que conheci na Espanha, em 2010. Esta sua novela (a única que li) é uma declaração de amor a um personagem, um jovem artista plástico cocainômaco, anárquico e autista – numa narrativa que equilibra poesia com uma futilidade estúpida. Mais do que a figura de um excêntrico, é um retrato (abstrato) de nossa geração (a "Geração Atari", como Maldonado coloca no livro), então o livro se torna uma visão afetiva de nossos valores e ideais.... (ou foi isso que escrevi ao ler o livro na época). 

Maldonado e eu, mano a mano. 

The Man Who Fell in Love with the Moon – Tom Spanbauer

Uma espécie de faroeste gay narrado por índio michê adolescente... Precisa dizer mais? (Ai, li esse lá nos anos 90...). Foi um dos livros que me impactou pelo personagem,“Shed”, e pela abertura de possibilidades de narrativa no universo gay, com folclore norte-americano. Também quero reler. 


The Night Listener – Armistead Maupin

Baseado numa história real. Aqui temos um locutor de rádio (espécie de alter-ego de Maupin) que estabelece um relacionamento entre o platônico e o paternal com um ouvinte adolescente, que pode não existir. Tem muito em comum com a verdadeira história do J.T. LeRoy. E gerou um filme com o Robbie Williams no papel principal (que presta também, acredite.). Acho que tem uma tradução publicada no Brasil.


O Inferno É Logo Ali – Mike Sullivan

Outro dos contemporaníssimos brasileiros, Sullivan traz um lirismo invejável ao cenário homoerótico, com textos que ficam entre o conto e poema, sobre sexo, drogas, michês e bebedeiras. E este não é o único livro dele que presta. Um autor que ainda será grande (se o fascismo, o MBL e a estupidez não dominarem o país...)

Bela capa. 

O Templo – Stephen Spender


A história de um jovem inglês que vai para a Alemanha e se deslumbra com a beleza, com os corpos, com "o templo" dos alemães. Anos depois, ele volta ao país e descobre que todo aquele culto à beleza assumiu uma conotação política perigosa, com o emergente partido nazista. Os jovens arianos que ele conheceu embruteceram e se voltaram contra ele, que era judeu. Ao mesmo tempo em que os jovens judeus e miscigenados se voltaram contra os arianos que antes amavam. "O templo" se tornou um fronte de batalha. Outro livro que eu adoraria reler, e que ganhei de presente do (falecido) poeta Donizete Galvão, lá no início do século.

Solo te Quiero como Amigo – Dani Umpi

O escritor, cantor e artista performático uruguaio Dani Umpi é um amigo querido. Este seu romance foi o primeiro que li, de férias em Florianópolis, entre a cena gay da Praia Mole, e fez todo sentido, porque narra a vida gay no Uruguai (tão próxima daqui), através de um relacionamento falido. É bem engraçado e divertido. 

Com Dani Umpi (ao centro) e Michel Melamed.

Lucas e Nicolas – Gabriel Spits

O romance mais adolescente desta lista, de outro contemporaníssimo brasileiro, é um tanto quanto adocicado e tem aquela história clichê de “nerd se apaixona por fodão do colégio”. Mas funciona. Porque é muito atual, inteligente, fofo, e contado do ponto de vista dos dois meninos, o que dá uma dimensão literária maior. Eu gostaria de ter lido na escola. Devia ser leitura obrigatória.

Running with Scissors – Augusten Burroughs 

Romance biográfico (que gerou um filme mais ou menos), de um garoto homossexual que é entregue a uma família “alternativa”, beirando a insana. É divertido, engraçado, às vezes perturbador e bastante literário. Fiquei de olho no autor, que prometia, mas até agora ele não repetiu o feito... (Tenho um livro dele de crônicas natalinas que é péeeeessimo). Tem tradução no Brasil.

O Tripé do Tripúdio e Outros Contos Hediondos – Glauco Mattoso 

Mestre brasileiro, Glauco Mattoso é nossa voz queer mais importante, com narrativas que passam pela dominação, SM e podolatria. Difícil para mim escolher um livro dele, até porque tenho muuuuita coisa dele aqui (grande parte que ele mesmo generosamente me enviou) e nem lembro ao certo qual conto é de qual livro. Mas este volume e um belo exemplo, com uma belíssima edição da Tordesilhas.

Pornofantasma – Santiago Nazarian


O melhor da lista! Mentira... Mas posso colocar um meu? Afinal, não posso me deixar de fora para o povo que cair aqui de para-quedas... Meu único livro de contos tem essa pegada forte queer, alternativa, entre o terror e o erótico. O texto mais longo, quase uma novela, que dá o título, é sobre um pai que perde o filho adolescente, vítima de overdose, e passa a enxergá-lo num ator pornô, que ele tenta salvar. Sim, tem muito de Cooper, de Noll, Stadler, LeRoy e tantos outros autores desta lista, que, afinal, são minha influência.

Este é o antigo rascunho de capa que mandei para a editora, mas não conseguimos os direitos da foto. Pena. Amo essa foto. 


E a história continua...

13/09/2018

CULTURA EM CHAMAS


Eu e Mutarelli brindando a tempos melhores (México, 2013). 

Você ganha bem com a literatura?

"Estou absolutamente falido. Vivo de aulas que dou no Sesc, o que não paga todas as contas. O que eu ganho com livro é ridículo. Recebo 10% do preço de capa, e ainda pago 27% de imposto de renda. Não tenho dinheiro para chegar até o final do ano. Vai ter uma exposição no Sesc, em novembro, com algumas coisas minhas, estou terminando umas pinturas, sem escrever neste momento. Quando começo a pintar, paro de escrever. Estou com 54 anos e tudo só piora, a cada ano está mais difícil. E acho que nem posso reclamar, estou numa grande editora, publico. Sou um dos que deram certo, mas dar certo com livro no Brasil é apenas isso. É muito triste." - Lourenço Mutarelli em entrevista a Thales Menezes, na Folha.

(entrevista completa aqui:  Entrevista com Mutarelli


Ecoou muito por aqui a declaração recente do querido Lourenço Mutarelli, em ocasião do lançamento de seu novo romance O Filho Mais Velho de Deus (que ainda não li, mas o título é foda). Tem sido um ano muito, muito difícil para mim, e saber que o meio como um todo está na mesma é ao mesmo tempo reconfortante e desesperador.



Reconfortante porque a gente se sente menos merda, né? Saber que o fracasso não é tão pessoal, que gente melhor do que a gente tá na mesma, ou pior. Desesperador porque a gente sabe que não tem muito como escapar; gente melhor do que a gente está na pior...

O meio literário-editoral está numa situação muito complicada. As livrarias não vendem e não repassam às editoras. As editoras cortam custos, publicações, traduções. Os autores não recebem. Mutarelli expôs sua situação pessoal na Folha, mas todos os colegas que encontro estão na mesma, perdidos. 


Primeira mesa da primeira Flip (2003) foi comigo (e Cuenca e Chico Matoso, mediados por Paulo Roberto Pires)


Eu tive a sorte de começar a carreira no comecinho dos 2000, num período próspero para a cena literária (e para a economia como um todo). Nunca antes na história deste país houve tanto mercado para os "novos autores": eram as feiras literárias que se proliferavam (com cachês); a multiplicação de canais a cabo e o ressurgimento do cinema brasileiro, que precisavam de novos roteiristas; e todo um público para aulas de escrita, de oficinas criativas. O escritor tinha trabalho. 


Lá por 2007 dava para ganhar um (bom) dinheiro até escrevendo pro São Paulo Fashion Week. 

Em 2014, fiz aquela matéria grande na Folha (aqui) sobre do que vivem ("do que se alimentam") os escritores no Brasil. Apesar de alguns escritores mais "comerciais" me chamarem de negativo, eu avaliava aquele cenário como muito positivo. Se os escritores não conseguiam viver da venda de livros, estavam se mantendo com as aulas, as traduções, roteiros, jornalismo.

De lá para cá, a situação deteriorou muito, com a crise econômica, ideológica e o incêndio total da cultura. Os autores que, como eu, como Mutarelli, começaram nesse novo século, encontram o pior cenário literário que já viveram. 

Espanha, 2010.

É desesperador para um mestre como ele, aos 54; é desesperador para mim, aos 41. A gente começa uma carreira, alcança certo nome, e acha que com o tempo terá certa estabilidade (se não riqueza!). Mas é tudo cada vez mais incerto. No meu caso, penso se o melhor já não passou, se meu melhor já passou (bem, foi muito a crise que expus em BIOFOBIA). Já vendi bem, já viajei o mundo (da Argentina ao Japão), será que devo apenas me contentar de já ter sido feliz?

De BIOFOBIA


Penso nos cachês dos eventos literários. São praticamente os MESMOS desde que comecei, sem reajustes de inflação - isso quando HÁ cachês...


Quando fui "bestseller" num jornal Alemâ... Ah, me perdoem, estou tentando elevar meu moral. 

Debatendo sobre isso no Facebook (sempre), o jovem autor Danilo Potens fez uma provocação pertinente: 

É triste, mas cabe citar que ele [Mutarelli] ganha mais de 4.664,68 por mês, tendo em vista os 27% de imposto de renda. É bem acima da média salarial dos pobres. Tenho medo da palavra "falido", pois já conheci diversos homens que ganhavam 15 mil por mês e ficavam lamentando sobre a "vida precária" que levavam. "Mal dava pra comer no Paris 6". Enquanto o povo come no bom prato.

É verdade. Mas para o tetraplégico o amputado teve sorte. E Mutarelli ressalta bem que "não pode reclamar" pois é um dos que têm sorte, que deu certo. É triste pensar que o exemplo de "sucesso" no mundo literário não te salva do "Bom Prato". Nos últimos tempos, já passei por meses em que tive de esperar pagamentos atrasados para trocar chuveiro queimado (isso, uns 70 reais, né?). Tomar banho gelado por uma semana é lição de humildade. 

(E Danilo, como marido de chef, te digo que Paris 6 e Bom Prato tão pau a pau...)

O escritor não é um vagabundo que teve sorte, creio eu - ou nem sempre. Para ser um escritor publicado, lido, premiado, vai um investimento pesado. Tem muito estudo, leitura, COMPRA de livros, isso é o básico. Muitos investem na formação, cursos de escrita, graduação, mestrado, doutorado. Então, em tese, estamos falando de gente com especialização que não consegue pagar as contas - é um investimento que não se paga. No meu caso, além de um diplominha universitário básico (comunicação na FAAP), e todo o repertório, teve as línguas, aulas de francês, de finlandês, o tempo que morei fora (na raça, sem bolsa). Com isso tento viver basicamente da tradução. 

Essa foi minha "Assis Brasil". 


Mas afinal, que diferença faz, que diferença fazemos, para que serve um escritor?


Com Veronica Stigger, Cuenca, Adriana Lisboa, em foto de Daniel Mordzinski (Botogá, 2007). Adoro essa foto

Ano passado, conversando com alunos do Paraná, uma adolescente afiadíssima me perguntou: Se você parasse de escrever, ia fazer diferença para quem? 


(Parem de reclamar! Parem de viver de Rouanet! Vão cortar cana, carregar lenha, aprender a dirigir caminhão e bloquear as estradas!)


O incêndio no Museu Nacional do RJ me fez pensar. Todos nós que trabalhamos com cultura somos acometidos da sensação de que nosso trabalho não importa, de que não somos prioridade, não estamos apagando incêndios. Mas com o teste do tempo, tudo fica para trás: saúde, segurança, economia, tudo é transitório, perecível e passageiro. O que fica é a história de um povo, o que foi criado, como foi registrado. No fim, só resta a cultura.



01/09/2018

THE BEAUTIFUL ONES


Final do mês tem disco novo do Suede, a melhor banda de todos os tempos da minha vida. Já estou na contagem regressiva, então decidi fazer meu top 10 para tentar arrebanhar novos fãs. Como fã desde 1993, com uma coleção de praticamente tudo o que eles lançaram, fica quase impossível escolher só dez faixas, e a lista sempre vai mudar. Mas vai aí uma seleção bem representativa do que eles fazem de melhor, com hits, b-sides e clássicos:


BEAUTIFUL ONES (1996):
Talvez o maior hit da banda (junto de “Trash”), é a versão mais pop-acessível de Suede, e não é nada mal. Estavam todos lindos, vendiam o sonho do Britpop, e eu comprava cada single.

SOMETIMES I FEEL I´LL FLOAT AWAY (2013):
Balada da nova fase da banda, pós retorno, tem a pegada etérea de uma sci-fi lullaby (para usar o léxico da banda), um solo de guitarra bacaninha e uma letra inspiradora, comparando a solidão a um balão de hélio: “Às vezes acho que vou sair flutuando, sem você para me segurar.”


GOLDEN GUN (2003):
Mesmo um B-side da fase mais decadente do Suede pode trazer uma pérola. Para mim Golden Gun é isso. Lançada quando a banda estava prestes a terminar, mistura punk, eletrônico e glam, com uma letra pouco inspirada. Já toquei nas pistas (quando tocava nas pistas) e super funciona.

ANIMAL NITRATE (1993):
Recuamos mais dez anos e chegamos ao auge do Suede. Das músicas mais representativas (inclusive pelo clipe). Foi assim que os conheci, que me apaixonei, ainda na adolescência, com Brett Anderson andrógino, afetado, agressivo, rebolando entre porcos, cães e cobras, cantando: “Oh, it turns you on, now your animal´s gone...”

LOST IN TV (2002):
Outra da fase decadente, com que tenho uma relação especial, talvez por ser a fase em que os conheci pessoalmente, assisti aos shows em Londres e esperava muito mais do disco (“A New Morning”). Mas é uma excelente amostra de balada do Suede, e ainda das minhas favoritas.


SHE (1996):
A melhor amostra do lado glam da banda, poderia ser um (puta) tema de filme do 007, completo com orquestra e tudo.

THE LIVING DEAD (1994):
B-side da fase áurea, inspirado num casal de homossexuais junkies, amigos do Brett, que estavam morrendo de AIDS. “But, oh, what wil you do alone? Cause I have to go...” Linda de chorar.

I DON´T KNOW HOW TO REACH YOU (2016):
Ponto alto do último álbum da banda, prova que eles ainda podem muito. Tem um dos meus solos de guitarra favoritos, outra sci-fi lullaby inspirada de Richard Oakes.

THE ASPHALT WORLD (1994):
“Dog Man Star”, o segundo álbum, é considerado o melhor da banda (e o melhor da HISTÓRIA, segundo alguns, como eu). “The Asphalt World” é o melhor exemplo disso: lenta, longa, progressiva, alternativa, com uma letra foda, e Brett em sua melhor forma vocal. Provavelmente a melhor música do Suede, não exatamente minha favorita...

SO YOUNG (1993):
A música que abre o primeiro disco será sempre minha favorita. She can... start... to walk out... when she wants. Brett canta sobre drogas, juventude e inconsequência acompanhado da guitarra em solo de Bernard Butler, duas melodias num casamento perfeito. Foi a trilha da minha adolescência, tudo o que eu queria para mim, e muito do que me tornei.


(Playlist inteira no Spotfy, aqui: TopSuedeSpotify

NESTE SÁBADO!