21/11/2016

CAIO



Porto Alegre, 10 de março de 1965.


Queridos pai e mãe: 
Estive muito doente, tive que passar uns dias na enfermaria. Quero que a senhora imagine o que senti ao me ver sozinho naquele quarto frio e enorme. Cada passo que ouvia no corredor pensava que era a senhora chegando; cada riso de criança que vinha lá de fora eu julgava ser a Márcia ou a Cláudia. Confesso que tive vontade (e tenho) de morrer.

Tive muita febre; o seu Hélio veio aqui e viu bem como eu estava.

Os guris daqui me tratam muito mal, vivo sozinho. À noite choro muito. Só penso em ir embora daqui; maldita hora que quis vir pra cá.

A senhora vai dizer que isso é normal, etc... Mas não é não! Os outros que chegaram junto comigo já estão adaptados.

Há várias noites que quase não durmo e tenho pesadelos horríveis. Acho que até emagreci, ando sempre com olheiras e não como nada. 

Sinto uma falta imensa de todos aí, principalmente da senhora. A coisa que mais desejo é ir embora daqui.

O quarto é muito frio e à noite entra vento pela janela. 

(...) Estou com muita dor de cabeça, tive uma tontura há pouco, nem se sei forma sentido o que estou escrevendo.

Não seria possível ir embora daqui?

(...) Por favor, mãezinha, não me deixe só! Responda logo. Agora é que descobri o quanto gosto disso aí. Gosto muito da senhora. Ajude-me!

Os professores são uns animais; não entendo nada e acho que vou rodar no fim do ano. 

Trechos de uma carta de Caio Fernando Abreu aos seus pais, de quando ele tinha dezesseis anos, publicada no livro da correspondência dele, organizado por Ítalo Moriconi (Aeroplano). (Imagino que, na época em que foi escrita, a doença toda era mais drama e chantagem emocional do que qualquer outra coisa... o que não deixa de ser lindinho.)


Esta semana começa mais uma Balada Literária. E o homenageado do ano é (o escritor gaúcho, morto em 1996) Caio Fernando Abreu. Estarei lá debatendo sobre a obra dele numa mesa na quinta, aqui:

Caio 3D - 24 de novembro, Itaú Cultural, 17h:
RICARDO DALAI LIMA
conversa sobre a obra
de Caio Fernando Abreu
com os escritores
JEANNE CALLEGARI , PATRÍCIO JÚNIOR ,RAMON NUNES MELLO
e SANTIAGO NAZARIAN










Caio é um dos pilares da minha formação como autor, que eu descobri na adolescência, enquanto descobria minha própria homossexualidade e começava a exercitar meus primeiros escritos. Foi uma grande influência em ambos.

Há muito tempo não o lia; sinceramente, peguei certo bode daquele ultra-sentimentalismo orgânico (eu mesmo acabei seguindo para uma escrita absolutamente anti-sentimental); porém semana passada peguei alguns livros dele de volta para me refrescar, e consigo compreender totalmente o fascínio que ele exerceu em mim, que exerce em tantos jovens. Contos como "Aqueles Dois", "Linda, uma história horrível" e "Pela Passagem de Uma Grande Dor", são clássicos modernos, clássicos aqui de casa e aulas sobre o formato conto.

Debateremos um pouco sobre isso, e sobre o que mais o pessoal que estiver lá quiser. Apareça.

Além do Caio e de mim, a balada terá muito mais: Marina Lima, Paulo Lins, Ney Matogrosso, Wagner Moura, Cristovão Tezza, Veronica Stigger, Lourenço Mutarelli... Programação completa aqui:

http://baladaliteraria.com.br/programacao/






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(Publicado na Ilustríssima da Folha deste domingo) Do que devemos proteger nossas crianças? Como não ofender quem acredita no pecado? Que ga...