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Eu na Armênia, em 2015. |
Hoje se completam 110 anos do Genocídio Armênio.
Sempre que eu falo que sou armênio, as pessoas questionam,
se são meus avós, onde meus avós nasceram, mais ou menos como aqueles alemães
do interior de Santa Catarina...
Mas eu cresci ouvindo: Aracy Balabanian é armênia; a Cher é
armênia; toda família armênia faz questão de apontar quem é... (mais ou menos
como os gays...), porque não é uma questão de nacionalidade, é uma questão de
etnia e sobrevivência, mais ou menos como ser judeu.
Quando meus avós nasceram, por exemplo, nem existia a
Armênia, como um país, e a imensa maioria dos armênios que vieram para o Brasil
ou que se espalharam pelo mundo, vieram fugidos do Império Otomano, a atual
Turquia, não da Armênia que existe hoje. Era uma raça, uma etnia, perseguida
historicamente dentro de um império muçulmano, que sofreu um genocídio durante
a primeira guerra mundial.
Então os armênios daquela época eram nascidos na Turquia, ou
na Rússia, ou na Persia, mas ainda eram armênios. O que fazia deles armênios é
uma pergunta que eu sempre me fiz. O que faz de mim armênio?
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Com o Monte Ararat ao fundo. |
Foi muito o que eu procurei responder quando fui à Armênia,
em 2015, e em toda a minha pesquisa para meu romance Fé no Inferno. O que é um
armênio? (e é possível ser armênio sendo ateu? E sendo gay?)
Acho que entendi que meio que o consenso é que os armênios
são os descendentes de armênios, que carregam o sobrenome (ou o sangue!). Como
foi um povo que sofreu um genocídio, eles consideram qualquer descendente um
sobrevivente, portanto um armênio. É uma questão de resistência.
Os armênios gostam de inflar os números, e apontar –
Santiago é armênio, Fiuk é armênio – ao contrário de outros povos, como os
alemães, que estão enxotando os latinos de Pomedore, que se consideram Europeus.
Os números oficiais, inclusive, dizem que existem cerca de
10 milhões de armênios no mundo, três milhões nascidos na Armênia. Eu estou
entre esses dez milhões.
Quando fui para a Armênia, eu via pelas ruas: “Aquela parece
minha prima, aquela parece minha tia”; eu mesmo tenho algo de armênio nos olhos
(tinha mais nas sobrancelhas, mas raspei zero na minha adolescência gótica e
ela nunca mais cresceu igual!); felizmente não tenho o nariz...
Mas se você quiser saber mais sobre armenidades, eu sugiro a
leitura do livro “Genocídio Armênio”, do meu amigo Heitor Loureiro, que acabou
de sair pela Juruá Editora, que tem toda a base histórica, de uma maneira bem
didática e objetiva. O Heitor é um dos maiores especialistas do tema no Brasil,
inclusive foi meu orientador no meu romance; ele que me emprestou grande parte
dos livros da minha pesquisa, leu a primeira versão do livro, fez apontamentos.
Tem também “A Um Fio da Morte”, um dos relatos mais
completos em primeira pessoa de um dos sobreviventes do Genocídio, o
Hampartzoum Chitjian. E a edição brasileira foi traduzida por mim para a
Autonomia Literária.
E quem quiser ver uma versão romanceada da historia, leia
meu Fé no Inferno. Conta a história de um cuidador de idosos, brasileiro,
indígena, gay, que vai cuidar de um velho armênio nos Jardins, em São Paulo
(muito baseado nos meus avós) e, conhecendo a história do genocídio, começa a
reavaliar a sua própria condição de cidadão de segunda classe, no Brasil às
vésperas da eleição do Bolsonaro.
O livro intercala esses dois momentos – Brasil em 2017 e o
Império Otomano durante a primeira guerra mundial. Foi finalista do Jabuti, do
Oceanos e ficou em segundo lugar no Prêmio Machado de Assis, da Biblioteca
Nacional, em 2021.