Escritoras na arquibancada do Pacaembu. |
No fim de semana dei uma passada na Feira do Livro do Pacaembu, para encontrar os colegas e participar dos autógrafos da revista Morel, editada pelo querido Ronaldo Bressane, com a qual colaborei há alguns meses.
Com a Giovana Madalosso, que organizou o encontro de mulheres. |
Era manhã de domingo, bem o momento em que quase 500 escritoras se reuniram nas arquibancadas do estádio, para fazer uma fotografia das mulheres produzindo literatura hoje.
Eu entendi o encontro mais como uma celebração do que um protesto. Se historicamente as mulheres sempre estiveram às sombras na literatura, o momento é de total holofote. Nunca se publicou tanto, se discutiu tanto, se fez tantos eventos, livrarias e publicações para as mulheres.
É um momento para pautas identitárias, em que as produções literárias que mais repercutem discutem a questão das mulheres, dos negros, dos indígenas. (Lembro que, nos finalistas do Jabuti do ano passado, por exemplo, TODOS os finalistas tratavam de questões raciais, inclusive o meu livro).
Com os góticos Nestarez e Aguiar, no Pacaembu. |
Acho sempre bem vindo discutir novas pautas, trazer novos temas, novas estéticas - mas me incomoda um pouco quanto a "pauta da vez" se torna absoluta, e até se nega ou invalida quem está fora dela. Vi nos últimos tempos livros importantes de autores homens-brancos-héteros sendo escanteados por não se encaixarem na discussão de vez (sendo às vezes até invalidados por esses grupos). Sempre gosto de lembrar do exemplo de um prêmio que o Evandro Affonso Ferreira recebeu, que veio com uma avalanche de críticas femininas, por não terem mulheres finalistas. Não se pode dizer que um senhor escritor como o Evandro já teve em toda sua carreira tanto espaço quanto uma Djamila, uma Del Fuego, uma Tatiana Salem Levy, por exemplo. Então ainda que as reinvindicações por espaço de grupos marginalizados sejam legítimas, pontualmente muitas vezes ela se tornam injustas.
Com Julia Codo e Andrea del Fuego. |
Fiquei refletindo como os gays se encaixavam nesse momento. E acho que a pauta homossexual masculina não está sendo especialmente favorecida, também por não ser novidade.
Pode se dizer que historicamente mulheres e negros estão escrevendo, publicando, comunicando seus pontos de vista há muito pouco tempo, mas isso não é exatamente verdade com os homens gays. Os homossexuais masculinos escrevem desde a antiguidade clássica - e seus pontos de vista, o homoerotismo, está presente desde então, ainda que de maneira latente ou velada. A história de afeto e amor entre os homens acontece desde os épicos gregos, os romances de cavalaria, o romantismo.
Essa visão homoerótica de mundo, na verdade, nunca foi um grande tabu na literatura, ela só passou a ser quando a homossexualidade passou a ser assumida e discutida - daí o afeto entre os homens que "passava de boa", de forma velada, se tornou "viadagem."
Pense em Àlvarez de Azevedo, por exemplo, ou Oscar Wilde, que fez toda fama e fortuna em cima de uma literatura homoerótica, que só se tornou problematizada quando ele de fato foi condenado por pederastia no final do século XIX. Penso também em como uma obra como "Morte em Veneza" seria problematizada hoje, com a questão da pedofilia. De todo modo, esses pontos de vista de homens gays são escritos, publicados e amplamente discutidos há séculos.
Para mim é cada vez mais um desafio tentar encaixar o que eu tenho a dizer com temas que sejam relevantes no momento. "Fé no Inferno" foi pensado muito dessa forma (e ainda que tenha conquistado certo prestígio, não posso dizer que foi muito bem-sucedido). Sempre levantei a bandeira do "atemporal-universal", mas acho que estamos num momento político em que isso se confunde com o "irrelevante." É a velha história do "quem faz diferente não faz diferença." É preciso encontrar algo que soe novo, mas que ainda ecoe aos milhares - como tantas mulheres têm feito.