31/10/2017

OS MELHORES FILMES DE TERROR DE 2017

"Get Out"

Cedo demais para listas de melhores do ano? AH! Mas é Halloween e não tenho nada melhor a postar. Resolvi adiantar um mês e já dar meu veredito, até porque 2017 foi um ano fértil para o terror (e para o pós-terror). Tanto que geralmente minha lista é recheada de filmes obscuros, amadores e alternativos, porque são os que trazem algo de novo para o gênero. Mas este ano está surpreendentemente mainstream – ótimo sinal desse novo fôlego.

As maiores decepções foram as novas sequências de “Leatherface” e “O Chamado”, mas tem ótimas sequências na lista. Vai aí, em ordem mais ou menos aleatória:

A AUTOPSIA DE JANE DOE


Num necrotério, pai e filho fazem a autópsia do corpo de uma mulher encontrada numa cena do crime. Aos poucos vão percebendo que ela pode ser mais assassina do que vítima. Ótimos atores e bom clima de terror, com um “monstro” que passa o filme inteiro morto.

THE EYES OF MY MOTHER


Dos mais alternativos da lista, é um filme minimalista em preto e branco, que acompanha uma mulher portuguesa que vive sozinha numa casa no campo e tem estranhas formas de socializar... É terror, pós-terror e filme de arte com pitadas de torture porn. 

BETTER WATCH OUT


Às vésperas do Natal, uma babysitter cuida de um garoto de doze anos, quando percebe que a casa foi invadida. Começa como um filme padrão de invasão e se desdobra em muitas surpresas. Divertidíssimo. 

GET OUT


Um dos grandes responsáveis por toda essa onda de “pós-terror.” Um rapaz negro vai passar o fim de semana com a família da namorada branca. Inicialmente desconfortável com um racismo velado, ele descobre que há ameaças bem mais explícitas. Dos melhores do ano, apesar do terceiro ato meio bagaceiro.

CREEP 2


É found footage, e sequência do filme que entrou na minha lista ano passado. É basicamente uma entrevista com um serial killer, uma pessoa tão demente que fica entre o cômico e o... creepy. Novamente, um dos melhores do ano - talvez melhor do que o primeiro -, e tudo sustentado por diálogos e atuações foda. (Tá em 100% no Rotten Tomatoes)

A MORTE TE DÁ PARABÉNS


Um slasher adolescente, mistura improvável de “Pânico” com “Feitiço do Tempo”. Uma garota é assassinada no dia do seu aniversário, apenas para acordar no mesmo dia e ser assassinada de novo e de novo, até conseguir quebrar a maldição. Divertidíssimo.

RAW


Ao entrar na faculdade de veterinária, uma menina vegetariana é obrigada a comer carne. A partir daí, desenvolve um apetite macabro por sangue. Foi promovido como sendo um filme mais pesado do que é – na verdade é um terror bem adolescente, com algumas cenas nojentas e uma interessante alegoria do despertar da sexualidade.

 GERALD´S GAME


Outra adaptação de Stephen King, direto para a Netflix. Durante um jogo sexual, o marido morre de infarto e deixa a esposa acorrentada na cama. Enquanto ela pensa em maneiras de escapar, relembra um passado de abusos pelos homens de sua vida. Podia ter sido melhor executado, mas vale a pena pelo argumento e o minimalismo.

CULT OF CHUCKY


Já esperava algo bagaceiro – e não deixa de ser. Mas também me surpreendi muito com o novo filme do Chucky, que tem uma pegada meio surrealista no primeiro ato, e uma nova direção fantástica para o Brinquedo Assassino.

MOTHER!


Melhor terror do ano?  Provavelmente. Tá certo que Aronofsky pesa a mão no terceiro ato, e fica um pouco mais tosco-cômico do que eu esperava. Mas não dá para negar a força do filme mais discutido do ano. Eu prefiro esquecer o final cafona e ver como um filme de invasão à lá Funny Games.


E as “menções honrosas”... ou melhor, os que entrariam para o TOP20 (porque tem umas belas podreiras aí):

PREVENGE: Uma grávida assassina.
VIDA: Um genérico de Alien, melhor do que Covenant.
THE DEVIL´S CANDY: Filme de invasão com satanismo no meio.
HOUNDS OF LOVE: Soft Torture porn.
PITCHFORK: Slasher bagaceiro, com um bom psicopata.
DON´T KNOCK TWICE: Genérico de “O Chamado”, melhor do que a sequência deste ano.
THE LURE: Músical de terror com sereias assassinas.
SUPER DARK TIMES: Um roteiro meio padrão de "adolescentes fazem uma cagada e tem de esconder um corpo", mas muito bem executado. 
IT STAINS THE SAND RED: Uma vagaba caminha pelo deserto com um zumbi sempre a poucos passos atrás.
 IT: Gosto mais da parte “Conta Comigo”, das crianças, do que do terror em si. Tem cenas demais com o palhaço e uma CG pavorosa. Mas é uma boa sessão da tarde.


(E não, nem “Ao Cair da Noite”, nem “Anabelle”, nem “Fragmentado” entrariam no meu TOP 20.)


27/10/2017

TRÊS GAYS

Trevisan
Meu pai me proporcionou a primeira experiência de exílio. A de ser um homossexual e, por isso, alijado no âmbito paterno. (...) Como não tem a compreensão do que se passa consigo nem do que significa para a cultura do entorno, a criança “diferente” não tem elementos mínimos para se defender emocional e fisicamente da desaprovação e desconforto que a bombardeiam.

João Silvério Trevisan acaba de voltar em grande estilo com “Pai, Pai”, livro de memórias e romance de formação em que analisa sua formação como homem, homossexual e autor a partir de sua relação com o pai (ou a falta dela). O Trevisan-senior era um alcoólatra, marido violento e péssimo padeiro, que foi pouco a pouco se tornando o patético bêbado da cidade. Talvez por eu ser filho de um pai verdadeiramente ausente – meus pais se separaram quando eu era bem pequeno e ele nunca participou da minha educação, nunca convivemos; passei anos sem vê-lo – questiono muito da visão pessoal do livro (a começar pela noção do autor de “pai ausente”). Talvez eu mesmo tenha uma visão equivocada sobre o peso do pai na minha vida – mas desde a adolescência que aceitei o conforto dessa ausência. De meu pai aproveitei apenas a arte, o resto não me faz falta desde a infância; nunca busquei substitutos, nunca procurei “figuras paternas” – aliás, nunca suportei figuras paternas. Mas veja só, já comecei a auto-análise...

Um grande texto tem esse poder, de nos fazer refletir sobre nós mesmos, e “Pai, Pai” é dos maiores do ano. Para além da experiência pessoal do autor, é um rico panorama do Brasil pré-pós-ditadura e da militância dos movimentos LGBT. A parte central do romance – os anos de adolescência passados no seminário – é minha favorita, onde há o lirismo do descobrimento, da inocência, fundamentados (e não contraditos) pelos estudos bíblicos.

Em diferentes circunstâncias, tenho sido desautorizado como escritor de literatura brasileira e relegado a um nicho: o de “escritor de viados”. Causa espanto que se dê à minha sexualidade tão extraordinária relevância ao ponto de suplantar o interesse por minha literatura. Em outras palavras, faça eu o que fizer, serei antes e acima de tudo “o viado”.

Talvez por eu ser homossexual, talvez por ser de outra geração e nunca ter sofrido desse estigma, sempre vi, sim, João Silvério Trevisan como o “escritor de viados”, e por isso mesmo um exemplo e um herói. Sabemos bem como nos faltam modelos que assumam esse papel sem meias palavras e comprem essa briga (e por isso mesmo me pareça tão pau mole quando Ney Matogrosso renegue o rótulo de gay e se declare ser-humana). O que talvez incomode especialmente em Trevisan seja o discurso não apenas de aceitação, mas de elevar à relação homo a algo além do sexual, além do transgressor, ao sagrado do amor, com o qual até a sexualidade hétero tem conflitos. O aspecto sagrado no amor tem muito de assexuado – e colocar a homossexualidade na equação é bugar de vez.  
 Eu luto com a consciência de que está em jogo algo para mim sagrado: o direito de amar.

Mas também não dá para levar tão a sério a perseguição a um autor que já ganhou três vezes o Prêmio Jabuti. No Brasil, não há muito mais a conquistar como autor, infelizmente. 

“Pai, Pai” já está nas livrarias, publicado pela Alfaguara. E quem está em São Paulo (e ler isso a tempo), tem lançamento e debate amanhã (sábado 28/10), 11h, na Mário de Andrade.




Se Trevisan é nosso “Pai” (mesmo que não queira assumir o papel) é lindo ver novas gerações de autores homossexuais levando o tema para outros universos.

Deve ser por isso que proíbem que se fale sobre nós. Para que, a cada nova geração, não fiquemos sabendo de todos aqueles que vieram antes.

Samir Machado de Machado é um gaúcho pouco mais novo do que eu que publica há mais de uma década, mas que ganhou mais repercussão a partir do ano passado com seu (ótimo) Homens Elegantes, romanção histórico gay passado no século XVIII, lançado pela Rocco, que mistura espionagem, capa-espada e manifesto gay, com muita elegância. Se eu tinha qualquer pretensão de ser o príncipe dândi da literatura brasileira, perdi o posto para Samir, não só por seus cachecóis, mas principalmente por seu texto:

Aos olhos do amante neófito, o corpo do outro é um mapa inexplorado com seus picos, vales e tensos caminhos óculos esperando para serem desbravados, esperando por quem os clame para si. Gonçalo transborda de uma vivacidade instintiva, preocupado em agradar sem saber bem como, aguardando que lhe indiquem o próximo passo com ansiedade. Desajeitado, não sabe bem o que fazer com as mãos – ora as tem soltas ao longo do corpo, agarrando os lençóis, ora as usa para segurar a cabeça de Érico entre suas coxas. Enfim se decide: as põe por baixo da almofada sob a nuca, como um São Sebastião, quando flexiona os braços e arqueia o abdome num longo suspiro, enquanto recebe aquela demonstração de bom uso da língua portuguesa. Ao fim de uma sequência de longas e nostálgicas sugadas, Érico troça ao redor do bálano e aplica um leve mordisco na ponta. A noite chega ao seu ápice. Gonçalo estremece, o êxtase o faz contrair a barriga e estufar o peito uma última vez, sua seiva flui aluvial e sobeja.

Samir

Dando uma guinada radical na elegância, cuspindo no amor e chutando as convenções, temos ainda o Hugo Guimarães, que está com novo romance no forno (ainda não vendido). Outrora meu “protegido” - já assinei a orelha de um (ótimo) livro de contos dele -, mas me afastei correndo quando constatei que para alguém escrever aquele tipo de coisa não dava para ser bom da cabeça. Hugo tem uma escrita violenta, visceral e espontânea. Se Trevisan é um intelectual com formação de seminarista e repertório dos clássicos (da literatura ao cinema à música), Hugo é um autor punk, fã de horror e praticante de atletismo.

Hugo

Está no atletismo, aliás, o diferencial mais interessante de “Igor na Chuva”, esse seu romance inédito que li há pouco e que ganhou menção honrosa no Programa Nascente na USP. É uma auto-ficção de um jovem já não tão jovem, alimentando sonhos platônicos numa São Paulo inundada. Menos violento do que seus anteriores, tem um sarcasmo delicioso e devaneios geniais.


Quando vou a um encontro sexual, eu normalmente não me banho, apenas lavo o pênis em uma pia. Assim como um homem. Assim como um hétero? Não, mas apenas como um homem. Qualquer homem. Eu não sou um homem? Imagine uma mulher negra, filha de escravos, na América dos anos de 1900, tentando participar de um movimento feminista argumentando “Eu não sou uma mulher?” com aquelas senhoras brancas de longas saias. Claro que ela é. É o mesmo que digo aqui. Eu não sou um homem? Um homem feio, mas ainda um homem. (...) Sobre o processo de antropoformização, processo esse em que um animal tende a sentir-se e agir como se fosse um ser humano. Os veterinários dizem que é muito comum acontecer em animais domésticos que não tem contato com outros animais. Faz sentido ao que determinado animal desse tipo deve pensar “se só há seres humanos à minha volta, então eu também sou um ser humano!”. Eu não me comporto como um animal e não sofri o processo de zoomorfização, perdão lhe desapontar se você pensou que era isso que eu ia dizer na sequência. O que eu ia dizer é que sofri um processo similar quando fui aceito na melhor universidade do país, quando comecei a treinar atletismo por lá e por consequência conviver com garotos tão bonitos todos os dias: acho que passei a achar que eu também era um garoto bonito e, logo, ter “acesso” a eles. Apenas não, apenas não sei explicar, desde que sou um ser como o macaco e sim, eu vejo o meu próprio reflexo no espelho. 

Já eu, quando farei meu "romance gay", você pergunta? Bem, não gosto de me limitar a rótulos, sou antes de tudo um "autor", não um "autor gay", assim como não me interesso por homens, me interesso por pessoas... (pessoas com pinto), estou apenas confuso... sou um ser-humano, uma cera-humana... Ah, tudo bobagem. Se ainda não fiz um romance sobre o sagrado do amor gay é só porque no meu mundo não existe sagrado e não exite amor. Mas os viados estão sempre lá. 





23/10/2017

VOTUPORANGA, SÃO PAULO, SÃO ROQUE E FIM!

Quinta agora, com Reynaldo Damázio.

Se há algo de que não posso me queixar este ano é dos eventos. Antes mesmo de lançar o livro novo o povo lembrou que eu existo e fui convidado para vinte e quatro (hummm) mesas, que movimentaram meus dias, minha carreira e minha conta bancária... de leve.

Outubro e novembro geralmente são os meses mais concorridos - nos anos mais gordos era também quando eu conseguia viajar para fora - mas estranhamente houve uma puxada de freio por aqui - espero que não seja prenúncio de um 2018 funesto. Felizmente as traduções também voltaram, então tá dando para ir levando.

Mas tenho UMA mesa este mês, na próxima quinta, em Votuporanga, 19h, mediada pelo querido Reynaldo Damazio, dentro da programação do FLIV. A programação completa pode ser vista aqui:

http://www.flivotuporanga.com.br/2017/home/

Mês que vem por enquanto tem duas. Dia 11/11, às 11h, faço o Segundas Intenções, com o Manuel da Costa Pinto, na Biblioteca Parque Villa-Lobos, aqui em São Paulo.


E no final de semana de 17 a 19 de novembro participarei de uma insanidade idealizada pela Cássia Carrenho: o "Fim de Semana do Terror". Serão três dias de imersão sobre literatura de gênero (terror, suspense, thriller e policial), num sítio em São Roque, interior de SP, com conversas, mesas e exercícios com especialistas do gênero. Além de mim, participam a Ilana Casoy, pesquisadora foda de crimes reais, que também tem se aventurado na ficção; a Mariana Rolier, editora atualmente da Harper Collins, que já passou pelas maiores do Brasil (e para quem já fiz mais de uma dúzia de traduções); e o Raphael Montes, que dispensa apresentações. O que não falta a todos é experiência. Deve ser um fim de semana intenso - e divertido. O encontro ainda renderá uma publicação de contos de terror, nossos e dos participantes.

Cássia, eu e Ilana, numa noite normal. 

Da última vez que falei com a Cássia restavam 5 vagas (do total de 15), então quem quiser ir é melhor correr. (Não é baratinho, mas afinal o valor inclui as diárias e a alimentação, além das nossas mesas).

Mais detalhes aqui: https://www.cassiacarrenho.com/fim-de-semana-do-terror



E quem tiver mais um convite por aí é só dizer que a gente se encaixa ;)


14/10/2017

DIA DA CRIANÇA



Feriado de Dia das Crianças - embora alguns insistam que é dia da Nossa Senhora Aparecida, como se o Brasil não fosse um país laico... Vim no começo da semana para Maresias com irmã, cunhado, coelha, sobrinha. Bom que o trabalho do Murilo possa proporcionar isso. Bom que minha sobrinha possa aproveitar. Sorte dela ter um tio que vive em pecado, num relacionamento homossexual. Se eu fosse hétero, casado com uma mulher, minha mulher receberia ainda menos do que eu, pois as mulheres recebem menos do que os homens, e teríamos de usar o dinheiro para constituir família, não daria para manter duas casas, na praia e em São Paulo, não teria quarto extra para receber visitas, não daria para comprar filé para minha sobrinha...

"Você é o tio provedor com casa na praia", já me disse uma vez minha irmã. Questionei também o quanto eu seria "o tio gay", mas isso ainda não parece fazer sentido. Filha de pais artistas, estudando num colégio (particular) com enfoque alternativo, Valentina já nasceu acostumada que existem casais de meninos, de meninas, de homem com mulher, para ela ainda não é estranho. Os relacionamentos simplesmente são assim.


Valentina na praia. 
É curioso ver minha sobrinha, as novas configurações da minha família, o quanto se repete, o quanto tentamos reproduzir aquele modelo de infância.

Também tive tios provedores (no caso, tios mais "ricos" do que gays) e me lembro de tantas férias, feriados, que viajávamos para a praia. Eu odiava. Odiava tanto a ponto de lembrar como negativo, embora a visão que tenha me ficado hoje seja positiva: uma casa em Ilhabela com uma praia particular em que conseguíamos pegar lagostas, passeios de barco, uma piscina com borda infinita...

Quando a mãe tinha mais ou menos a idade dele atual, já separada do marido, cercada de amigos boêmios e namorados de ocasião, levando os filhos a tiracolo para viagens nos feriados, no Réveillon. Os adultos ficavam a beber, a fumar e a rir numa mesa pós-jantar, parecendo sempre ter tanto a conversar, em conversas que pareciam tão desinteressantes. As crianças todas eram deixadas umas às outras, com a expectativa de que espelhassem a amizade dos adultos, sem aditivo algum para ajudar. Ele aos sete, tendo de se tornar amigo instantâneo de um menino de treze, de uma menina de oito, se aproximava mais de um de seis...

É essa lembrança que tenho principalmente da infância: minha incapacidade de ser feliz. Meu medo de tudo, minha inadequação, minha impossibilidade de ser quem eu era porque tinha de cumprir algum papel que esperavam de mim, como menino: jogar bola, transgredir, ficar amigo de desconhecidos. Viagens nas férias e feriados eram sentidas por mim como um grande desperdício de momentos preciosos em que eu poderia ficar sozinho - porque mais do que tudo eu odiava a escola. Tudo o que eu mais queria era ficar no meu quarto jogando videogame ou brincando com meus bonecos. Mas os adultos insistiam que eu deveria ser feliz!


Mini-me. 

A insistência deve ter servido para algo. Se hoje lembro da infância como uma época bem sofrida, estou longe de ser o menino assustado que fui. E não há melhor definição de felicidade para mim do que viagens, praias, lagostas, piscinas com borda infinita... 

Felizmente Valentina já parece ter nascido com mais vocação para ser feliz. Deve ter puxado minha irmã, que, ao contrário de mim, sempre foi a integrada e popular, onde quer que estivesse. Ela adora viajar para praia - mas também não tem de passar por esse confronto de dividir; é fruto de uma geração que tem poucos filhos, poucos primos, uma atenção integral dos adultos. 

Eu mesmo tenho cada vez menos vontade de ter filhos. Já me satisfaço com literatura, coelha, sobrinha. Inclusive estou longe de ser o melhor tio, não tenho muita paciência, empatia e didática. Tento manter uma relação de igual para igual, mas o que seria isso entre uma menina de cinco anos e eu? Esses dias ela escondeu o diário dela e me desafiou a encontrar. Encontrei o diário dentro da casa, quando ela estava do lado de fora. Tranquei a porta e fiquei mostrando pra ela através do vidro. Nunca ela chorou tanto. Eu só estava brincando. Será que seria mais fácil com um menino? Não aprendi ainda essas regras de ser adulto. 

Mas esse feriado não foi só sofrimento, não foi só choro. É bom ter a companhia de minha irmã Rhena - tenho quatro irmãos, mas ela foi a única que foi criada comigo e tem um histórico em comum. Tivemos passeios, praia, churrasco e estrogonofe... Pensei o quanto estrogonofe era um prato fetiche das crianças dos anos 80, queria saber se funcionaria na minha sobrinha "Geração Dez". Comprei o melhor filé, cogumelos orgânicos, molhos flambados para fazer um estrogonofe autêntico... E ela gostou. Mas acho que não causou grande sensação. 

Presente de Dia das Crianças mesmo eu não comprei... Meio que esqueci, meio que achei que minha irmã iria considerar a data capitalística demais... Mas vi que a Valentina apareceu com um novo bichinho de pelúcia dado por minha mãe. 

Eu: Olha o [bichinho do] Treta News!
Ela: Não é o Tetonildo, é um guaxinim.
Eu [que sempre fui geek de zoologia]: Isso aí não é um guaxinim....
Ela: É sim, a moça da Ri Happy disse...
Eu [dando um google]: Isso é um panda vermelho.
Ela: Não, a moça da Ri Happy disse...
Eu: Você confia no seu tio ou na moça da Ri Happy? Se ela entendesse de bicho estaria trabalhando num zoológico.
Ela: Mas... mas...
Eu: E vou chamar de Tetonildo.
A menina começou o dia das crianças chorando.
A pelúcia, o "Tetonildo" do Treta News, o panda vermelho real. Tudo panda vermelho. 

Por sinal, minha irmã dirige esse belo espetáculo de improviso com DOZE mulheres empoderadas no palco, até o final do mês, no Sérgio Cardoso.)


ENTÂO VOCÊ SE CONSIDERA ESCRITOR?

Então você se considera escritor? (Trago questões, não trago respostas...) Eu sempre vejo com certo cinismo, quando alguém coloca: fulan...