07/02/2012

VIDA EM BRANCO


"Olhou pela janela e só viu o inverno. A cidade congelada, o céu tão azul, o mar parado lá longe, esperando uma chance. Não escuta som algum, nem via movimento. Era uma pintura de cenário, sua natureza morta, na qual ele ainda vivia. Esticava o pescoço, debruçava-se na janela, respirava o ar gelado. A felicidade caía lá embaixo e se espatifava como garrafa de vidro, de gelo. Mesmo assim, continuava olhando. Sentia-se especial por poder observar algo tão exclusivo. Observava um mundo secreto, suspenso, escondido de todos os outros homeotérmicos."

Você vê, minha vida copia minha arte. (Ok, o "céu azul" é licença poética).


A vida no gelo melhora progressivamente a medida que os dias ficam mais claros, mais frios, que o cadáver do falecido vai congelando... Tenho conseguido me divertir bem, apesar do frio. Ou melhor, tenho conseguido me divertir bem com o frio. Eu devia tentar esses esportes de inverno. Nunca esquiei, nem pratiquei snowboard, curling - patinação no gelo eu até aprendi na Inglaterra, na adolescência, mas nunca mais... E essas coisas requerem tempo, dinheiro, juventude... Acho que não será nesta vida. Estou investindo no "Tiro aos Loiros."



Desde a semana passada Helsinque mergulhou de vez na era glacial. -20, -22C, o que é não é incomum (mais ao norte é ainda mais frio). Isso gerou a cidade que eu estava esperando, embora a vida prática fique um pouco difícil.

Neste sábado, tive de voltar de uma balada às 4h da manhã à pé para casa, aos -22C. Isso porque é impossível conseguir um táxi nas madrugadas de sábado, há filas quilométricas, e você ou espera uma hora parado ou anda uma hora para casa. É claro que eu ando uma hora para casa. Mas não deixa de ser interessante ver que há filas quilométricas, que a vida continua, que as pessoas continuam lotando os clubes e as filas para táxi, numa madrugada polar...

Os lagos já congelaram, o mar já congelou, mas tenho conseguido curtir a cidade e conhecer pessoas como devia ter feito desde o começo. Os "homossexualismos" servem para isso. Você pode ser estrangeiro, pode não falar a língua, mas de algum modo já têm uma carteirinha de membro do clube, seja para fazer novos amigos, seja para apenas um encontro. Tanta gente que eu já conheci nesta vida, tantas histórias que já ouvi, que já vivi, amizades-instantâneas-imediatas apenas por uma afinidade sexual (ou uma pretensa afinidade sexual, ou uma tentativa de afinidade sexual).

Sou entusiasta do turismo sexual - sim, sim, entusiasta do turismo sexual. Que merda é essa que ouvi outro dia, que estavam protestando contra a propaganda do Rio de Janeiro como um destino gay, encomendado pela prefeitura da cidade? O protesto nem era tanto contra anunciar o Rio como um destino gay, mas contra mostrar uma cena de "homens se beijando", dizendo que se usava dinheiro público para promover o "turismo sexual".

Oh "turismo sexual", que medo, que coisa feia!

Lembro que num embarque internacional recente em Guarulhos, vi pôsteres com a foto de um homem algemado, e uma frase em inglês que dizia algo por aí: "Se você veio procurar turismo sexual, já temos um quarto reservado para você."

Que porra é essa? Quer dizer que um gringo que vai ao Brasil querendo trepar vai preso? Turismo sexual, prostituição, pedofilia,, homossexualidade é tudo a mesma coisa? O Brasil está ficando cada vez mais um país cagão, bundão, evangélico pau no cu... no mau sentido.

Quer dizer que se pode promover o Rio como destino gay desde que "para casais gays" ou "desde que os gays de lá não venham foder com os daqui?" Desde que apenas se "venha dançar Lady Gaga ao sol de Ipanema?" E, me perdoem, eu posso estar tendo uma visão muito maliciosa, mas promover um local como "destino gay" em si já não é promover "turismo sexual"?

Oh! Não! Não podemos promover o sexo! Sexo é feio! Sexo é pecado! Venham para o Brasil mas não façam sexo!

Bando de baitolas.

Sexo envolve muita coisa. Sexo envolve tudo, diria Freud. E quando eu digo que sou entusiasta do turismo sexual, não me leve a mal, é quase diferença entre gastronomia e nutrição.

Um bom turista sexual é aquele interessado pelos sabores locais. Que reserva um bom hotel, sai, compra, bebe, vai pra balada, gasta, conhece gente, marca programa, conversa, faz amigos, pensando eventualmente em fazer sexo, claro, mas não necessariamente chegando lá. Às vezes ele se contenta em só conhecer pessoas. E se ele chegar lá, maravilha, mais dinheiro para a indústria dos preservativos, dos lubrificantes, para as lavanderias.... (ou para os hospitais, a indústria farmacêutica.... bem, essa é a vida).

Eu estou longe de ser o cara mais tarado, ou mais carente, ou mais sexual que eu conheço - até porque, tenho um gosto bem restrito. Talvez eu seja meio babaca por usar os "dispostivos sexuais" (sejam baladas, seja algo como o Grindr) para antes de tudo conversar e conhecer pessoas. Mas já conheci muita gente assim, muita gente que me rendeu histórias, um aprofundamento (ops!) na cultura local, às vezes boas amizades, o sexo em si talvez seja o mais descartável. Lembro, por exemplo, como foi bacana encontrar um gordinho na Rússia, conversar horas com ele num restaurante, comer os pratos típicos (ops!), beber, conversar sobre a cultura, tendo o sexo apenas como um pretexto inicial (que eu não quis concretizar). (Antes que vocês me perguntem, logicamente nós dividimos a conta).

Esta é uma abertura, um clube privado que, ao meu ver, os héteros não têm. Muita gente que eu encontro não me interessa. Eu não interesso a muita, muita gente, mas o homossexualismo já é um ponto de conversa, de abertura, por que não dizer de... solidariedade?

Então fica minha ideia para a criação de um gabinete do "Turismo Sexual" no Brasil. É preciso assegurar ao gringo que as chances de ele faturar no Rio de Janeiro são maiores do que as de perder a carteira.


Bem, tenho mais um mês agora na Finlândia com algumas viagens finais, e já estou ficando com dó de largar - mas já comi quase o país inteiro (hohoho, brincadeira, brincadeira, só os 10% da nossa cota). Minha vida tem sido uma nostalgia só, te digo, tem sido essa eterna viagem e eu gostaria de ter um motivo para parar. Mas não tenho. Não tenho. E acho que volto para São Paulo só para ficar esperando pelo próximo passo. Ou para que você pise no meu pé. Ou torcendo, torcendo para que o mundo acabe mesmo em 2012.


Como não sou (apenas) um turista sexual: um dia surreal no zoológico de Helsinque. Nenhuma alma, nenhum animal. Tudo coberto de neve, mas NENHUM visitante, e ainda me cobraram a entrada de 10 euros. Sacanagem.

NESTE SÁBADO!