30/06/2005

O NEGRO LOIRO DO MEU AMIGO

Antes que eu me esqueça, ainda tenho algumas centenas de "Olívios" aqui. Quem ainda quiser comprar (R$ 21, autografado). É só me escrever. Se alguém já fez o depósito há mais de uma semana e ainda não recebeu o livro, me mande um email também, que tenho os registros e reclamo nos Correios.

Recebi hoje do Marcelino Freire seu livro novo, "Contos Negreiros". É um romance sobre alemães nazistas. Haha, não. Obviamente são contos sobre negros; o ritmo do Marcelino com tambores africanos. Bem musical, repleto de rimas e aliterações, um humor ácido e incorreto, como em seus ótimos livros anteriores "Balé Ralé" e "Angu de Sangue". Mas nesse novo eu ainda só dei uma espiadinha. A capa (Record) ficou um primor. Preto no branco, pelado de capa dura (eu disse "capa").

Marcelino, além de grande escritor, é grande "agitador cultural". Poderia escrever mais; demora muito para lançar cada livro, mas ele tem dessa coisa, de promover festas, encontros, tirar a literatura do armário. E tá mais do que certo. Reclama-se muito de que brasileiro não lê, que ninguém dá valor à literatura, daí quando surgem eventos, tipo Parati, que devolvem o glamur da coisa, escritores que conquistam espaço na mídia, que atraem novos leitores, os intelectualóides torcem o nariz. E não é nem questão de (falta de) qualidade: Tem cara aí que já falou maravilhas dos meus livros, que fez resenha sobre meu trabalho, coisa e tal, depois fica reclamando que eu fui no Jô, que eu saí na "Quem". Eu tô fazendo a minha parte para a literatura chegar até as pessoas.

Não importa por qual motivo as pessoas vão pegar um livro, se é porque gostaram da capa, ganharam num sorteio ou acharam o autor bonitinho. A faxineira da minha mãe resolveu aprender a ler porque não agüentava mais tirar pó sem saber o que estava escrito nas lombadas. Assim é que a literatura vai fazendo parte da vida das pessoas.

Mas esse povo acha que livro precisa transmitir micose. São os intelectuais de óculos embaçado que matam a literatura. Felizmente eles mesmos já estão morrendo. No lugar, surge aí uma geração criativa, produtiva e atuante, fazendo a coisa acontecer de outro modo.

E é essa petizada bonita , que tem aparecido aqui pelo blog, que eu quero que me acompanhe.

Só pra terminar e foder tudo de vez, vai aí um trecho de "Tônio Kröeger", do Thomas Mann:

"Estou entre dois mundos; não me sinto à vontade em nenhum dos dois, por isso me sinto em dificuldade. Vocês, artistas, me chamam de burguês. E os burgueses sentem-se tentados a prender-me (...) Admiro os soberbos e frios que se aventuram no caminho das grandes, das demoníacas belezas – mas não os invejo. (...) Meu amor mais sentido e secreto pertence aos loiros e de olhos azuis, aos vivos claros, aos felizes, gentis e comuns."

Tomou?

28/06/2005

O RIO TIETÊ CONTINUA LINDO

Hoje de manhã eu estava olhando pela janela aqui do apartamento. Vi um gato subindo num muro, lá longe, pisando entre cacos de vidro. Subiu no telhado e ficou vendo a vista. Eu tive uma inveja daquele bichano, com o mundo todo a explorar, tão livre e despreocupado, que peguei meu estilingue e acertei no olho dele.

Haha. Brincadeira. Eu até gosto de gatos. Mas tenho péssima pontaria...

Falando em "catwalk", fui assistir ao desfile do Ricardo Almeida, hoje no São Paulo Fashion Week, com direito a bastidores e tudo (e aí, os intelectualóides de plantão vão me acertar de estilingue?). Achei interessante, todo aquele champagne ideológico... Todo mundo sorrindo em voz alta... Até encontrei umas pessoas bem queridas, comi uns amendoinzinhos. Mas não ligo muito pra moda, não, nem pra roupa, prefiro o recheio...

E já que estamos nesse clima "Erika Palomino", já ouviram o cd novo do Fischerspooner, "Odissey"? Eu baixei aqui há algumas semanas. Estou ouvindo agora. É bem bom. Achei melhor que o primeiro até. Eles perceberam a decadência do elektro e assumiram que são uma banda pop. A maioria das faixas tem guitarras, bateria acústica, verso e refrão, apesar dos leadzinhos anos 80. "Never Win", o segundo single, é bem bom, e bem Franz Ferdinand. "We Need a War" tem uma letra de "proto-protesto anti-Bush", que é interessante por não ser panfletária. A letra fala basicamente só isso: "se a gente acha que precisa de uma guerra, a gente precisa de uma guerra". Só falta agora eles tocarem de verdade nos shows e parar de dublar...

Acabei de fazer a promoção de um "Feriado de Mim Mesmo" autografado na comunidade do Orkut. A Graziela, de Recife, já faturou. Em breve vou fazer uma por aqui. Acho que vou sortear um "Parati Para Mim" (se eu conseguir um na editora), livro de contos que escrevi com o João Paulo Cuenca e o Chico Mattoso, em 2003, para a Primeira Festa Literária Internacional de Parati. Aguardem.

(não, não vou a essa Flip. Tudo em Parati é muito caro. Como não estou tão glamuroso assim, este ano só SPFW)

26/06/2005

PIADAS DE GRIFE

Acabei de voltar de uma sessão de cinema. Fui projetar legendas (sabe aquelas legendas eletrônicas que são lançadas ao vivo por um operador? Então, fiz isso). Filme arrastado, documentário do Pasolini, mas poderia ter sido pior. Se fossem as legendas de "Saló", eu não teria sobrevivido. Haha.

Entrei nesse ramo recentemente, traduzir filmes e projetar legendas. É algo gostoso de se fazer, independentemente da qualidade do filme. Na hora de soltar as legendas, eu me guio mais pelo áudio do que pela imagem. No filme de hoje, por exemplo, eu nem olhei para a tela do cinema. Fico só no laptop, ouvindo os diálogos em italiano e soltando as frases correspondentes em português. Mais fácil assim, e dá um ritmo gostoso. Traduzir também é legal, existe além do trabalho lingüístico, o desafio de fazer cada fala caber em uma linha de 34 caracteres. Quase como um microconto...

Falando em microcontos, ontem fui ao lançamento do livro "Sexo, Drogas e Tralalá", de Thiago Picchi, Fábio Fabrício Fabretti e Ana Paula Maia. Cada um escreveu uma parte do livro, todo formado por micro-narrativas. A Ana Paula eu já li em romance. É dela "O Habitantes das Falhas Subterrâneas", que eu já comentei aqui. Ótima narrativa em primeira pessoa sobre um adolescente paulista que se perde no Rio. E ainda por cima é uma menina que escreve em primeira pessoa masculina. Mulher tem mania de escrever coisa de mulher, né? Mesmo quando é do caralho (tipo a minha mãe, heheh), é sempre coisa de "mulherzinha". Então a Ana Paula acaba se destacando por revirar um universo masculino, e não só por isso...

O Fábio Frabrício Frabetti eu nunca tinha lido. Conheci lá. Adorei o nome dele. Me lembra aquele conto infantil, "Cabra Cabrês", ou algo assim, sabe? Não parece um trava língua? Fábio Frabrício Frabetti tinha três mafagafinhos... Haha. Bem, ele também é gente finíssima e escreveu a parte "Drogas" do livro, com pitadas bem lisérgicas. Queria ler narrativas mais longas...

Aliás, agora tá moda essa coisa de microcontos, né? Ah, é complicado. Pra mim, microconto ou é uma frase de efeito ou é uma piada com grife. O próprio micro-conto que eu escrevi para "Os Cem Menores Contos do Século" é uma frase de efeito. Mas também posso fazer um microconto piada de grife, quer ver:

Michael Jackson.

"O rei está nu!" – Gritaram os garotos na Terra do Nunca.

Haha. Alguém riu?

O Thiago Picchi eu também conheci no sábado. Ele tava lançando outro livro, de contos, "O Papagaio & Outras Músicas’. Vem com um cd de trilha. No começo achei meio confuso, ouvir a trilha e ler ao mesmo tempo. Mas acabei a primeira faixa juntinho com o primeiro conto. Daí a coisa engrenou. O livro é bem bom, li inteirinho esta manhã. São "histórias" de verdade, nada daquela coisa de reflexões, diário ou egolatria fantasiada de ficção. Os contos tem algo de absurdo, um humor fino, maravilhoso. Humor esse que se estende também para o CD, como uma citação a Roberto Carlos no meio de um Debussy. Enfim, o livro foi uma ótima surpresa (principalmente porque detestei a capa...).

Voltando à egolatria, as coisas estão se acalmando por aqui. É gostoso receber o carinho das pessoas, mas o Jô não é um classificado gay ou um programa para fazer amigos. O objetivo é mesmo divulgar os livros. Então vamos lá:

Saiu esta semana na revista Paradoxo um ótimo artigo, assinado pelo Rodrigo Kurtz, que conta um pouco sobre meus três livros. Ele coloca "Olívio" como o melhor dos três (o que eu não concordo, mas cada um tem sua opinião). Tem também uma foto bem legal, que eu nunca tinha visto, acho que foi tirada ano passado, no "Encontros de Interrogação" do Itaú Cultural. Vai o link:

http://www.revistaparadoxo.com/materia.php?ido=2332

E não se esqueçam de que continuo vendendo "Olívio" aqui, por 21 reais. É só escrever para o meu email. O estoque ainda está bem grande, podem encomendar para toda a família.

23/06/2005

FOGUEIRA DAS VAIDADES

Como diria Eduardo Dussek: "chocante, chocante, chocante".

A repercussão da entrevista no Jô foi impressionante. Antes do programa acabar, já havia mais de 70 emails na minha caixa postal. Até agora, já são mais de 200, a maioria de scraps no Orkut. O acesso diário ao blog pulou de 120 para 400, por enquanto. E quando saí na rua, fui metralhado por um helicóptero, flechado por índios e comido por um jacaré.

Mas dentro do meu apartamento tudo continua igual...

Daniel veio aqui ontem, para fazer um jantar e assistir ao programa. Com nossa sorte habitual, o gás acabou quando ele começava a mexer as panelas. Eu, que já tinha bebido algumas taças de vinho, comecei a quebrar cabos de vassoura para tentar formar lenha para fazer uma fogueira e continuar cozinhando. Haha. O foda foi achar um lugar para o incêndio. Eu estava quase acendendo dentro do tanque de roupa, que é de concreto, mas como o ralo e o cano são de plástico, achei que não daria certo...

Ficamos só no vinho.

Bem, bem, como tem muita gente nova aqui, perguntando como faz para comprar os livros, explico:
"Feriado de Mim Mesmo" (o mais recente) e "A Morte Sem Nome" se encontram por aí, nas boas casas do ramo, no Submarino, Saraiva, etc. Eu não tenho estoque aqui em casa então não tenho como vender. Sugiro que procurem nas livrarias e PEÇAM ao vendedor, que isso ajuda a mostrar que o livro está sendo procurado, coisa e tal.

O primeiro, "Olívio", que foi lançado por uma editora menor e tudo mais, está encalhado e é difícil de encontrar por aí. Para saldar dívidas de direito autoral, a editora me deu um estoque monstro de 300 livros. Então estou vendendo para quem quiser, autografado, cobrando o mesmo preço das livrarias, sem custos adicionais de envio. Sai por 21 reais. Quem quiser, me mande um email (saintdragon@uol.com.br), eu passo os dados da conta para depósito. Como tem muita gente pedindo, eu dou um valor ligeiramente diferente para cada um (21,01; 20,88; 20,93) só para eu saber quem depositou.

Fiquei sabendo por um leitor que já saiu o conto que mandei para a "Bestiário". É quase uma fábula, "O Amolador de Facas", e foi escrito há dois anos. Sei que tô entuxando isso aqui de contos, mas pra quem quiser ler, vai lá o link:

http://www.bestiario.com.br/16.html

Bom, é isso, a gente vai se falando. No orkut a coisa tá foda. Vocês sabem como aquele troço é lento, e para eu responder todos aqueles scraps e adicionar o povo tá foda. Acho que o servidor deles tá precisando de uns donuts.

21/06/2005

Cês tão sabendo que amanhã (quarta) tem minha entrevista no Jô, né? Não sei em que bloco. Talvez no primeiro. Achei legal.

Tem muita gente comprando "Olívios". Já mandei pro Maurício, Leony, Graziela, Karen, Mari e Kessy. O mais legal é saber que tem gente de lugares tão diferentes lendo meus livros...

Acabei de voltar da Lima Barreto. A leitura foi gostosa, um povinho carinhoso e interessado. Queridos colegas, amigos do coração, leitores fiéis. Li dois contos e um capítulo de um romance inédito, além de responder perguntas. Para quem não foi, entrego só o último conto. Foi escrito há 5 anos, mas o reecontrei recentemente e achei que valia:

IRMÃO SOL, IRMÃO ÁGUA

Após seis horas de estrada, passara por todos os estágios de ânimo e expectativa. Ansiedade, sono, receio e arrependimento, não sabia qual era o mais forte. Após seis horas de viagem, o calor e o desconforto era o que mais me incomodava.

Fazia seis anos que não nos víamos, seis anos dentre os quais poucos "ois" foram trocados, mas nunca, nunca nenhum "tchau". Talvez por isso eu viajasse, para provar a nós dois que nada acabara, que teríamos mais razões para "ois", menos chances de "tchaus" e muito mais anos entre nós.

Era uma viagem de seis horas e isso consumia doze horas de meu feriado. Ida e volta. Eu viajava de ônibus, corria sentado, dezenas e dezenas de quilômetros rodoviários, com montanhas, casinhas e arbustos à minha direita. O mundo passava tão rápido lá fora e eu nem podia aproveitar, perdia doze horas trancado, enquanto montanhas derretiam, arbustos cresciam e casinhas eram construídas. O ônibus viajava e jogava pequenas vidas pelo caminho. Tentava eu viajar também e recolher pequenos pedaços da minha.

Eu nem olhava para dentro. Dentro do ônibus, éramos todos em coma, tentando despertar em um novo cenário. Até lá, cada um via o mundo de sua própria janela, encostando o nariz no vidro, se cobrindo com cobertores, espalhando polvilho ao redor de suas misérias. O ruído grave dos motores era a base, sobre a qual cada um de nós solava.

Após seis horas, desconforto físico se adiantava perante minha melancolia e minha abstração. Fazia muito calor e eu tinha medo de desidratar. Estava acostumado a passar muito mais do que seis horas fora d'água, mas nunca me sentia bem. Queria estar apresentável, quando chegasse na rodoviária. Me levantava, cambaleava até o banheiro, molhava a franja, a testa, olhava no espelho e torcia para que ele não percebesse minhas escamas. Lá fora, anoitecia, e me dava medo de ser feliz.

Quando o ônibus parou, já era tarde. Eu estava úmido e cansado, recolhendo as últimas fichas para um sorriso. Pisei hesitante em solo firme, absorvi o ruído das cigarras ao meu redor e esperei que ele se aproximasse.

": ), você está diferente. Seu cabelo cresceu."

Fernando se adiantava para pegar minhas malas. De todas as vergonhas que eu tentava esconder, ele só notava a minha franja, e eu a ajeitava para que desse tudo certo. Fernando era maior, mais forte e não desidratava sob a luz do sol. Enquanto caminhávamos até seu carro, rebobinávamos minha vida até sua cidade, para chegarmos a um ponto de partida. Foi nessa hora que eu comecei a querer ir embora, voltar, esquecer, lembrar apenas de seis anos ou horas atrás, começar tudo de novo e chegar num destino diferente.

"Estou feliz que tenha vindo. Faz tanto tempo. Não podemos perder contato..."

Na luz do carro, pude ver suas escamas, duras, secas, crescendo em direção contrária às minhas. Ele não era um animal aquático, eu tinha certeza, havia um mar de diferenças entre nós.

"Você vai gostar daqui, tenho uma piscina grande. A gente pode nadar amanhã, se fizer sol. Fazemos um churrasco, convido uns amigos."

Ele tentava fazer eu me sentir em casa, preparava o aquário, colocava pedrinhas no fundo, e só me fazia sentir ainda mais falta de meu oceano.

Nossos campos, quando éramos adolescentes e tínhamos apenas garras, subíamos nas árvores, corríamos pela grama e mergulhávamos juntos na vida que estava por vir. Minhas escamas cresciam antes das dele, sob a blusa, na frente do espelho. Eu tinha tanta vergonha, mas esperava que ele me seguisse. Saboreava a chuva, quando ele estava apenas matando a sede. Me masturbava no chuveiro, quando ele apenas se levava. E seguindo as tubulações, a rota do pôr-do-sol, a trilha dos esgotos, nos perdemos no meio do caminho.

Agora, reconstituindo nossas trilhas, deparávamos com uma porção de cenários desconhecidos, áridos, desinteressantes. Fundamentava-se a razão de termos seguido rumos diferentes e nos fazia questionar o por quê de termos nos reencontrado. Achava que sentia falta dele, de nossos campos e nossas árvores, mas eu sentia falta apenas de minhas garras. Se eu ainda as tivesse...se eu ainda as tivesse...

Dormi numa cama seca e quente, depois de um longo banho doméstico. Continuamos conversando antes de dormir. Ele tentava entender o meu mundo e eu escutava tudo o que eu já sabia, sobre o mundo dele. Enquanto ele estava na praia, eu estava muito mais fundo, mergulhado, no fundo do mar. Ele não podia me ver e nem eu podia vê-lo, mas o lixo que ele atirava de sua cadeira, a sujeira que seu esgoto trazia vinha até mim e eu nunca precisei emergir para saber o que acontecia lá em cima.

Dormi e sonhei com terra, ar e fogo. Onde estavam nossos outros irmãos? Haviam deixado crescer pêlos, penas ou queimaduras? Eu sonhava em ser um adulto impermeável, adaptável a qualquer ambiente, e acordei no meio da noite, morrendo de sede.

No dia seguinte, queria continuar a dormir. Sentia-me indisposto e Fernando tentava me animar, lembrando-me da piscina. Seu convite era piedoso. Achava-se superior por não estar preso à água, como eu estava. Mas estava preso à terra, uma área do planeta muito mais limitada. Tentava me fazer inveja com suas montanhas e planícies, enquanto eu percorria milhas e milhas submerso, por paisagens que ele jmais imaginaria. Enquanto ele falava, eu desdenhava sua língua bifurcada, ele caçoava de minhas guelras. Afinal, éramos apenas dois amigos à piscina, ele na margem, eu afundando.

"Você sempre foi diferente, já dava para imaginar. Vai gostar dos meus amigos, tem um que é aquático que nem você. Vou chamar todo mundo e fazemos um churrasco."

Fernando não entendia, mas aceitava, e isso já era reconfortante. De dentro d'água, eu o observava sob o sol, crescido, escamoso, e ainda amigo, ainda irmão. A distância entre nós era apenas superfície, enfim, se nos esforçássemos para estar na mesma praia. Eu não podia abrir mão da água, ele não podia abrir mão do sol, e continuaríamos seguindo caminhos diferentes, mas sempre haveria uma praia, sempre haveria um porto para nos encontrarmos.

Talvez fosse o mergulho, o efeito do cloro, mas eu começava a me sentir feliz de estar ali. O tempo continuaria passando, tínhamos de aproveitar aquele feriado de pausa.

Ele se afastou para cuidar do churrasco. Deixei-me afundar na piscina e só tinha uma vaga preocupação: como explicar a ele que eu era herbívoro?

20/06/2005

ENFIM, AS LAVAS.

Ei, cês tão sabendo que amanhã 19h, vou estar na Livraria Lima Barreto (Inácio Pereira da Rocha, quase com a Mourato – São Paulo) lendo trechos de um livro inédito + contos e dando "Olívios" de presente a quem comprar ou levar um "Feriado de Mim Mesmo", né?

Então tá. Não me deixem na mão.

Ontem sonhei que morava em Las Vegas. E que a cidade tinha de ser evacuada pela erupção de um vulcão. Eu só peguei minha mochila e pensei com alegria: "Enfim, verei as lavas de perto."

18/06/2005

SÓ COM O SANGUE DERRAMADO FOI QUE PERCEBI...

Manhã de sábado. Tô tomando chimarrão e ouvindo White Stripes (tmmm, trmm, tm, tm, tm, tmmm). Na mesa de computador (tem um nome, não? Esqueci) há um globinho giratório de luz, meu telefone sem fio, o controle remoto do som, um mouse pad do Itaú Cultural, um copo quase vazio de caipivodka de morango (de ontem) e papeizinhos com telefones, endereço do Nicolas, nome de quem quer comprar "Olívio", o cartão de segurança do Itaú... e a cuia do chimarrão.

O monitor do meu PC está incrivelmente velho, manchado e amarelado. É o mesmo há dez anos. Mas tem um design interessante, retrô-futurista, enorme, e com um imagem de primeira, ainda... Colado nele há um adesivo do Taylor Hanson (haha) que resiste sem desbotar... (deve ser um retrato de Dorian Gray kitsch e às avessas).

Aqui do lado esquerdo fica uma mesinha, daquelas de criança, que devo ter desde meus... 4 anos. Tem até uns adesivos de joaninha nela (que não resistiram tanto ao tempo...) E um monte de papéis, originais dos livros de amigos, o mapa de Paris, contas (ahhhhh...), um calendário muito tosco que minha mãe me deu (sorry...).

Do lado direito tem a porta de saída (ou de entrada) com meu crachá da Bienal pendurado na maçaneta (não sei porque fiz isso, acho que é para me avisar, toda vez que eu tentar sair de casa: ‘lembra o que acontece quando você sai...’).

Aqui atrás há uma enorme estante de cds, devorada pouco a pouco pelos cupins. Todo dia eu vejo novos pózinhos embaixo dela (ao menos eles trabalham silenciosamente...). Na prateleira de cima da estante, estão os cds de música gótica (que são uns 150), em seguida vem rock genérico, depois anos 80, na penúltima tem britpop e na última tem MPB, Sinéad O’Connor e Eurythmics. A estante tem ainda uma outra divisão, um pouco menor, também com cinco prateleiras. Na de cima, pop descartável e trilhas sonoras. Em seguida, jazz e easy listening. Na penúltima, easy lstening e eletrônica. Na última, música clássica. Daí vem gavetas com contas, cartas, tantas coisas que nem daria para descrever..

Ao lado dessa estante há uma torre de cds, com MPB. Enrolada nela há uma cobra imeeeeeeeensa de borracha que eu trouxe de Washington, em 92.

Depois vem outra estante, daquelas desmontáveis, de metal, balança-mas-não-cai (espero), sabe? Dizem que essas estantes são ótimas para livros, né? Porque permitem que os livros "respirem melhor", contra mofo, essas coisas. Pois bem, de cima pra baixo, quinta prateleira: dicionários e biografias. Quarta prateleira: filosofia, história e didáticos em geral. Terceira prateleira: pockets e livros de terror (acompanhados de bonequinhos do Edward Mãos de Tesoura, Freddy Krueger e Michael Myers) Segunda prateleira: livros de foto e de arte. Primeira prateleira: albuns de foto e originais de livros meus.

Ainda tem bem mais (repararam que a sala é grande).

Há outra estante de livros, de madeira. Quarta prateleira: imortais internacionais. Terceira prateleira: modernos internacionais. Segunda prateleira: imortais nacionais (e é onde estão meus livros também, claro, haha). Primeira prateleira: contemporâneos e infantis. Nas prateleiras tem também aqueles gatinhos japoneses de porcelana, sabe? Aranhas de plástico. Um monstro de borracha. O troféu do Prêmio Fundação Conrado Wessel de Literatura e um case com cds gravados.

No centro da sala fica uma mesa de escritório com quatro lugares, quatro cadeiras, que é onde eu almoço. Sobre ela há uma escultura do Fredy Keller, que eu adoro, moldada num crânio de veado (o bicho). Sim, é algo meio macabro, mas e daí? E também uma escultura pequena do crânio de uma pantera, feita pelo meu pai. Ah! e um candelabro com uma vela quase toda derretida (acho que a descrição dessa mesa fortaleceu imensamente o ar "gótico" do apartamento...).

Bem, mas eu tenho um pufe vermelho... E um sofá vermelho também. Encostados na parede, sob a janela, que dá para uma vizinhança sem prédios, com casas baixas, o que me permite "respirar melhor", contra o mofo, como os livros...

Há ainda uma cadeira de madeira, com um dicionário de finlandês, minha pasta de clipping e o livro "Auto-de-Fé", do Canetti, que estou lendo.

Que mais? Um baú, sob o qual está o aparelho de som. Uma pequena cômoda que foi entregue por engano quando cheguei em Porto Alegre (tive praticamente de pagar um "resgate" para a SAVÉRIO CRISTÓVÀO, uma transportadora picareta, me devolver meus móveis. Devolveram, entregaram esse junto por engano, e obviamente não disse nada, para compensar a grana do resgate). Sobre ele há revistas das mais variadas, VIP, Bravo, Mundo Estranho, Attitude, Arena e quadrinhos de terror.

Hum, e nas paredes, o quadro da morte (da autoria do meu pai) o retrato de um velho (também do meu pai) uma reprodução do Escher (morcegos e anjos... pfffff... haha) e uma ampliação emoldurada de uma foto ótima que tirei do Patryk em Londres. E tem uma luminária de luz negra, um ventilador de teto, que nunca ligo (senão os papéis voam todos e muda completamente a descrição da sala...)
.
No chão (de tacos, sempre) tem umas coisas espalhadas: tênis, um bode de pelúcia, uma bolsa com lps, um vaso funerário, um chapéu de palha... Preciso falar dos fios de cabelo entre os tacos? As asas de insetos? Os cílios que derramei e que contam a história de um dia em que dormi?

Acho que não deu para vocês captarem a desordem, o pó, a sujeira. Mas pra mim deu. Esse foi meu ensaio para a faxina. E foi só a sala! Vamos lá...

15/06/2005

O LIVRO SECRETO DO JOVEM ENVENENADOR

Eeeeeba! Recebi ontem, aqui em casa, a segunda edição de "Feriado de Mim Mesmo". Fora uma revisão mais caprichada, o livro tem pequenas, minúsculas mudanças, que o tornam um pouquinho mais coerente. Quem já leu, pode procurar a segunda edição nas livrarias para fazer o "jogo dos sete erros". Quem tem ou encontrar a primeira edição, não se preocupe, é o mesmo livro (e a primeira edição tem o plus de se tornar mais rara...).

Também recebi da Talento (minha primeira editora) uma tonelada de "Olívios", para quitar dívidas de direito autoral. Então é isso, tô vendendo. Quem quiser comprar "Olívio", meu primeiro romance, autografado, mande um email pra mim (tem lá em cima) que eu explico como.

Vou fazer uma promoção também... mas ao vivo, para quem for me ver na Lima Barreto (SP) semana que vem. Vai ser o seguinte: quem levar ou comprar lá o "Feriado de Mim Mesmo" ganha de presente "Olívio", é só me procurar para autografar, depois da leitura.

Devo conversar com o público (se houver alguém), ler um conto e um capítulo de um romance inédito. Quer dizer, meio inédito.... Sabe aquele livro que o personagem de "Feriado de Mim Mesmo" lé? Que inclusive tem um trecho na quarta capa? Pois é, aquilo foi tirado de um romance que escrevi em 2002, logo que voltei da Europa, mas nunca terminei. E não é que eu só comecei.... cheguei a escrever mais de 200 mil caracteres. Ou seja, se algum dia eu conseguir terminar, será meu maior romance... em número de páginas, ao menos.

Então, a Lima Barreto fica na Inácio Pereira da Rocha, quase com a Mourato Coelho (Vila Madalena), minha
leitura está marcada para terça, dia 21, 19h. Não me deixem só.

A entrevista no Programa do Jô foi confirmada para dia 22, quarta da semana que vem.

13/06/2005

NO TEMPO DO ONÇA

Ei, tava correndo hoje na esteira da academia, vendo Manhattan Connection e, adivinhe, eles estavam falando sobre videogame. Que o videogame auxilia no desenvolvimento da inteligência, dos reflexos, essas coisas (mas não falaram que trazia dados preciosos sobre a cultura alemã e os "Doppelgangers", haah - Ei, falei que era uma entidade! Eu tava certo. Viu o link que o Antonio deixou no post anterior, Saint-Clair?). Parei na geração 16 bits, mas tenho vários emuladores aqui no PC. Se tivesse um Playstation em casa, o mundo não conheceria minha literatura, haha.

Todo mundo tem me perguntado do Programa do Jô (pelo menos pararam de perguntar sobre o filme do "Feriado"). Mas eu ainda não sei quando vai ao ar. Disseram que seria nesta semana, iriam confirmar a data. Vamos ver...

Amanhã (terça) vai ao ar uma entrevista que gravei há MILÊNIOS para o Programa do Peréio (Canal Brasil, 22h). Quando gravei, ainda nem tinha lançado "Feriado", ainda nem tinha feito plástica... Mas, pelo que eu me lembro, foi bem divertida... devaneio total... E como o programa se chama "Sem Frescura", fui com uma blusa de oncinha...

Aqui, tudo na mesma. Acabei de traduzir um filme do Kieslowski ("O Acaso") e estou fazendo outro freelinha pequeno, de texto:

"Quando uma família trabalha com garra, persistência e conhecimento, seu legado só pode ser uma história de sucesso."

Isso, perfil institucional de uma empresa. Pra ser sincero, eu adoro fazer essas coisas. hehe. Sério. Não era isso o que me incomodava quando eu trabalhava com publicidade, pelo contrário. O que me incomodava era ter de fazer sacadinhas, chamadinhas de efeito e não poder trabalhar texto. Eu prefiro mesmo fazer marketing direto do que publicidade. Na época que trabalhei em agência, o que eu mais gostava era de fazer letras de jingles.

Vai aí uma que fiz para a Telefônica Celular do Rio Grande do Sul, em 2000:

Não se sinta só se está sozinho
Estando longe, estou a caminho
Perto, estou bem acompanhado
Sempre caminhando ao seu lado

Nunca é tarde se há um segundo
Temos todo o tempo e todo o mundo
Conversando mesmo sem assunto
Divertindo ou trabalhando juntos

Olha pra mim, se não me vê,
estou a um alô de estar com você
Olha pra mim, se não me vê,
estou a um alô de estar com você.

Loc: Telefônica Celular, a sua melhor companhia.

Pegaram a mensagem implícita? É uma letra gay. A primeira e a segunda pessoas são masculinas... Embora quem cantasse fosse uma mulher... A Telefônica nunca se ligou...

12/06/2005

CHICOTEANDO VAMPIROS

O país pode cair, a seleção pode perder, Glauber Rocha pode ressuscitar, que permanecerei puro com Saki... e Castlevania, Saki... e Castlevania.

Para ler Saki: http://www.jonrennie.com/saki/storypg.php

E quem descobrir onde no "Feriado" está uma expressão que tirei de "Castlevania", ganha o livro autografado. Ou "Olívio", se preferir ("A Morte" eu não tenho aqui).

"Castlevania"? Veja como sou intelectual.... haha.

09/06/2005

A revista Bestiário me pediu um conto inédito. Eu estava com uma idéia fermentando e achei que daria um bom conto. Deu. Mas parece com muita coisa que eu já fiz. Então acabei mandando para eles um conto antigo, que deve sair mês que vem. O outro, coloco aqui. Talvez vocês gostem:

VELHOS SAPATOS DE DANÇA.

Hoje é o último dia da minha vida. É também o dia do meu aniversário. Mas aniversário eu faço todos os anos... ou fazia. Morte é só essa e eu vou vestir os sapatos de dança que comprei esperando um baile que nunca veio e nunca virá. A não ser agora, que ele vem me visitar...

Estive dançando os últimos anos todos, escorregando em meus próprios chinelos. Perdi um centímetro por lágrima, enquanto não pude calçar saltos altos. Da cama do hospital para casa, do quarto para o banheiro, vomitar. Não é assim que se deve conduzir uma mulher. Não foi assim que esperei ser conduzida. Esperei ser tirada para dançar, mas cada passo que dei em falso, assobiava uma nova melodia.

Agora não posso dizer que estou aliviada da dança terminar. Me dá um certo medo. Não medo do que virá depois, mas de não vir coisa alguma. Você sabe, da festa terminar, ninguém me tirar para dançar, e eu ainda ficar esperando os táxis numa rua deserta, vazia, sozinha, até o dia acabar. Até um novo dia começar. Mas um novo dia não começará para mim, se eu estiver calçando sapatos de dança....

Minha mãe acha graça d’eu me maquiar. Ela ri, se esforça, eu na frente do espelho tentando imitá-la. Minha mãe é tão velha que não sabe nem assobiar. O assobio ainda não havia sido inventado em seu tempo. Para mim, ela nunca dançou. E, se dançou, fez questão de esconder, muito tempo atrás, seus velhos sapatos de dança.

Mas ela ainda dançará, ainda viverá, ainda dormirá e acordará num novo dia, quando o táxi a levará de volta para o baile. Eu não. Sou mais nova do que ela, mas todos sabem que, para mim, essa dança será a última. Por isso, sorriem quando me maquio na frente do espelho. Por isso, reparam em cada passo meu e aplaudem, e aplaudem. Como se eu fosse uma criança aprendendo a caminhar.

Também sorrio, porque será necessário. Será necessário dar mais passos para seguir minha dança. E se eu não pudesse nem dar um passo a frente, como poderia me jogar do precipício?

Ontem de noite me segurei. Fechei os olhos na hora de cair. Mergulhei e despertei. Despertei para mais um dia que insistia em insistir. Feliz aniversário. Foi o telefone tocando e me lembrando. Me lembrando que ainda não morri. Ele, em minha orelha, como uma feliz variação na rotina de meus desaniversários. Ele, Santiago, dizendo que viria me visitar, me tirar para dançar, como um presente daquele aniversário, meus trinta e seis anos...

Ele sabia. Sabia que não viria. Sabia que não viria nenhum dia a mais. Nenhum ano, nenhum dia, nenhum aniversário e nenhuma chance a mais para nós dois. Se a chance viesse, ele não viria. Se tivéssemos uma chance, ele não me visitaria. Mas agora se sentia confortável para me tirar para dançar. Agora podia tomar-me em seus braços, já que eu morreria.

Eu morreria em seus braços, renunciando aos meus....

Era só o que faltava. Era só ele que faltava em meus dias. Depois dele, poderia partir. Depois dele, não precisaria de outro aniversário. Eu insistia, a doença me acompanhava. Só desistiria quando ele me tirasse para dançar. Só desistira quando ele me levasse a beira do precipício, me soltasse, e me soltasse para nunca mais me segurar. Quando ele me soltasse, não haveria mais motivo algum para eu me segurar, para não mergulhar. E acordar no dia seguinte.

Ele sempre se manteve distante, enquanto a doença avançava lentamente. Fingia não saber de nada, mas eles sempre sabem, quando a gente está para morrer. Eu não teria orgulho de contar, nem esforço para esconder. Deixaria que ele descobrisse naturalmente, e que viesse. Que viesse me buscar quando não houvesse mais salvação.

Minha mãe fala comigo como se eu fosse criança. Mas ela sabe que a criança é ela, por ser velha, por estar definhando, por estar me deixando, sem nem mesmo saber dançar. Como qualquer mãe que deixa a adolescente num baile. Como qualquer mãe que combina uma hora para a filha voltar. Ela esperaria minha volta para sempre, mas nunca poderia me acompanhar. Seu salto quebrou quando eu comprei o meu. Esses velhos sapatos de dança não lhe servem mais...

Me olho no espelho fingindo me achar linda. Me olho no espelho sabendo que não estou realmente feia, embora me sinta assim. A doença não corroeu minha pele, a morte ainda pode ser bonita. O veneno que apaga meus dias não me provocou rugas, nem manchas, nem consumiu minha gordura, apenas tornará meu coração incapaz de bater. E com meu coração incapaz de bater, como estarão quentes meus lábios, como estará lisa minha pele, como estarão brilhantes meus olhos, meus olhos, olhando para você.

Serei apenas incapaz de ser.

Mas não me importo. Não me importo realmente. Essas são apenas palavras, mais bonitas e mais dramáticas, escritas. Esperei cada dia com medo e ansiedade, agora espero nesse apenas por ele, como um grande e belo, e definitivo, lindo, final. Depois que ele vier me visitar, não terei mais motivos para insistir.

Nem para resistir.

Joana vem cedo e sorrio. Me coloca novos brincos na frente do espelho. Agradeço o presente, mas não faz diferença realmente. Meus cabelos são compridos, ninguém verá. O que importa são apenas meus sapatos, nem meus colares, nem meus vestidos, quando eu me puser a dançar. O que todos querem mesmo é me ver caminhar. O que todos querem mesmo é que eu dê um passo a frente. Que eu dance. Ou despenque. Então o que importa mesmo é o que eu vou calçar. "Por que não coloca aqueles sapatinhos azuis?"

Sorrio. Não. Haha. Sorrio. Os sapatinhos azuis são de salto baixo e eu não vou longe com eles. São sapatos de doente, para ficar em casa, para voltar para cama. Hoje é dia de festa, quero ir mais longe. Quero olhar do alto, dar esse passo, quero andar de salto. Pegue aqueles sapatos prateados. "Quais, aqueles?" Não, aqueles, prateados.

Não são mais. Olho bem. Não são mais. Em meus pés, a prata se foi, o brilho se foi, estão encardidos. Mas eu nunca os calcei, nunca aproveitei, nunca os vi refletindo, a luz sobre meus próprios olhos. É o tempo. O tempo os fez assim. Sem nunca tê-los usado, desbotaram. Os sapatos se cansaram, se cansaram de esperar por mim.

Vou usá-los mesmo assim.

****
Apesar de parecer com muita coisa que já escrevi, a idéia veio de uma música do Jacques Brel, cantada pelo Bowie, que estava ouvinvo dno final de semana, "My Death". Refrão:

But whatever lies behind the door
there’s nothing much to do
angel or devil, I don’t care
for in front of that door there’s you

08/06/2005

O EFEITO THOMAS SCHIMIDT

Ai, fui fazer a barba hoje e encontrei dos aparelhos de barbear na minha pia. Um deve ser do Thomas...
E final de semana passado saiu uma bela entrevista que Carlos Herculano, do jornal Estado de Minas fez comigo. Vai aí a última pergunta (e resposta):

EM: Como Santiago Nazarian vê a literatura?. É puro entretenimento, ou ela pode mudar alguma coisa?. Você escreve para que?

Literatura é uma paixão para mim. É uma forma de eu me sentir mais forte e menos só. Por isso escrevo e por isso continuarei escrevendo, mesmo que arranquem minhas duas mãos. Acho que, hoje em dia, ela não tem muito poder de mudar o mundo. Mas já mudou minha vida, e isso é o bastante. Agora devo ser fiel a ela e, quem sabe, aos poucos não vou mudando a vida de outras pessoas?

Hoje não tenho nada pra dar, volte amanhã.

05/06/2005

O HOMEM DE UM MILHÃO DE DEDOS

Acabo de voltar do mato. Da casa da minha mãe. Desta vez, por mais que tenha tentado, não consegui roubar nenhum livro. Mas ganhei de presente o "Contos de Horror do Século XIX", da Companhia das Letras. Por lá eu li o "Contos de Medo, Horror e Morte" da Nova Fronteira. Os dois livros foram lançados quase simultaneamente. O da Companhia é melhor, edição mais caprichada, traduções mais célebres, e uma seleção mais interessante, apesar do livro da Nova Fronteira ter alguns autores curiosos, como Machado de Assis e Kafka. Só não entendo por que a Companhia deu o nome de "Contos do Século XIX", se grande parte dos contos é do começo do século XX.

Ontem de noite fiquei ao pé da lareira, lendo (o irlandês) Sheridan le Fannu, ouvindo Liszt e o relógio da casa bater meia noite (sim, o relógio lá dá as badaladas, mas aqui em casa eu escuto o sino da igreja...). Tudo quase perfeito. O problema mesmo é só sair de madrugada para catar lenha e manter o fogo aceso (ops!). Um dia desses vou encontrar uma cobra no meio do caminho (ops!) e vai ser uma beleza...

Sheridan le Fannu criou grande parte do imaginário do vampirismo, para outro escritor tecnicamente superior aproveitar depois: Bram Stoker, (Quem falar de Anne Rice come toda a bosta dela...)

Lá eu vi também um DVD horroroso que eu mesmo aluguei: "Sonho de Amor", do Charles Vidor. É a história romanceada (e açucarada) da vida do (compositor húngaro) Franz Liszt.

Liszt é meu herói. Pianista ultra-virtuoso do século XIX, muito criticado por criar composições apenas com o intuito de demonstrar sua técnica absurda.

Ele fez transcrições para piano de peças sinfônicas de outros compositores, floreando ainda mais as passagens e dificultando a execução para outros pianistas. O poema sinfônico "Dança Macabra", do francês Camille Saint-Saens, por exemplo, torna-se quase cômico na versão do Liszt, de tão rebuscado.


Parêntese: Eu ouvia muito "Dança Macabra" quando eu era uma criança já despertada pelo espírito gótico, hehe. Meu pai tocou para mim e me explicou que se tratava de uma peça de horror, com caveiras dançando no cemitério, coisa assim. Quer coisa melhor para fazer uma criança ouvir música clássica?

Inclusive, tenho uma gravura enorme aqui na minha sala, da autoria do meu pai (o artista plástico Guilherme de Faria), que provavelmente foi inspirada nessa música também. É o retrato de um caveira cavalgando num mar de corpos. Ela é descrita numa passagem de "Feriado de Mim Mesmo":

"Ele mesmo escolhera aqueles quadros. O quadro da morte. A morte cavalgava. Às vezes se cansava. Às vezes se lamentava, mas era sua própria vida."

('Página 107, como o número do meu apartamento de Porto Alegre, que é descrito no livro, veja só. Não era a Lyvia, de Goiânia, que queria saber de onde vieram as coisas...) Fecha parêntese.

Voltando ao filme, é uma merda. Liszt é interpretado pelo Dirk Bogarde. Pô, aquele cara só pode interpretar um compositor decadente, como no "Morte em Veneza". Como colocam ele na pele de um virtuoso? Além disso, ele não tem cabelo. O cabelo no Liszt é fundamental! hehe. Ele usou a vida inteira o cabelo comprido. Inclusive tenho uma biografia dele, escrita por um tal de Zsolt Harsanyi, com um trecho ótimo sobre o "nascimento do cabelo em Liszt". A mãe dele diz:

- Quando é que te resolverás a cortar o cabelo?
- Não o cortarei mais. Pelo contrário, vou deixá-lo crescer até que caia sobre os ombros. Como os cavaleiros da Renascença.
- Cabelo comprido? Então meu filho que transformar-se num palhaço?


Foram feitas várias caricaturas de Liszt tocando; seu cabelo como uma peça fundamental na "composição do personagem", ele balançando a cabeleira de um lado para o outro, uma coisa linda. hehe.

Mas não é só o cabelo que falta no filme, é tudo uma afetação só. Liszt é retratado como um homem frívolo, ignorante, egoísta e vaidoso ao extremo. Ele tinha alguns desses aspectos, mas era extremamente generoso com outros artistas, tendo revelado vários compositores, como Chopin e Wagner.

O filme tem uma passagem divertida, com Liszt tocando suas composições no piano (com a mão levinha...) e acordando seu filho, que começa a chorar. Daí ele passa a tocar um noturno de Chopin e o bebê volta a dormir. Mas, no geral, o filme é chato, tolo, com personagens mal construídos, que trocam de personalidade de uma hora para outra... Ah, não presta.

Tenho três biografias do Liszt. Aquela mais conhecida, do Derek Watson, uma ilustrada, de Bryce Morrison, e uma romanceada, do Harsanyi (de onde tirei o "trecho do cabelo"). O texto dessa última é ótimo, não só como informação, mas também como literatura. Narra desde a infância de menino prodígio do Liszt até o final da vida, tudo de forma envolvente (obviamente muitas liberdades devem ter sido tomadas à fidelidade dos fatos). Existem várias passagens que ajudam a criar uma concepção de quem era o Liszt, de como ele pensava e trabalhava.

"Pela primeira vez na vida, via o menino aquele pequeno obelisco isócrono [o metrônomo]. Agora, esse instrumento hostil e cruel ali estava, em cima do piano, vigiando-o severamente, afim de que ele não se satisfizesse com o que tocava. Bastar nascer nele o desejo de retardar o ritmo antes de iniciar uma passagem complicada, para melhor gozar da surpresa que nela se ocultava, o metrônomo o chamava à ordem com tanta crueldade, que chegava a parecer-lhe perversa. E, por outro lado, refreava-o com a mesma crueldade, quando em determinado ponto queria acelerar o ritmo a fim de gozar com a velocidade dos seus dedos. O próprio [professor] Czerny também parecia um metrônomo."
Que é isso, que ritenuto é esse?
Assim é mais bonito.
- Assim não é mais bonito. Só pode ser belo o que é regular e completo.


Ahhhhhhhhhh... que menino lindo...

Bom, chega de Liszt, vou ouvir Kylie Minogue. haha.

(ei, descobri este final de semana que Carson McCullers é mulher!)

03/06/2005

CHEGA!

Me mantive quieto até agora. Mas chegou a hora de eu me manifestar.

Acho um absurdo o que estão dizendo do Michael. Ele sempre foi uma pessoa super correta comigo. Nunca me forçou a nada. Me deu vários conselhos preciosos. Inclusive, vamos ao mesmo cabelereiro.

Deixem MJ em paz!

Pronto, agora me sinto mais leve.

02/06/2005

SUCO DE CÉREBRO

Já viu "Old Boy"? Fui assistir só ontem. É um filme interessante, forte, denso, ainda que bastante kitsch, fetichista, pop, folhetinesco. Tudo o que "Kill Bill" queria ser. Mas eu não gosto do Tarantino.

"Old Boy" é do coreano Park Chan-Wook. História de um cara que passa 15 anos preso sem saber o porquê. E depois que é solto, luta por vingança. O filme tem umas duas horas, mas parece muito mais. Tem um pouco estrutura de novela, com várias revelações surpreendentes que vão se desdobrando. A montagem também é bem interesante, a fotografia, edição, um ritmo moderníssimo. Não tem nada a ver com esses outros filmes de luta, tipo "Clã das Adagas", é mais urbano e nada épico. Alguns tratamentos lembram esses filmes pseudo-snuff, como "Saw", "Seven" e "Hannibal". Talvez pelo aspecto fetichista.

Mas o filme já está se apagando da minha mente. Hoje em dia está sendo assim. Eu vejo um filme e uma semana depois já não lembro mais dele. Também é assim com livros, com pessoas que conheço. Outro dia uma grande amiga ligou aqui em casa, falou o nome e eu não tinha idéia de quem era. Minha memória está um caco. E eu nem fumo maconha. Será que meu HD chegou à capacidade máxima?

"É preciso perder alguns neurônios para que os neurônios sobreviventes se esforcem mais. Esquecer os nomes dos pais, para recitar poetas franceses. Contanto que eu não perca minha censura, tudo o que eu me lembrar pode ser usado a meu favor."

Sabe de onde é isso? Do meu QUARTO romance. Já está pronto. Não prontíssimo, mas pronto. Já mandei a primeira versão para registro. Daqui a alguns meses, pego de novo, dou uma relida, mudo algumas coisas que ainda não me satisfazem (como o final) e começo a pensar numa publicação. Mas pretendo lançá-lo só no final de 2006, começo de 2007, nunca antes. É preciso dar um respiro maior agora. Deixar um pouco de lado meus planos de imortalidade para me concentrar na sobrevivência do dia-a-dia. Você sabe, comer, beber, respirar...

Falando em comer, tem alguns trabalhos interessantes surgindo aí. Espero que rolem. Já estou traduzindo um filme, coisa que adoro fazer. Sempre aprendo muito com tradução. A tradução do livro "Quando Eu Era o Tal" (que está para sair, pela Planeta), por exemplo, me acrescentou muitíssimo. Talvez tenha sido o trabalho que mais me acrescentou literariamente, mesmo que o livro não seja uma obra prima. Ele me obrigou a me aprofundar na obra dos beats, pesquisar muito da cultura americana em geral. Algo que eu nunca faria se não fosse por trabalho.

Tô lendo "O Coração É um Caçador Solitário", do Carson McCullers, e estou gostando bastante.

Nesse final de semana vou pra casa da minha mãe... no campo. É um bom retiro, com livros, lareira, cachorros e... c h o c o l a t e.

01/06/2005

NÃO ALIMENTE OS ANIMAIS

Muitas pessoas têm me dito que procuram "Feriado" por aí e não encontram. Pois é. Editora grande. Devia ter uma boa distribuição. Mas existem alguns problemas de posicionamento que pegam. Já briguei muito, inclusive pela falta do livro na Bienal, nos lançamentos, etc. De qualquer forma, devo muito ao Rogério (editor) e à Débora (assessora), pessoal que luta por mim na editora e que tem grande participação no sucesso de "Feriado de Mim Mesmo". A segunda edição já está aí.

O que eu sugiro a quem me procura pedindo o livro é o mesmo que deve ser feito com todos os autores de editoras menores. Pedir, encomendar. As livrarias não conseguem manter estoque de tudo o que é lançado. Acabam só tendo os bestsellers, ou os livros que as boas editoras conseguem sustentar a venda. Todo o resto é feito por encomenda, embora as pessoas ainda tenham certo medo de encomendar... ou talvez elas prefiram já sair com o livro embaixo do braço a ter de esperar...

Eu detesto ter de esperar.

Também sempre é melhor encomendar o livro numa livraria, como Cultura, Vila, Lima Barreto, etc. Porque isso mantém o nome do livro circulando e os vendedores acabam pedindo mais, para manter em estoque. Mas meus três livros podem ser pedidos pelos sites Submarino, Saraiva, Livraria Cultura...

Parece que dia desses vou ter uma conversa com o pessoal da Cultura. Eles promovem isso, conversas entre autores e os funcionários. Acho ótimo. Porque existe uma distância muito grande entre quem produz e quem vende, que deveria ser diminuída. Os vendedores muitas vezes nem sabem quem são os novos autores, por mais que esses sejam comentados na mídia. O que me parece é que a "máquina de resenhas", as críticas em jornal e revista, acaba funcionando mais entre jornalistas e escritores do que entre leitores, vendedores e "gente real".

Eu já trabalhei em livraria (da Vila e do Meio), há muito tempo. Minha mãe também tem muita experiência nesse ramo. Foi bom para entender como funciona o outro lado.

Falando em livrarias, tenho uma conversa com o público marcada na Lima Barreto (em São Paulo, Vila Madalena), dia 21 de junho, 19h. Vai ser uma boa oportunidade para encontrar o pessoal daqui que tem me escrito. Mais perto eu aviso de novo.

Falando no pessoal que tem me escrito, agradeço ao carinho de gente como o Lu Gastão, que eu ainda nem conheço pessoalmente, mas sempre torce por mim, promove meus livros e que inclusive me deu indicação de trabalhos. Tem também a Renata Miloni, o Saint-Clair, a Carla... Se eu fiz este blog foi para isso, para promover meus livros e manter um canal com meus leitores. É o melhor que posso fazer por quem quer me conhecer melhor. Não sou muito bom ao vivo. Procuro sempre responder a quem me escreve, mas as vezes não sei o que dizer. Não sou um popstar. Não sou uma ótima pessoa. Só tenho confiança mesmo no que eu escrevo... nos livros (porque no blog muitas vezes escorrego). E não quero ficar mantendo pose de que está tudo bem, de que minha vida é só programas de TV e resenhas. Mas também não posso fingir que tudo é uma grande depressão...

Eu tenho orgulho do que conquistei, gratidão por muitas pessoas e vários, vários, vários receios.

Ai, ai, estou ficando sentimental. Deve ser "Antony & the Johnsons" tocando aqui. São 4:20am.

Ontem arrumei um trabalhinho pequeno, de alguns dias, pouca grana, mas que eu adoro fazer. Tradução de um filme. Vamos ver se surgem outros por aí.

NESTE SÁBADO!