28/02/2010

LONGA VIDA ENTRE LIVROS

Com José Mindlin (1914-2010)

Faleceu neste domingo o queridíssimo José Mindlin, empresário e bibliófilo, que formou a maior coleção particular de livros raros do Brasil. Estava com 95 anos, e há mais de um mês internado, com uma série de problemas decorrentes da idade.

Mindlin foi patrão e amigo de muitos anos de minha mãe, que trabalhou na biblioteca dele até 2008. Comigo, sempre foi muito carinhoso, atencioso e prestigiou quase todas minhas noites de autógrafo aqui em São Paulo.

Em 2007 fiz um longo perfil dele para a revista Joyce Pascowitch (que inclusive já reproduzi aqui.) Aproveito então para colocar de novo, como uma homenagem.


UMA SELVA DE PRATELEIRAS

Confesso, na primeira vez em que estive na biblioteca de José Mindlin, há uns sete anos, minha vontade foi de abrir todas as gaiolas e deixar os pássaros voarem livres pela vizinhança. Ok, talvez nem todos fossem pássaros, talvez algumas jaulas guardassem tigres, rinocerontes, quem sabe tiranossauros rex? Que engolissem os vizinhos então, animais só se justificam em liberdade. Como eu poderia entender a vida selvagem observando-a num zoológico?


No prêmio fundação Conrado Wessel (2003), que me revelou, com Tânia Franco Carvalhal e Beatriz Resende.


Mas estamos falando de livros. E de uma biblioteca. A maior biblioteca particular de livros raros do Brasil. E a alegoria não é tão descabida quando percebemos que a fauna da literatura nativa vem, cada vez mais, sendo impiedosamente assassinada para dar lugar a bestsellers (ou melhor, pastos para criação de gado). Eu mesmo sempre achei que os livros deveriam estar nas ruas, no metrô, na vida das pessoas, e não catalogados como espécies raras numa biblioteca. Entretanto, esse é um pensamento restrito, de quem acredita que o zoológico existe para tirar o animal da selva. Observando com um pouco mais de cuidado, percebemos que o papel é outro: proteger a criação, preservar as origens, e contribuir com a reprodução dessas espécies raras. Como fazem as melhores bibliotecas.


Isso só percebi ao me aprofundar um pouco mais no universo, no trabalho e nas paixões de José Mindlin. “Todo livro que se procura e não consegue se encontrar é raro”, coloca ele em seu segundo livro de memórias Uma Vida Entre Livros (Edusp-Cia das Letras, 1998). Sua biblioteca não representa, de forma alguma, a reta final de obras que foram esquecidas ou fossilizadas, mas sim um local onde, exatamente por serem procuradas, essas obras ganham um novo status. Ela cumpre um papel de resgate e revitalização, para que o livro possa ser preservado, lembrado, lido. Podemos observar isso facilmente dando uma rápida olhada em suas prateleiras, que guardam não apenas livros há muito fora de catálogo, mas também versões preciosas de obras obrigatórias, como Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa, e Vidas Secas, de Graciliano Ramos, ambos em originais datilografados e corrigidos a mão pelos autores.


Mas como obras iguais a essas vieram despertar o interesse de um industrial filho de judeus russos?


Num lançamento de Elisa Nazarian, minha mãe.

Observando a longa história desse homem de 92 anos é possível entender: ele nunca foi um industrial apaixonado por livros – como ele mesmo ressalta - foi sempre um bibliófilo que, em certo momento da vida, atuou na indústria.


Sua convivência com os livros, inclusive, começou bem antes de suas atividades profissionais. Em sua família, sempre se deu valor à leitura, embora as artes plásticas fossem a maior paixão de seu pai. Mindlin acredita ter herdado esse gosto pelas artes, mas com foco nos livros: é um grande admirador do aspecto visual e gráfico das publicações, admiração essa que direciona parte das escolhas de sua coleção.


Entre suas obras raras só em raras exceções adquiriu exemplares em mau estado, e esses foram restaurados por sua esposa e grande companheira, Guita Mindlin, falecida em junho do ano passado, após 68 anos de casamento.


Apesar de suas origens judaico-russas, José Mindlin nunca teve um interesse específico por esse tipo literatura. “Eu li os bons autores russos – como Tchekov – não por serem russos, mas por serem bons”. Afinal, nascido e criado aqui, nada mais natural que ele quisesse se aprofundar na pátria que seus pais lhe ofereceram.


Uma grande influência em suas primeiras leituras foi o seu irmão mais velho, Henrique. “Com doze anos eu lia os livros que ele lia com dezesseis, então me tornei um leitor precoce”. Tão precoce que, aos treze anos, começava sua coleção de livros raros adquirindo sua “moedinha número um”, o livro Discurso Sobre a História Universal de Jacob Benigno Bossuet, em edição portuguesa de 1740. Começava aí uma paixão que duraria a vida toda.


Pelo fato de ter se interessado desde cedo por livros, pergunto se ele não era um daqueles garotos introvertidos, isolados, que é caçoado pelos colegas. Ele nega. “Sempre fui muito falador, tinha amigos.” - Mas e quanto às piadas, os garotos não tiravam sarro por seu hábito de colecionar livros? “Bem, isso foi a vida inteira. Até hoje. As pessoas sempre tiram sarro de quem dá tanto valor à leitura”, relembra. Observa, inclusive, como coleções de pintura e obras de arte em geral sempre tiveram mais status do que as bibliotecas. Talvez por isso sua atividade como industrial da Metal Leve tenha parecido algumas vezes mais significativa do que a de bibliófilo.


José Mindlin se formou na Faculde de Direito do Largo de São Francisco na década de 30. Afirma ter aprendido mais literatura do que Direito na faculdade. “Eu me sentava no fundo da classe para ler literatura durante as aulas. Em casa, eu lia as apostilas do curso.” Na faculdade, conheceu também uma outra grande paixão, sua mulher Guita, com quem se casou ainda durante o curso.


Além de advogar, trabalhou como repórter de O Estado de S. Paulo (em 1930, ainda antes da faculdade) e em 1950 fundou, em parceria com colegas, a Metal Leve, pioneira fábrica de pistões. Destacou-se ainda como editor - ajudando a divulgar obras importantes e, em alguns casos, quase esquecidas - Secretário de Cultura de São Paulo e, obviamente, escritor .


Hoje, tem em sua biblioteca cerca de 35 mil títulos, que somam mais de 60 mil volumes (pois muito dos títulos são encontrados em diversas edições, como no caso de Os Lusíadas, de Luis de Camões, cujos diferentes volumes ocupam uma estante inteira). Desses, acredita por sua última estimativa, já ter lido em torno de 8 mil, e que levaria cerca de 300 anos para ler toda a sua biblioteca. “Existe sempre a ilusão de que se vai conseguir ler mais do que na realidade se consegue. Depois vem o desejo de se ter à mão o maior número possível de obras de um autor de quem se gosta.” – explica ele em seu livro de memórias.


Obviamente, sendo um bibliófilo há quase oitenta anos, há décadas escuta que “o livro vai desaparecer”, que vai ser substituído por outras artes ou versões digitais, mas não acredita nisso. “Ao menos, não no quadro que existe hoje. Ainda não existe nada para substituir o livro.” Pelo contrário, ele acredita que as novas tecnologias de publicação ajudam a tornar o livro mais bonito e mais barato. A tecnologia vem a serviço do livro. Ressalta que, hoje em dia, as edições brasileiras são mais caprichadas, mais bonitas do que há cem, cinqüenta anos. “O livro bonito não é necessariamente mais caro que o livro feio, e ajuda a vender” – relembra Mindlin, que aponta que esse pensamento só começou a ser adotado no Brasil à partir da década de 50, quando se retomou um cuidado com o aspecto gráfico do livro.


Mas se é otimista em relação ao presente e futuro do livro impresso, é mais crítico quanto ao futuro das livrarias. Percebe o fim das livrarias menores, mais íntimas, onde se conheciam os livreiros e esses realmente sabiam o que estavam vendendo. Essas lojas pouco a pouco vão sendo engolidas por grandes redes. “Mas isso não acontece só com as livrarias”, aponta. “É o mesmo com pequenas vendas que entregavam em casa e marcavam as contas de seus fregueses, e hoje são substituídas por redes de hipermercados.”

E quanto aos bons escritores, esses pássaros raros que cantam em gaiolas cada vez menores? Eles seriam preservados pelo tempo?


Na biblioteca dele.


Em 2004, num debate sobre literatura no Itaú Cultural, o escritor Ignácio de Loyola Brandão respondendo à pergunta sobre “Quais são os bons escritores que estão surgindo hoje” soltou a velha máxima: “O futuro é que dirá. Os bons ficarão”, o que me fez contestar, na ocasião. Agora tenho a oportunidade de inverter a pergunta ao maior colecionador de livros raros do Brasil. Os bons ficam realmente? No seu garimpo por livros raros, não são descobertos muitos ótimos autores que hoje estão esquecidos? Mindlin assente, e explica que muitos ótimos autores não são reeditados por razões comerciais, porque não vendem, acabam sendo esquecidos. Outros por motivos pessoais, por não formarem boas relações no meio editorial, acabam gerando dificuldades em continuar publicando. Se os maus tendem a desaparecer, também não se pode garantir a sobrevida dos bons.


Então este é um pouco do papel de sua biblioteca e do que toda boa biblioteca deve ter. A preservação da memória. Pensando nisso, sua Brasiliana (livros sobre assuntos brasileiros) foi doada para a USP e será transferida para lá em dois anos. Assim ele assegura a continuidade de seu legado.


O próprio José Mindlin também já tem sua imortalidade assegurada. Em maio do ano passado, convidado sem campanha numa quase unanimidade, foi eleito Imortal da Academia Brasileira de Letras.


E como autor? - Mindlin publicou dois belos volumes contando sua história de vida e sua relação com os livros, registrando também a história por detrás de sua biblioteca. - Como autor, desejaria que suas obras permanecessem acessíveis por anos a fio ou desejaria que se tornassem elas próprias obras raras, cobiçadas por colecionadores?


“As duas coisas. Quero que estejam sempre disponíveis em edições atuais” (holográficas, brinco eu )“mas que sua primeira edição seja cobiçada como uma obra rara” – sorri.

Eu, como ave tropical, também não poderia querer outra coisa.

21/02/2010

CRUZANDO A ÚLTIMA FRONTEIRA...

Outro dia... (foto de Andréa Del Fuego).


Moro sozinho. Saio sozinho. Tenho voltado sozinho por preguiça dos outros e medo de que eles não vão embora no exato momento que eu deseje ficar sozinho. Não gosto de receber visitas. Não chamo os amigos. Prefiro ir ao cinema sozinho, para não ter de prolongar o programa além do tempo da sessão. Mas, até hoje, nunca gostei de me sentar sozinho num restaurante.

Eu acordo tarde. Perto do meio dia. Me sento para trabalhar tomando café, coca-cola, café, não estou pronto para almoço na mesma hora que você. 14h é cedo. 15h é cedo. 16h já dá pra pensar, mas nesse horário você já comeu – tem meu desprezo, é um ser humano fraco, cedeu cedo à fome, não merece meu respeito.

Todo final de semana é a mesma coisa, não tenho com quem almoçar. Quero escrever, quero caminhar, aproveitar o sol – te desprezo; você que cedeu à fome tão cedo não merece o meu respeito.

E quero almoçar fora. Quero bolinho de arroz. Hoje não quero cozinhar para mim mesmo ou comer num fast food – quero ser servido e posso pagar. Penso em chamar um michê de confeitaria, uma companhia ornamental, para eu não ser flagrado abandonado, sem ninguém para ser feliz comigo, mastigando em companhia. Penso que é exatamente o contrário daquele antigo conto popular português: da mulher que se casa, mas nunca se deixa ver mastigando pelo marido – existe alguma denominação clínica para isso? Como Egogastrofobia?

Não me importo em ser visto mastigando sozinho.

O medo é a espera, essa é a fobia. Ficar lendo e relendo o cardápio, enquanto a comida não chega. Nada para ocupar as mãos, e os lábios. Aquela felicidade intensa, todo mundo acompanhado. Não quero ler os outros fregueses. Não quero ser observado. (Não olhe pra mim!) Mas penso que basta um livro, algo para ler, eu consigo. Posso levar algo para ler comigo, e nunca levantar os olhos das páginas, nunca levantar os olhos do prato. Posso levar um livro comigo até o restaurante e ficar o tempo todo de cabeça baixa. Eu consigo.

Preciso aprender a comer fora sozinho. Se quero ser independente, preciso aprender a comer fora sozinho. Se quero fazer meus próprios horários, se quero continuar no meu ritmo, se gosto de viajar sozinho e, principalmente, se estou planejando morar numa cidade onde não conheço ninguém, preciso aprender a comer fora sozinho.

Só preciso de um livro...

Então hoje vou almoçar fora. Hoje eu não preciso de você. Mas preciso escolher bem o livro – tenho medo de ser visto em público, exposto em meus desejos. Essas bizarrices de queer horror podem me provocar uma ereção em público. Podem melar meus guardanapos, entornar meu ketchup. Nenhuma capa muito reveladora, nenhum título flagrante ou previsível. Penso que talvez fosse melhor levar o notebook para escrever. Mas acho pretensioso. E não quero engordurar minhas teclas com bolinho de arroz. Preciso escolher bem.

A leitura perfeita é um original em papel almaço. Leitura para parecer. Adianto um trabalho e ainda não exponho meus desejos, não me exponho no lazer. Não fui eu que escolhi. Estou aqui trabalhando. Estou realizando uma tarefa muito importante. Folhas soltas de sulfite e uma caneta na mão. Não preciso de você. Não levanto os olhos. Não me preocupo em engordurar as pontas das páginas com tabasco e fritura. E não bebo. Beber sozinho seria um pouco decadente. Não preciso, estou trabalhando. Viro de uma vez um suco de melancia. Viro uma água. Viro um suco de laranja. Ainda bem que os garçons não me apetecem – não se pagam mais os salários de antigamente...

A comida chega mais rápido do que eu esperava. Não consigo terminar nem um capítulo antes de o prato começar a esfriar. Fácil e indolor. Pedi a carne enfaticamente mal passada – deve ser por isso; pensava que podia me sublinhar uma certa aura vampírica; alguém percebeu? Levanto os olhos rapidamente enquanto mastigo.

“I could eat my dinner in a fancy restaurant...” Sinéad O’Connor está cantando. Mentira. Toca Madonna. Que pena. Já estou formulando as frases de registro para colocar neste post. Queria tirar uma foto. Não vou tirar uma foto. Lembro daquela foto que a Andréa tirou, acho que pode ilustrar bem este post. Viver para escrever. A música que toca não me diz nada.

Termino o almoço. Rápido e fácil. Razoavelmente barato e indolor. Queria prolongar a minha dor. Queria ter mais o que escrever. Mas foi só um almoço...

Isso só me assegura de que não devo desistir de fazer pareceres. Não posso perder a segurança desse escudo de papel almaço. Gostaria também de usar óculos, óculos de leitura, só nessas horas.... E seria bom fones de ouvido – mesmo desligados – da próxima vez, não posso esquecer.

Mas haverá uma próxima vez, cruzei esta fronteira. Adoro comer fora sozinho. Não preciso de você.

...

17/02/2010

ULTRA QUEER


Eu, na terça de carnaval.


Foi um carnaval razoavelmente low-profile. Fui para a casa de campo dos Nazarian, fui ao cinema, recebi amigos em casa, dormi horrores, mas ainda consegui me jogar na noite paulistana e queimar uns neurônios que estavam sobrando...

Agora não consigo mais recitar "A Balado do Cárcere de Reading" de cor.

Assisti ao "Lobisomem," filme com Benicio Del Toro, no papel título, e Anthony Hopkins... também no papel título. Uma merda. Para começar, o visual do lobisomem é meio... tosco. quiseram fazer aquela coisa antiga - homem peludo com focinho - que hoje em dia me parece meio ridícula. E o filme é todo antigo, todo antigo. Tudo bem, é uma refilmagem, e poderia ser legal resgatar essa atmosfera "clássica" de filmes de terror, mas o resultado final é que o filme não tem nada, nada de novo, nada de espetacular, assustador, instigante, nem a transformação, nem os desdobramentos. E parece que os roteiristas não fazem idéia de como se dão as fases da lua. Toda noite é lua cheia, mas quando o personagem é preso pára de ser, um ciclo lunar sem lógica alguma. Eu diria até que aquele filme de lobisomem com o Jack Nicholson é melhor - pelo menos explora mais as mudanças internas que o homem passa quando contrai "a maldição".


Falando em maldição, infelizmente chegou só aqui na quarta em casa uma pilha de livros que encomendei da Amazon (infelizmente porque já chegaram também novos livrinhos para eu ler profissionalmente). Tudo coisa queer de primeira (e quinta) categoria.


Para começar, tem o novo (não tão novo assim) livro de contos do Dennis Cooper - Ugly Man. Cooper é dos meus autores favoritos - coisa gay das mais hardcore: um mundo de drogas, estupro, pedofilia, necrofilia, tortura, snuff e assassinato. E é um grande escritor. Os "sensíveis" podem experimentar God Jr. romance anterior dele, não-gay, e relativamente suave (embora entre numa viagem paranóica igualmente perturbadora) que talvez seja o melhor livro dele, embora nada consiga superar o impacto de Frisk, o primeiro que eu li. Infelizmente, nada dele foi publicado em português, no Brasil. E seria difícil recomendar para alguma editora.

Cooper tem um livro anterior de contos, Wrong, que eu não gostei. Achei tolinho. Mas foi escrito há quase vinte anos. Ele deve ter aprendido novos truques...



E procurando um novo Dennis Cooper encomendei também os dois volumes de Queer Fear, antologia de contos de terror gays. Eu espero, torço, rezo para que não sejam histórias de vampirinhos afeminados a lá Anne Rice. Ao menos eu sei que entre os contos está Bug Crush, de Scott Treleaven, que gerou o curta homônimo (de Carter Smith, que dirigiu o longa Ruins), e que é das coisas mais creepy que já vi na vida, apenas pelo clima maravilhoso.

Sexy!


Outro autor gay metido com horror é Clive Barker (que agora escreve livros infantis de fantasia). Sua obra tem carga forte de sadomasoquismo, como o filme Hellraiser, baseado em seu romance, The Hellbound Heart, e dirigido por ele mesmo. O filme é meio trash, mas é bacana, o livro é péeeeeeessimo, parece um roteiro de R$1,99. Mas Barker tem seus momentos. Seu volume de contos Books of Blood - que eu encomendei na Amazon há alguns anos - tem coisas bem legais, como "Pig Blood Blues", "Dread" e "Scape-goats."

Desta vez encomendei os três volumes de quadrinhos "Hellraiser" (sim, que são melhores do que o filme e melhores do que o livro). Tenho alguns dos números que foram lançados no Brasil, mas queria completar a coleção.

Também encomendei outros romances gays mais fofinhos (é, foi uma encomenda volumosa) e uma nova biografia do Suede.

Vendo o tipo de coisa que encomendo pela Amazon, não me surpreenderia se eles tivessem passado meu cadastro pro FBI...




Até já escrevi umas resenhas por lá (há aaaaaaaaanos, tenho medo de ver meu inglês). No final dos anos 90, um professor de Miami entrou em contato comigo - provavelmente percebendo que eu não entedia nada de literatura e nada de inglês - e começou a me mandar livros de "queer fiction." Coisas suaves, de bom gosto, mas que gerou ao menos uma leitura inesquecível, The Man Who Fell in Love with the Moon, uma espécie de faroeste gay narrado por um índio!


Hum, bem "Dog Man Star" essa capa, hein?


Outro favorito meu de literatura queer daquela época é o Matthew Stadler, que eu cheguei a conhecer pessoalmente na Livraria da Vila (onde eu já trabalhei de vendedor) quando ele veio lançar O Agressor Sexual por aqui (traduzido pelo Daniel Piza e lançado pela Geração). Chegamos a ficar em contato por email e ele me mandou seu romance Allan Stein, lá por 1999. Eu gostei bem, mas não leio nada dele há uns dez anos, preciso rever...




Aqui no Brasil, com um mercado bem mais restrito, é difícil encontrar literatura gay de peso (em todos os sentidos). Mas temos um ótimo representante hard em Glauco Mattoso (que me mandou seus dois livros mais recentes há alguns meses e estão entre os próximos da fila).

O joveníssimo Hugo Guimarães é alguém que também vale a pena acompanhar, ele tem um volume de poemas chamado Poesia gay Underground, tem pegada e prepara um livro de contos.

Falando em contos... você deve se perguntar sobre a antologia de contos gays que eu estava organizando há anos com o Marcelino... Bem, a coisa deu uma brochada depois que o "respeitável" sr. Ruffato decidiu lançar uma antologia com o mesmo tema, alguns meses depois de eu conversar com ele sobre essa idéia (até hoje não entendi por que na ocasião ele não me falou que estava com a mesma idéia, sabe? Então me dou o direito de continuar achando que ele é um mau-caráter da pior estirpe). Bem, você pode procurar a antologia do Ruffato, mas é uma bosta. Nah, ok, não é uma bosta, mas é preguiçosa, previsível, caretíssima, sem nenhuma surpresa. Tipo: Caio Fernando Abreu? - "Sargento Garcia." João do Rio? - "Histórias de Gente Alegre." Machado de Assis? -"Pílades e Orestes" Ele passou pela lista de contos que eu e o Marcelino vimos e falamos "esse é previsivel demais", e ficou por lá. Agora que já se passou algum tempo, talvez nós ressuscitemos nossa idéia da antologia. Vai ser bem melhor.



E... só falta me perguntar quando EU lançarei um livro objetivamente gay. Não sei. Todos meus livros tem pitadas, não é? Coadjuvantes, insinuações... É um tema que me interessa, claro, mas não é um tema que me "perturba", por isso talvez não esteja tão presente. Mas meu livro de contos por enquanto está 60% gay... se é que podemos avaliar assim. E bizarro, como sempre. Tem até a linda história de amor de um menino e um guepardo...


"O guepardo continuava olhando para mim. O guepardo continuava me olhando com aquele olhar de guepardo. Você sabe como olha um guepardo? Com aquele olhar desconsolado. Como se te jantar fosse um destino inevitável. Como se chorasse a carnificina que há em sua sina. Algo como lágrimas de crocodilo. Por isso seus olhos pintados. Nada de crueldade. Nada de sadismo. Te como com lagrimas nos olhos, lhe diria."

(agora chega que estou neste post há horas!)

10/02/2010

MOVIDO A GASOLINA


Atropelando os garotos malditos.

WOA! Saiu hoje o resultado do Programa Petrobrás Cultural 2008/2009, que patrocina projetos de cinema, literatura e tudo mais.


GAROTOS MALDITOS - meu romance juvenil - foi um dos contemplados. É uma bela grana para escrever, que vai vir bem a calhar, porque eu ainda estava quebrando a cabeça para ver como iria conseguir terminar de escrever dois livros este ano com o ritmo insano de traduções que tenho seguido para pagar as contas e mais as mudanças de vida que estão por vir...


Eu já havia concorrrido uma vez ao Programa (com outro projeto) e não ganhei. Agora foi. Lindo ver que os queridos Adrienne Myrtes, Andrea Del Fuego, Paulo Scott, Veronica Stigger e Simone Campos (entre outros) estão lá também.

Além da grana, tem o prestígio, e fico especialmente feliz de ter esse reconhecimento oficial, num livro que começa assim:

"Do meio das árvores secas da floresta escura, emergiu o maníaco com a máscara de pele humana. Motosserra em mãos, desceu-a entre as pernas do pobre paraplégico, cortando-o ao meio, assim como à sua cadeira de rodas. Não teve nem chance. A menina que estava com ele pôs-se a correr pela floresta, gritando feito bocó, como se alguém pudesse ajudá-la naquele fim de mundo. Eu fiquei lá, vendo tudo, paralisado. Só quando ouvi um pigarro vindo do canto é que reparei que minha mãe estava na porta do quarto."


Isso. É um livro recheado de referências a filmes de terror, para moleques freaks, como eu fui. Coisa deliciosa de se escrever. E é bom para os freaks verem que nós estamos no poder!


Ah... nem tanto assim...

(By the way, não sei se "Feriado de Mim Mesmo", o filme, concorria também numa categoria de cinema. Eu não era o proponente, mas bem que seria beneficiado. Se estava, não rolou. Não se pode ganhar todas. Minha história no cinema está bem atolada...)

Aliás, dia desses minha agente Nicole falava das dificuldades de vender meus livros lá fora -"Sua literatura não é mainstream" - e eu voltava para a óbvia realidade. Minha literatura não é mainstream. Por mais que eu publique por editoras grandes e tenha espaço na mídia, minha literatura não é mainstream. Não é conhecida por um décimo que conhece a mulher melancia, e não é reconhecida por um décimo que reconhece Milton Hatoum. Não sou um escritor importante.


Mas who cares? Sempre preferi Caio Fernando Abreu a Machado de Assis; Suede aos Beatles; Antonio Cícero a Chico Buarque. Não quero ser o maior, quero ser diferente. E talvez o que eu tenha a dizer só interesse a você.


Tenho meus leitores, tenho meu espaço, já representei o Brasil (!) como escritor várias vezes lá fora. Não consegui até colocar o livro de um jacaré de esgoto no PNBE?


É bom ver que do meu jeito, sem concessões, com toda a bizarrice deste jardim, pouco a pouco, ainda dá para chegar lá.

09/02/2010

MEU CARBURADOR NÃO FUNCIONA.

Vai lá e não ratazana!

Meu querido amigo-poeta Donizete Galvão me pediu para avisar da oficina literária que ele está coordenando na AIC. Boa oportunidade para você, que sempre me manda seus textos, receber direcionamento, comentários e discussões de profissionais.


Como Donizete é meu amigo, recusei o convite dele de ministrar, mas quem estará lá são especialistas de verdade como o grande Carrascoza, a musa Veronica Stigger, o onipresente Marcelino Freire e o próprio Donizete, entre outros.


Aí no flyer que tem todas as informações. Ou no: http://www.aicinema.com.br/

08/02/2010

DOENÇA...



(tem vários outros vídeos dele no Youtube)

05/02/2010

PERGUNTAS SEM RESPOSTA...



Comecei este blog em 2004, quando já tinha dois livros publicados. Nunca tinha feito um blog antes, tinha resistências, mas achei que era uma forma importante de comunicação com os leitores, divulgação de eventos, lançamentos, etc. E acho que estava certo. Além disso, tem servido bem como uma forma de registro pessoal, já que eu que nunca tive diário.


Outro dia estava revendo os arquivos, posts antigos, outros reveillons e outros carnavais. Fiquei feliz de ter esse registro, embora um tanto quanto envergonhado de muita coisa escrita lá...


Mas, ei, isso não é um post de despedida...



É só para responder mais umas daquelas incansáveis perguntas que caem todo dia na minha caixa de emails, twitter e orkut.



- Por que o blog não tem comentários?

Durante um tempo, o blog teve comentários. Mas conforme a coisa foi repercutindo, foram se multiplicando os visitantes frustrados, escritores não publicados, ou algum bangolino hiper-ativo qualquer que se dedicava diariamente a afundar o blog com ataques. Além disso, os comentários meigos não compensavam. Quando você permite comentários no blog, você incita comentários no blog. E as pessoas querem comentar tudo, perguntar tudo; se você escreve sobre um filme, recebe comentários do tipo "onde está passando?" e o povo espera demais de uma interatividade que você não tem tempo nem vontade de manter.


Então não tem comentários, não vai ter comentários, mas se você tem algo realmente significativo a comentar, pode me mandar por email.

- Por que você não responde aos emails?

Eu respondo. Mais sim do que não. Mas às vezes simplesmente não tenho o que responder (mesmo em mensagens fofinhas; só posso agradecer). Às vezes simplesmente esqueço. Outras, acho a mensagem meio sem noção. Muitas vezes é gente que vem com um elogio... para logo depois mandar um anexo com seus próprios textos ou link de um blog. (Eu não leio.) E muitas vezes são propostas indecentes. Bacana. Fico envaidecido. Sou homem. Faço sexo. Mas tenho certo pé atrás com leitores... Sabe como é, gente que lê geralmente não está em boa forma... E por email não tem como saber... Então melhor a gente esperar por um dia que nos encontremos ao vivo.

(Twitter eu não respondo, nem sei responder - não gosto de Twitter, não sigo ninguém. Só tenho porque acho importante ter, aprender a mexer, mas não gosto...)

- Não pode ler nem um continho meu?

Não.

- É pequeno...

Essa é a praga de qualquer escritor. Diariamente chovem textos e mais textos na nossa caixa de emails. Não leio. Não abro exceção. Ou melhor, abro exceções demais: textos de amigos, textos de colegas, texto que editoras pedem pra eu avaliar. Dos amigos eu não cobro, das editoras eu cobro. De quem eu não conheço, por que vou fazer de graça? Tenho pilhas e pilhas aqui de coisas que quero ler, reler, pesquisar. Ler faz parte do trabalho do escritor, e quanto mais você escreve, mais quer ler, mais surgem coisas para ler, mais recebe indicações, conexões, percebe que o poço não tem fundo.


Pra você tem uma idéia, tem meses que chego a ler DOZE livros para editoras, recebendo por cada um deles, isso dá praticamente um livro a cada dois dias.

Mas avisei no começo de dezembro que não ia ler NADA a trabalho até depois do carnaval, justamente para poder ler minhas coisas... E daí a Folha me pediu uma crítica de livro aqui, uma editora pede pra eu fazer outra orelha lá... E eu preciso da grana.. Nesses dois meses que só ia ler por prazer, li mais CINCO livros por trabalho (e uns outros cinco consegui ler por prazer). Então seu conto... não leio.


É triste, é frustrante, mas vai se acostumando que a vida é assim. Correr atrás de leitores é algo que você vai fazer a vida toda... Poderia ser mais fácil se não existisse TANTA GENTE SEM NOÇÃO escrevendo. É esse povo que gera essa pré-indisposição. Daí a gente fica esperando o cara estar publicado, consagrado, ou ao menos ter uma boa indicação de quem a gente conhece para arriscar a ler. Sim, ler originais é uma merda.

- Eu queria ler seus livros, mas sou pobre, sou favelado, meu pai nunca me levou ao circo...

O que você quer que eu faça? Reclama com seu pai!

- Não pode me DAR um livro?

Não.

Olha só... os autores não têm um estoque ilimitado de seus livros, não. Com exceção dos casos em que o autor paga pela publicação, nossa cota é pequena. Geralmente a editora manda 20 ou 30 livros para o autor (e distribui para a imprensa), esses livros vão rapidinho pra familia, amigos, contatos profissionais, e quando o autor precisa de mais livro ele geralmente COMPRA da editora (com desconto, mas compra). Acha estranho o autor comprar seu próprio livro? Pois é, mas faz sentido, porque a editora é que pagou pelo papel, pela impressão, diagramação, etc...

- Então onde eu posso BAIXAR?

Até onde eu sei, nenhum livro meu pode ser encontrado pra download. Eu não seria exatamente contra, mas também não poderia disponibilizar porque:

1) Eu estaria perdendo dinheiro de venda.
2) Estaria violando meu contrato com as editoras, que têm exclusividade de distribuir e comercializar.

Eu até acharia interessante o download, se refletisse realmente num maior número de leitores, maior divulgação, etc, mas não acredito que quem goste de ler baixe livros. Eu NUNCA baixei um livro, sério (e baixo música, filme...). Acho que o livro ainda é um objeto. E se você não gosta de livros... fique com o blog.

- Eu gosto, mas é caro...


É caro. E eu não tenho nada com isso. A editora é que decide o preço (e confesso que achei "O Prédio" salgado demaaaaaaaaais). Mas você gasta isso em cerveja fácil, que eu sei. Além do mais, eu me esforço para tornar o livro um objeto bonito, ilustrado... Tem coisas que você só extrai do livro em si, como objeto, quer ver?

Pegue "O Prédio, o Tédio e o Menino Cego" e jogue numa panela com dois litros d'água. Ferva e coe o caldo. O resultado é algo semelhante àquele chá de fita cassete, dá um puta barato. O efeito colateral é que você pode virar zumbi.

Viu?! Isso não se consegue no download!


- Então não posso comprar direto com você, autografado?

Não, por aquilo que já falei: minha cota é limitada e a editora é que tem exclusividade da venda. Eu vendi por um bom tempo "Olívio", meu primeiro, porque foi lançado por uma editora pequena, que nem me pagava mais direitos autorais, e fez esse acordo comigo. Mas agora não tenho mais.

- Tudo bem, fico só com o blog mesmo...

Eu sei. Apesar deste blog não ser um estrondo de audiência, acredito que muita gente que se diz meu leitor lê só o blog. Já me ressenti com isso, mas é bobagem. Meu tom nos livros é completamente diferente do tom do blog, claro, mas também cada livro meu é diferente do outro, e o blog acaba sendo só outra opção. Fiz o blog para levar aos livros, não faço questão de bombar de audiência aqui, não faço divulgação do blog em si, não participo de exposições ou coletâneas de blog, mas sei que ele tem essa parte cotidiana, pessoal, mais leve do que os livros que agrada a um público diferente. Então ok, se prefere o blog, para mim está bom. É tão filho meu quanto meninos andróginos, suicidas seriais ou jacarés de esgoto.

NESTE SÁBADO!