22/02/2023

MINHAS CINZAS


Perdido no povo. 


“Tem que aproveitar o carnaval, mas com Jesus no coração.”

Foi o que ouvi de transeuntes assim que saí de casa no sábado.
Segui o conselho. Aproveitei o carnaval com essa limitação.

Prometi ao nosso senhor que não beberia mais, não treparia mais, não seria mais feliz até resolver minha situação financeira/profissional. Já faz três meses. Tem sido curioso passar por todas as festas (Natal, réveillon, carnaval) sem beber, a gente percebe mais a embriaguez do outro. Mais complicado é festa em que NINGUÉM está bebendo, a conversa não flui legal. Melhor que eles bebam, e eu não.

A bebida não é um problema, por isso resolvi parar antes que se tornasse. “As pessoas só param de beber quando já é tarde demais”, li não lembro onde. Então parei antes. No meio literário, beber é meio obrigatório (por sinal, traduzi um livro bem bacana da Leslie Jamison sobre alcoolismo/abstemia entre escritores, “A Reabilitação”, para a Globo Livros). Beber ajuda no trabalho. Ajuda nos contratos. O problema é quando NÃO beber prejudica (na criatividade, na sociabilidade...). Sinceramente, não tenho sentido diferença. Só sigo na seca porque é mais barato. E a saúde agradece.

Voltando ao carnaval, é uma época difícil de controlar as vontades... Até fiquei bonzinho em casa. Até trabalhei na segunda. Até tentei maratonar filmes. Mas os trios na Augusta latejam até aqui: “Venha, venha, dê só um pulinho...”

É bom para o moral. 


Dei só um pulinho mesmo.

Lucas. 
         

Bastou ir até a esquina pra ver o trio de Bollywood, o trio da Salete Campari, a Rita Cadillac (de novo), e todo aquele povo... Aqueles jovens descamisados... Aqueles velhos também... Muito mijo e purpurina (isso não é um nome de um conto do Caio Fernando Abreu?). Não tive ousadia nem pra pintar o olho, sambei no máximo levantando os dedinhos. Nem beijei. Mas até que foi divertido.

Encontrando ex...
   

“Eu vou no trio pelas músicas”, me disse uma amiga. Não consigo pensar num motivo pior. Som horrível, com músicas que eu não gosto. (E se eu gostasse seria ainda pior, não tenho coragem de ir num bloco que assassina as músicas do Bowie). Também não fui pela bebida. Nem pelo sexo. Te digo, tenho um crucificado no coração.

Thi é amigo das amigas, de quando éramos clubkids...
 

Mas fui por boas companhias, no domingo, no “Explode Coração”. O Lucas De Assis Rossato o Marcelo Maluf, a Daniela Pinotti Maluf (que é a vereadora do carnaval). Acho que fui mesmo para ver o povo – não só os amigos, o povo mesmo, os corpos, as fantasias. É motivo suficiente e excessivo.

Marcelo e Daniela Maluf, casal 20 do carnaval.
 

Abri mão da felicidade para não enfrentar a decepção. Mas agora já passou. Passou o carnaval e o ano começou – queira nosso senhor. Que este ano não morro. No Halloween serei feliz.   

14/02/2023

O GATO OU O QUICO




Queria ter um cachorro...

Mas antes precisava de um marido.

É muita grana criar um bicho sozinho.

Fora que precisa de mais espaço. Para o marido e o cachorro.

Não ia aguentar um homem aqui o dia todo.

Ou um cachorro, pedindo pra sair.

Por isso que eu tinha coelho.

Mas os coelhos morrem cedo.

Os maridos também, quando a gente é gay.

Se alimentar direitinho, chega no máximo a uns seis anos.

O coelho e o marido.

O gato ou o Quico...

Não, com gato é diferente. Mas quem quer gato não precisa de marido.

Quem quer gato não precisa de amor.

Quem quer gato não precisa de espaço.

Mas eu preciso. Por isso nada tenho.

(Essas vontades não alimento.)

09/02/2023

BLOCO DO EU SOZINHO

Em outros carnavais...


Ai, os bloquinhos voltaram...

Investi tanto no apocalipse que agora não tenho mais condições de ser feliz.
 
Meu último carnaval foi em 2020, às vésperas do fim do mundo, eu faceiro-solteiro-sarado-esperançoso aproveitei como se deve. Subi no trio da Gretchen, puxei o cabelo da Cadillac, beijei desconhecidos e contraí sapinho.
 
Fui mais feliz no governo bolsonaro...

(Sou como a Regina Duarte, que foi mais feliz na ditadura.)

Depois, não teve mais o que se esperar, não teve mais pelo que lutar... Com a eleição do Lula, nem sou mais contracultura.

Agora não, não bebo mais, não trepo com estranhos, não tenho mais vontades.
Mas ainda gostaria de ter (tipo panetone, que ninguém gosta, mas se esforça.)

(Ou literatura brasileira contemporânea.)

Ainda tenho inveja dos que gostam. Só a inveja move meu bloco.
 
Para encerrar, uma questão vazia, só para provocar engajamento: Você é favor de oração nas escolas?

ENTÂO VOCÊ SE CONSIDERA ESCRITOR?

Então você se considera escritor? (Trago questões, não trago respostas...) Eu sempre vejo com certo cinismo, quando alguém coloca: fulan...