Trechos de "O Prédio, o Tédio e o Menino Cego", meu novo romance:
O Homem-caranguejo agitava suas garras na praia, mas o meninos estavam longe dela, acima. Era noite, noite quente, e eles andavam pela cidade que parecia cheia de subidas – cheia de descidas – cidade querendo escorrer inteira para o mar, como se o mar fosse o esgoto que cheirava ser, como se a cidade inteira fosse lixo que pudesse ser despejado lá, biodegradável. Cidade biodegradável. Esgoto a céu aberto. Um dia tomariam providências, e todo o mar seria encanado. Esgoto a céu fechado.
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Douglas engoliu as pílulas de uma vez. Sentiu-se melhor na mesma hora. De repente não eram as pílulas. De repente eram as pílulas. De repente eram as pílulas que empurravam a cocaína para baixo e reforçavam a dose em seu organismo. Fez com que Douglas se calasse naquele exato instante. E naquele exato instante que se calou sentiu ânsias. As pílulas querendo voltar. As pílulas querendo sair. Então passou. Sentiu-me melhor. Sentiu-se ótimo. Sentiu-se incrível. Será que as pílulas já haviam surtido efeito? E se ainda fossem surtir? E se já tivessem surtido? E se já tivessem deixado de surtir?
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O monstro das neves... Um monstro polar. Um monstro pálido e escandinavo que, apesar de escandinavo, poderia ser chamado de monstro pelos pêlos que o incomodavam, pela barriga que lhe protuberava, pelo alcoolismo que o embriagava, tudo detestável, ainda que nórdico. Ele rugia. Rugia com a mulher. Rugia com o filho. Rugiria a tal ponto que os atacaria – ou seria o próprio rugido interpretado como ataque? Então delegacia da mulher. Vara da infância e adolescência. Mãe fugindo com o filho, se escondendo numa cidade litorânea, num prédio inclinado.
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Dentro da classe, da sala de aula, sentia-se como um mensageiro entregando seus próprios ossos. Um assassino, carregando seu corpo numa mochila. Os professores chamavam sua atenção, batiam na sua carcaça, e algo lá dentro dele despertava. Vítima ou culpado? Ele respondia tentando parecer natural, tentando parecer natural, tentando parecer ele mesmo, para que ninguém percebesse o crime que ocorrera dentro da casca. “Ninguém pode perceber que apodreço...” E todos os dias, em cada ocasião dessas, sempre nesse processo ele ansiava dolorosamente voltar para casa, voltar para cama, esquecer toda aquela besteira que chamam de educação.
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Lá fora, a vida avançava em piruetas, cambalhotas e fogos-de-artifício. O quê? Pensa que tudo neste romance é tédio e melancolia? As crianças sempre encontram uma forma de se divertir – jogue-as sobre cacos de vidro e elas brincarão com diamantes.
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“Esta não é uma mulher comum. Por trás de seu rosto angelical, de seu olhar enigmático encontra-se uma fera ancestral. Uma besta que varre a Terra há milênios, muitas vezes perseguindo o homem, muitas vezes por ele perseguida, mas por mais que seja caçada e destruída, a besta encontra sempre um refúgio. Pode ser uma caverna solitária nas montanhas, pode ser uma planície vasta e esquecida... Ou pode ser o interior mais soturno da alma de uma mulher.”
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O menino andrógino seria colocado em outro cômodo, em outra posição, e a nova inquilina sacudiria a cabeça. “Esse menino não combina com nada. Veja só, não casa com as cortinas, fica ruim no sofá. Melhor a gente se desfazer desses restos de antigos moradores.” Então o marido viria até o quarto, cuspindo caroço de ameixa nas mãos, engoliria a polpa da fruta e diria: “Não. Gosto dele. Vamos ficar com ele.”
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Enquanto o velho sussurrava, o menino pode ver de relance as veias inchadas do nariz dele. Pode ver os milhares de pêlos brancos que escapavam das narinas, tentando envolvê-lo, sugá-lo. Iriam aspirá-lo para dentro e ele também seria um animal preso em petróleo, sufocando, apodrecendo, aumentando o caldo grosso e negro que fazia a riqueza daquele ancião. Não! Não!
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"Oh, essas formigas são muito interessantes. Sabe que podem devorar um garoto vivo em minutos? Há casos... Houve um caso aqui na cidade, inclusive. Elas são vorazes por açúcar e atacaram um menino que...hum, estava em atividades libidinosas. Sim, sim, parece que é verdade. Ele fazia piquenique com a namorada, a coisa foi esquentando, esquentando, e quando o menino ejaculou, zapt!"
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A juventude é uma doença... Oh, meu colega, a juventude é uma doença.” – continuava o velho. “Acha que é o contrário? Não, é o câncer. A juventude é o câncer que nos mantém respirando. Como um tumor no cérebro, quando ela é extraída, tudo mais desaba. Como uma muleta, quando a retiramos, desabamos. A juventude é uma doença incurável, rápida, terminal. Eu poderia ser velho para sempre, mas são os vícios da juventude que me matam. É o câncer, o câncer que me faz sorrir...”
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Naquele momento, passavam por um dos pontos da cidade que era tomado por zumbis. Vinham babando, esfregando-se no carro, batendo no vidro, sedentos por carne humana, sem muita energia para pegá-la com as próprias mãos. Acabavam sendo mais inconvenientes do que perigosos, como pedintes no semáforo.
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O policial respirou fundo. O cheiro do morto voltou às suas narinas. “Sabe que tem um cadáver num dos quartos, né? Aquele outro... está morto.”
O menino tentou retrucar: “Elelele...” - enrolou a língua. Então bufou, tossiu e recomeçou a frase. “Ele está sempre assim...”
“Está sempre morto?”, perguntou o policial, contendo a irritação.
O menino suspirou, como se não quisesse passar novamente pelo esforço de formular uma frase. “Ele sempre exagera...”
Lançamento em breve...