18/04/2016

CAVIAR CONSCIENTE



O inimigo de meu inimigo meu amigo é? 

Não votei na Dilma.

No primeiro turno, votei PV. No segundo, estava fora do país.

Como a maioria, acho o governo dela catastrófico. Há muito antevia a crise econômica; costumava prever que, se o Brasil perdesse a Copa, a crise começaria no dia seguinte. Não levei em conta as eleições, que camuflaram o estrago por mais um tempo.

Ainda assim, se eu não entendia que incompetência e impopularidade eram motivo para impeachment, a forma como tudo foi conduzido me forçou ainda mais a apoiar o governo.

Sou um belo exemplo da esquerda caviar. Branco, nascido e criado nos Jardins, em São Paulo, só fui trabalhar depois dos 18.  Nunca passei fome, nunca estudei em colégio público, sou formado em Publicidade e Propaganda pela FAAP!, veja só!

E como tive acesso à educação, li bons livros, aprendi línguas, viajei, conheci outras culturas, não tive a cabeça formada pelo pastor da esquina. Ao meu ver, não há contradição nenhuma no termo "esquerda caviar". Exatamente pelas oportunidades e experiências que tive na vida que não posso apoiar a direita fascista que aí está .

Já fui um imigrante latino, num sub-emprego como barman, em Londres, onde dependia exclusivamente do meu salário para comer e pagar o aluguel. Já vivi na Escandinávia, "o verdadeiro primeiro mundo", para saber como pode funcionar bem um governo de esquerda à beira do socialismo. Posso jantar num restaurante caro, e também me enxergar no lugar do garçom. Sou homossexual, e sei como a defesa dos direitos dessa e de outras minorias não é uma pauta da direita.

Por essas e outras que a vida foi me levando conscientemente para a esquerda, sem dogmas, sem tradicionalismos, sem uma "fé desenfreada", simplesmente experiência de vida.

Há muito a se questionar sobre o quanto o PT de fato cumpre suas promessas, porém isso não é o suficiente para eu apoiar quem promete o que eu não quero para o país.

Ontem, acompanhando a votação do impeachment pela televisão, fiquei horrorizado. Por um breve discurso já se podia ver como é baixo o nível de quem está lá. Um povo limitado, despreparado, sem noção. "Pela minha família, por Deus, por meu neto Gabriel", era o tom frequente dos discursos pró golpe. Exaltado pela vodca (faltou o caviar), eu me peguei gritando aqui na sala: "Ninguém dá a mínima pra porra da sua família!" São uns valores tortos, que dão a entender que eles não têm ideia do que estão fazendo. Estão defendendo sua religião, protegendo os seus. Salve-se quem puder.

Não votei em Dilma. Não votei em Temer. Mas principalmente não votei em Eduardo Cunha - que não só representa todo tradicionalismo e burrice que abomino, mas carrega nas costas todas as acusações de bandido sem vergonha.

Sou branco, privilegiado, até um tanto elitista. E se não apoio a direita é porque não tem condições mesmo...


01/04/2016

SOBRE A VIDA

Ontem acordei com a notícia de que a filha de oito anos de conhecidos havia morrido de gripe. O pai dela postou no Facebook, ao que se seguiu centenas de comentários solidários, de pêsames, emoticons de tristeza, alguns polegares positivos...

Não conhecia a menina, mal conheço os pais, achei melhor não mandar recado algum. Dificilmente terei filhos, nunca tive uma perda pesada dessas, não sei o que dizer, nem sei o que sentir. Ainda assim, não tinha como não me colocar no lugar do pai, do outro lado da tela. Ele abria a timeline para postar sobre a morte da filha e via a foto do café da manhã de um amigo, outro postando um meme sobre o pato da FIESP, escritores aproveitando uma viagem a Paris. Sua filha morre e o mundo continua sorrindo.

Passei o dia com uma sensação incômoda. Apenas uma sensação incômoda. Não consegui postar sobre uma estreia teatral, o lançamento do livro de um amigo, cada postagem que surgia na minha timeline parecia um desrespeito com o sofrimento daquela família.

Pessoas morrem todos os dias. E o mundo continua rindo.

Tenho cinco mil amigos no Facebook. Sabe-se lá quais estão perdendo diariamente entes queridos, quais morrem eles mesmos, enquanto escrevo este post, enquanto compartilho uma crítica ao meu livro.

 Outra conhecida compartilhou a notícia da morte. Com uma legenda que até agora não entendi o sentido:

“Quantos mais irão morrer?” ela perguntava. Não entendi. 

Sem querer ser sarcástico, tive de responder com obviedade:


“Todos.”

NESTE SÁBADO!