Estimulado por isso, resolvi fazer minha própria lista, meus 24 livros gays favoritos de todos os tempos, de várias línguas, romances, contos e biografias (só dois coincidem com a lista da SP Review). Muitos são escolhas afetivas, muitos não foram traduzidos, muitos li em inglês, alguns em espanhol. Vários li há tanto tempo, na adolescência, que pouco me lembro (além da sensação positiva, e uma ou outra cena marcante); tenho uma memória terríiiiiiivel para leitura, então às vezes tive de recorrer ao que eu mesmo já escrevi sobre o livro (aqui no blog ou na imprensa).
É uma lista absolutamente pessoal. Não pretende mesmo ser “os melhores” e sim meus favoritos, entre os que li. E não, não tem nenhuma autora mulher. Cogitei colocar o “Cartas de um Sedutor”, da Hilda, mas como seria só ela, preferi manter o clube do Bolinha, só homossexualidade masculina. Acho que não tem nenhum autor hétero também... só enrustidos. Mas tem clássicos, contemporâneos, branco, preto, rico, pobre, jovem, velho, magro, gordo, manco, cego. Tem muitos amigos. E, por incrível que pareça, só UM que já peguei...
Vamos lá, em ordem aleatória:
O Retrato de Dorian Gray – Oscar Wilde
O romance que me fez querer ser escritor na adolescência. Uma versão do mito do narciso, um menino tão belo que se apaixona por si mesmo e vende a alma em troca da beleza eterna. A escrita dândi e sarcástica de Wilde é uma das bases da minha. (E como ainda quero traduzir esse livro...)
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Visitando o túmulo dele em Paris pela segunda vez (em 2015). |
Frisk – Dennis Cooper
Das coisas mais pesadas que se pode ler: romance gay pedófilo-necrófilo SM hardcore. Cooper é dos meus autores favoritos exatamente por essa ousadia – leva a ficção literária aos limites (e nunca foi publicado no Brasil). “God Jr.” talvez seja seu melhor romance, mas não é exatamente gay. “Frisk” é uma excelente amostra do que ele faz de melhor, de pior, apenas para os fortes. (Ah, gerou um filme - que não presta.)
Morangos Mofados – Caio Fernando Abreu
Outra das leituras da adolescência, da época de descobrimento da minha (homo) sexualidade e da minha própria literatura. Confesso que hoje acho um quanto tanto datado e... sentimentaloide. Mas a força de contos como “Sargento Garcia” e “Aqueles Dois” se mantém.
Maldito Coração – J.T. LeRoy
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Essa edição é uma beleza. Minha tradução já não sei... |
A falsa biografia de um michê mirim, num universo de sexo, drogas e androginia. Acompanhei de perto essa história, conheci a autora (OPS! Temos aqui uma autora mulher, ainda que tenha escrito se passando por homem) e é o único livro da lista com tradução minha (uma das minhas primeiras traduções aliás; tenho medo de reler hoje em dia...).
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Com Laura Albert, a verdadeira autora. |
Pai, Pai – João Silvério Trevisan
Trevisan tem uma vasta obra dedicada à homossexualidade, mas “Pai, Pai”, seu romance autobiográfico lançado ano passado é o que está mais fresco em minha mente, e dos que mais gosto (junto a “Ana em Veneza”). A partir da turbulenta relação com o pai, ele narra sua história, a descoberta de sua homossexualidade no seminário e sua trajetória como autor. Tem que ganhar algum prêmio este ano.
Rastros do Verão – João Gilberto Noll
Não é dos romances-novelas mais conhecidos de Noll, mas foi o primeiro dele que li, me mudando para Porto Alegre, aos 22 anos, por isso foi tão importante para mim. Narra a história de um homem... chegando a Porto Alegre, aquele viajante típico do Noll, com sexualidade e objetivos ambíguos. Visitei os cenários descritos no livro com meu namorado na época (que hoje é professor em Harvard) e Noll se tornou um dos meus maiores heróis – que por privilégio depois virou amigo. Saudades.
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Eu na sarjeta com Noll nas estrelas. Nunca me esquecerei. |
Morte em Veneza – Thomas Mann
Como tantos, a obra de Thomas Mann me foi aberta na adolescência pelo filme de Luchino Visconti, que talvez seja melhor do que essa novela (que é um tanto quanto cerebral, enquanto o filme é tão contemplativo). Aqui temos uma espécie de revisão de Dorian Gray, um homem já na meia idade que contempla a beleza perdida, através de um jovem tão idealizado, que acaba sendo sua morte. Convém apontar que toda a obra de Mann traz essa visão idealizada da beleza masculina. E ele é dos meus autores favoritos.
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O imortal Tadzio. |
Balé Ralé – Marcelino Freire
Marcelino Freire tem uma voz única. E de todos seus livros “Balé Ralé” continua sendo meu favorito. Livro de contos que trata da sexualidade de forma tão lírica, tão musical e tão divertida.
O Desconhecido – Lúcio Cardoso
“A Crônica da Casa Assassinada” é seu maior clássico, mas confesso que esse “Desconhecido” (de 1940), me tocou mais profundamente. É uma novela minimalista, sombria, quase um livro de terror, com uma homossexualidade latente, escrita em fluxo de consciência. Ele tinha de ser mais lido.
Homens Elegantes – Samir Machado de Machado
Dos contemporaníssimos, o gaúcho Samir tem trabalhado o romance histórico com criatividade, pertinência e “elegância”. Seu “Homens Elegantes”, lançado em 2016, é uma mistura de romance gay com capa e espada e sátira política (incluindo um vilão chamado “Conde Bolsonaro”).
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Bela capa (e espada). |
O Estranho Mundo de Hugo Guimarães
Dos mais interessantes entre os jovens (agora já não tão jovem) escritores gays contemporâneos, Hugo faz “literatura snuff”, uma prosa gay hardcore, herdeira de Glauco Mattoso com Dennis Cooper, punk e provocadora. Não à toa, quem assina a orelha desse seu livro de contos sou eu.
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Hugo-gato-autor-capa. |
Giovanni’s Room – James Baldwin
Um clássico gay (dos camelôs de livros) escrito por um autor negro, representa a homossexualidade através da fascinação americana pelo universo europeu. Outro daqueles que li na adolescência e que, ainda que publicado nos anos 50, me parece incrivelmente atual e provocador. Também quero reler.
Allan Stein – Matthew Stadler
Pouco conhecido, Stadler é um autor americano dos anos 90, obcecado pela sexualidade juvenil (eu mesmo o conheci pessoalmente quando eu era pouco mais de um menino...). Aqui, um professor estuda Allan Stein, sobrinho de Gertrude Stein (que não fez nada de grandioso além de ter pousado para uma rara obra homoerótica de Picasso). A obra mistura ensaio e auto-ficção, com alta carga queer. Literatura serve pra isso.
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Puta capa "Dog Man Star." |
A Confissão de Lúcio – Mário de Sá Carneiro
Autor português contemporâneo (e amigo) de Fernando Pessoa, Sá-Carneiro era um homossexual obeso que se matou aos vinte cinco anos. Entre as obras que deixou, a novela “A Confissão de Lúcio” é das mais famosas – um triângulo amoroso com algo de um “duplo feminino”, uma homossexualidade latente e simbolista, que termina em crime. Também me foi trazida por um namorado da juventude.
Temporada de Caza para el León Negro – Tryno Maldonado
Maldonado é um escritor mexicano gente finíssima, que conheci na Espanha, em 2010. Esta sua novela (a única que li) é uma declaração de amor a um personagem, um jovem artista plástico cocainômaco, anárquico e autista – numa narrativa que equilibra poesia com uma futilidade estúpida. Mais do que a figura de um excêntrico, é um retrato (abstrato) de nossa geração (a "Geração Atari", como Maldonado coloca no livro), então o livro se torna uma visão afetiva de nossos valores e ideais.... (ou foi isso que escrevi ao ler o livro na época).
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Maldonado e eu, mano a mano. |
The Man Who Fell in Love with the Moon – Tom Spanbauer
Uma espécie de faroeste gay narrado por índio michê adolescente... Precisa dizer mais? (Ai, li esse lá nos anos 90...). Foi um dos livros que me impactou pelo personagem,“Shed”, e pela abertura de possibilidades de narrativa no universo gay, com folclore norte-americano. Também quero reler.
The Night Listener – Armistead Maupin
Baseado numa história real. Aqui temos um locutor de rádio (espécie de alter-ego de Maupin) que estabelece um relacionamento entre o platônico e o paternal com um ouvinte adolescente, que pode não existir. Tem muito em comum com a verdadeira história do J.T. LeRoy. E gerou um filme com o Robbie Williams no papel principal (que presta também, acredite.). Acho que tem uma tradução publicada no Brasil.
O Inferno É Logo Ali – Mike Sullivan
Outro dos contemporaníssimos brasileiros, Sullivan traz um lirismo invejável ao cenário homoerótico, com textos que ficam entre o conto e poema, sobre sexo, drogas, michês e bebedeiras. E este não é o único livro dele que presta. Um autor que ainda será grande (se o fascismo, o MBL e a estupidez não dominarem o país...)
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Bela capa. |
O Templo – Stephen Spender
A história de um jovem inglês que vai para a Alemanha e se deslumbra com a beleza, com os corpos, com "o templo" dos alemães. Anos depois, ele volta ao país e descobre que todo aquele culto à beleza assumiu uma conotação política perigosa, com o emergente partido nazista. Os jovens arianos que ele conheceu embruteceram e se voltaram contra ele, que era judeu. Ao mesmo tempo em que os jovens judeus e miscigenados se voltaram contra os arianos que antes amavam. "O templo" se tornou um fronte de batalha. Outro livro que eu adoraria reler, e que ganhei de presente do (falecido) poeta Donizete Galvão, lá no início do século.
Solo te Quiero como Amigo – Dani Umpi
O escritor, cantor e artista performático uruguaio Dani Umpi é um amigo querido. Este seu romance foi o primeiro que li, de férias em Florianópolis, entre a cena gay da Praia Mole, e fez todo sentido, porque narra a vida gay no Uruguai (tão próxima daqui), através de um relacionamento falido. É bem engraçado e divertido.
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Com Dani Umpi (ao centro) e Michel Melamed. |
Lucas e Nicolas – Gabriel Spits
O romance mais adolescente desta lista, de outro contemporaníssimo brasileiro, é um tanto quanto adocicado e tem aquela história clichê de “nerd se apaixona por fodão do colégio”. Mas funciona. Porque é muito atual, inteligente, fofo, e contado do ponto de vista dos dois meninos, o que dá uma dimensão literária maior. Eu gostaria de ter lido na escola. Devia ser leitura obrigatória.
Running with Scissors – Augusten Burroughs
Romance biográfico (que gerou um filme mais ou menos), de um garoto homossexual que é entregue a uma família “alternativa”, beirando a insana. É divertido, engraçado, às vezes perturbador e bastante literário. Fiquei de olho no autor, que prometia, mas até agora ele não repetiu o feito... (Tenho um livro dele de crônicas natalinas que é péeeeessimo). Tem tradução no Brasil.
O Tripé do Tripúdio e Outros Contos Hediondos – Glauco Mattoso
Mestre brasileiro, Glauco Mattoso é nossa voz
queer mais importante, com narrativas que passam pela dominação, SM e podolatria. Difícil para mim escolher um livro dele, até porque tenho muuuuita coisa dele aqui (grande parte que ele mesmo generosamente me enviou) e nem lembro ao certo qual conto é de qual livro. Mas este volume e um belo exemplo, com uma belíssima edição da Tordesilhas.
Pornofantasma – Santiago Nazarian
O melhor da lista! Mentira... Mas posso colocar um meu? Afinal, não posso me deixar de fora para o povo que cair aqui de para-quedas... Meu único livro de contos tem essa pegada forte
queer, alternativa, entre o terror e o erótico. O texto mais longo, quase uma novela, que dá o título, é sobre um pai que perde o filho adolescente, vítima de overdose, e passa a enxergá-lo num ator pornô, que ele tenta salvar. Sim, tem muito de Cooper, de Noll, Stadler, LeRoy e tantos outros autores desta lista, que, afinal, são minha influência.
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Este é o antigo rascunho de capa que mandei para a editora, mas não conseguimos os direitos da foto. Pena. Amo essa foto. |
E a história continua...