Acabei há pouco uma avalanche de leituras como jurado do Prêmio Oceanos. Nessa primeira fase, cada jurado recebeu uma seleção aleatória de obras e tinha que dar nota. Tinha pouquíssima coisa que eu já tinha lido, pouca gente que eu conhecia, muita coisa ruim, mas algumas pérolas e boas surpresas. Fiquei feliz em ver que minhas maiores notas entraram na lista dos semifinalistas. Agora um outro júri escolhe os dez finalistas do ano. A lista completa está aqui:
https://oceanos.icnetworks.org/oceanos/2022/semifinalistas
Pude então voltar para as leituras por prazer... que nem sempre... ou quase nunca são tão prazerosas... nem são tão por lazer assim... amigos, colegas, gente que me deu força, gente que prometi dar força...
Dos publicados este ano, alguns me chamaram especial atenção, começando com um romance que discute muito a própria situação da literatura brasileira atual.
|
O Homem que Escrevia para Ganhar Prêmios |
Em "O Homem que Escrevia para Ganhar Prêmios", do brasiliense Lourenço Dutra (Arribaçã Editora) um escritor frustrado, homem-branco-cis-hétero-de-classe-média, tenta formatar o livro perfeito para ganhar um prêmio e mudar sua carreira. Poderia ser só autoficção ressentida, mas o romance estruturado quase só em diálogos se firma no humor para pintar a cena literária atual e dizer tudo aquilo que nós (escritores) já sabemos, mas que só poderíamos dizer mesmo na ficção. Tem cenas hilárias, outras um pouco tolas (como criar uma espécie de Paulo Coelho chamado Pedro Lebre), mas a prosa ligeira é bem divertida de se ler e se identificar. Uma prova de que só o humor salva.
|
Cristhiano |
Discorrendo um pouco sobre essa história do exílio atual do escritor branco-hétero-cis-etc, me lembrei do badalado lançamento do Cristhiano Aguiar pela Alfaguara, "Gótico Nordestino". Ele alcançou o que muitos considerariam impossível: sucesso com um livro de contos de terror (de um autor branco-hétero-etc). O título em si é um achado, remete a um regionalismo contraditório, também com certo humor, mas que ilustra muito bem a proposta do livro, com narrativas calcadas no folclore nordestino. Talvez o que mais me incomode no livro seja um de seus maiores méritos: essa escrita limpa, "profissional", de quem estudou muito construção narrativa (e que se encaixou num molde respeitável). Falta um pouco de ousadia e espontaneidade, mas não deixa de sobrar talento.
|
Uirapuru |
Espontaneidade é o que não falta no primeiro romance do Febraro de Oliveira, de 23 anos, do Mato Grosso do Sul. Conheci ele na minha passagem pelo Pantanal, e fiquei curioso com seu "Uirapuru".
|
Febraro |
O livro é dos melhores exemplos do poder da juventude na literatura - algo que só poderia ser escrito muito jovem, por toda sua força lírica. Em prosa poética, o personagem discorre sobre suas relações familiares, com uma narrativa não tão traçável. (Me lembrou um pouco do meu "A Morte Sem Nome", que também escrevi aos 22, e não conseguiria escrever hoje). Eu sempre falo isso, da hipervalorização da "maturidade" na literatura, e como a juventude pode trazer um ímpeto tão necessário para ventilar nossas páginas. Febraro faz isso lindamente; um autor a se acompanhar (mas, vendo pela orelha que ele também é cria de oficinas literárias e se forma como professor, tenho medo do que o futuro pode fazer dele como "escritor profissional"). (RESISTA, FEBRARO!)
|
João Maria Matilde |
E enfim consegui ler também o novo da Marcela Dantés, mineira finalista dos Prêmios Jabuti e São Paulo ano passado. "João Maria Matilde" (Autêntica) também é um romance sobre a busca da identidade através da família - no caso, a descoberta de um pai desconhecido em Portugal, que acaba de falecer. Dantés é muito delicada, e mordaz quando necessário, uma escritora talvez no equilíbrio ideal entre potência lírica e estrutura profissional. Fez o dever de casa, mas não deixa de sair da casinha.
|
Marcela |