19/01/2009

IT WAS A VERY GOOD YEAR...

Ontem.

Passei o final de semana recluso, sozinho, no mato, me alimentando dos restos putre-congelados de antigos banquetes esquecidos...

Minha casa de campo fica escondida numa saída discreta da Castelo Branco - casa atual da minha mãe; mas ela foi viajar de navio e eu cuidei de arejar. Para chegar lá, é preciso seguir quarenta minutos por uma estradinha a pé (para quem não tem carro), subindo, até chegar numa estrada de terra, e andar mais um pouquinho. Seria mais fácil se eu não carregasse São Paulo nas costas – em edredons, lençóis, jeans, todas essas coisas que a gente quer lavar na casa da mãe – o que acaba valendo o esforço, porque depois o descanso parece mais merecido.

Também não levo mais nada; nem escova de dente, nem desodorante, nem sabão, xampu, nem comida, nem música; afinal, estou na casa da minha mãe. E com ela longe, eu abro as geladeiras, vasculho o freezer, encontro as mais requintadas iguarias que ela deixa apodrecer: Camarão vencido. Steak tartare vencido. Até pão de queijo, chocolate, pizza congelada vencida. Como chocolate vencido? Me admiro. Minha mãe é uma mulher que não precisa de chocolates. Eu posso sobreviver. Vasculho os não-perecíveis. Tiro uma aranha de dentro da caixa de macarrão. Abro uma lata de molho de tomate. Colho manjericão direto do jardim.

Ainda faço uma caipirinha com limões nativos, e não preciso de mais nada. Tudo certo. Não trouxe cd, mas na casa tem Frank Sinatra. Cozinho ouvindo “Fly me to the Moon”, não preciso de mais nada. Não preciso de mais ninguém, nem de amor, nem de chocolate.


Penso nos esquimós, que comem comida putre-congelada. Carne de urso apodrecida, amacia. Eu comeria um urso polar. Mas aqui é quente e as moscas viriam, as larvas. Penso afinal que uma lagarta é só um bebê de borboleta...


Meu celular não dá área. O computador está quebrado. Para não dizer que é um reduto totalmente anti-tecnológico, há mais de uma centena de canais à cabo, satélite, que passam os mesmos filmes e seriados que tenho em casa, em DVD. Assisto tudo de novo. Para não dizer que não trouxe nada, o Nintendo DS coube na minha mala. E dois livro que eu tinha de ler. Só dois livros, mais nada. Nada da obrigação constante de reler, revisar, traduzir, ou avaliar. E, mais importante, nada da culpa de não poder trabalhar.

A culpa sempre me acompanha. Deve ser minhas raízes cristãs. Quem tem a si mesmo como patrão tem como empregado um escravo – é meu lema profissional. Mesmo que eu não faça nada, mesmo que eu consiga me jogar pela casa, por mais que faça meu próprio ritmo, e possa acordar sempre tarde, também sempre é hora e dia – domingos e feriados – de trabalhar. E se não leio seu email, se não reescrevo seu roteiro, se não acrescento uma linha ao meu livro, me sinto culpado. A culpa é minha fraqueza cristã.

...passam dois dias e estou todo picado de insetos. Em dois dias, a falta de chocolate começa realmente a fazer falta. Estou dando colheradas no mel. Não troquei ainda de roupa e meu desodorante está vencido. Estou fedendo. Tomo banho numa jacuzzi ao ar livre, mas é só para vestir depois as mesmas roupas, sujas de barro. Meus lençóis no varal ainda flutuam úmidos. Só disse uma ou duas frases – talvez mais – só vocalizei minhas frases aos cachorros. Nem sei se eles me escutam. São cachorros do campo, com uma independência com a qual não estou acostumado. Cachorros da família que nunca perguntam por mim. Ainda estou ouvindo Frank Sinatra, mas quando ele canta “when I was 17, it was a very good year...” sinto que estou de vez melancólico.

Estou de vez melancólico. E com os lençóis molhados, ainda mais pesados nas costas, pego a estrada de volta a São Paulo, ao trabalho, a você. Agora preciso de amor e chocolate. Agora não posso fingir que não preciso de mais nada. Não preciso de mais nada. It was a very good year...

NESTE SÁBADO!