29/11/2011

"WE NEED TO TALK ABOUT KEVIN"


Matando hora num aeroporto, há algumas semanas, dava uma olhada nos títulos em inglês de uma livraria. Livraria de aeroporto é a mesma coisa no mundo todo - só bestsellers - mas me chamou a atenção a premissa de We Need To Talk About Kevin, da norte-americana Lionel Shriver.

O romance é um longo relato (ficcional) da mãe de um garoto que assassinou nove colegas de escola, à la Columbine. Analisando toda sua trajetória, desde antes da gravidez até o momento atual, em que visita regularmente o filho na cadeia, a narradora, Eva, tenta entender a tragédia, seu próprio filho e sua responsabilidade no caso.

Apesar da premissa apetitosa e do tom instigante da narrativa, achei o romance, bem, bem decepcionante. Primeiro porque desde o princípio a narradora apresenta Kevin como uma "criança do mal", um bebê que se recusa a mamar, uma criança que não ri e não se diverte, ou seja um personagem bastante irreal. Em nenhum momento ficamos enternecidos pelo personagem ou nos solidarizamos com seus problemas e temos alguma "aceitação" de como ele pode ter cometido um massacre. Isso, para mim, já fodeu com a graça do livro, que poderia nos dar "o outro lado" , e o aproximou de uma narrativa B.

O romance é estruturado em cartas de Eva para seu marido, como sugere o título - "precisamos conversar sobre o Kevin" - o que agrava o tom falso da narrativa. Eva narra demais, conta fatos desnecessários, partindo da premissa de que o "leitor-destinatário" é alguém que viveu aquilo com ela, que sabe de grande parte do que ela estava falando (por que, por exemplo, ela precisa descrever em detalhes para o próprio marido a casa em que eles moravam?). Além do mais, ela se lembra dos mínimos detalhes, de coisas que aconteceram há dez, vinte anos, antes de Kevin nascer. Era melhor que ela tivesse feito em forma de diário - em tempo real - do que em cartas pós-tragédia.

É algo que sempre me preocupou, por sinal, num livro, nos meus próprios livros, como a história foi parar ali, no papel. Se meu leitor observar com cuidado, vai perceber que nos meus cinco romances, mesmo naqueles que não são narrados em primeira pessoa, há uma história, ou um subtexto por trás, justificando como aquela narrativa foi parar no papel, como se transformou num livro, o livro em si materializado na narrativa (É Thomas Schimidt escrevendo a história de "Olívio"; Lorena encarnando num escritor; Miguel escrevendo sua versão dos fatos; o jacaré narrando sua história; e a histórias dos meninos do "Prédio" teria sido supostamente escrita por um "narrador travesti").

Atualmente, eu acho isso meio bobagem, acho meio desnecessário, a história pode estar no papel apenas como história (vide a maioria dos contos de Pornofantasma) mas se o autor - como no caso do livro de Lionel Shriver - cria uma premissa para justificar a existência do livro (no caso, cartas), deve ser verdadeiro nesta premissa.

Apesar de tudo, li as quase quinhentas páginas de We Need to Talk About Kevin, e o livro não deixa de ser divertido. Um bom bestseller de aeroporto, talvez, mas não justifica os prêmios recebidos pela autora (como o "Orange", em 2005).

Pesquisando por esses dias, vi que o livro já foi lançado há algum tempo no Brasil, pela Intrinseca. E agora está para estrear a adaptação para o cinema, estrelando a magnífica Tilda Swinton. Algo me diz que será um daqueles casos em que o filme é melhor do que o livro.

Confira o trailer:


25/11/2011

"MEU REFRIGERADOR NÃO FUNCIONA"

De um lado o cemitério; do outro, o mar; no meio, uma ciclovia; não poderia haver no mundo uma síntese melhor da minha personalidade.

Hoje eu acordei, tomei café, respondi a uma caralhada de emails, trabalhei numa tradução, fui à academia, almocei, fui ao supermercado, trabalhei numa tradução, saí para andar de bicicleta, estou postando no blog, vou sair para a balada.

A mesma trilha, de dia.


Parece a minha vida de sempre, é a minha vida de sempre, mesmo que os cenários sejam tão diferentes. Eu sou sempre o mesmo, se você não notou...

Sigo numa "rotina não sei bem por quê", eu sei muito bem porquê. Porque é o conforto básico que eu tenho na minha vida tão volátil. (Novamente e sempre) como no "Feriado", ainda que eu não tenha chefe, ainda que a distinção entre dias de semana, finais de semanas e feriado não precisassem ter necessariamente efeito sobre mim, eu sempre respeito o calendário. Não vivo num mundo a parte. Por mais que eu gostasse... Não vivo num mundo a parte. E a urgência recai sobre mim numa manhã de segunda como me diverge numa sexta de noite.

Mas sobre o quê estou divagando?

O cemitério...


Ah, minha "nova" vida em Helsinque. Não é preciso muito para que se torne minha velha vida confortável, mas estou achando que será necessário muito para que se torne uma nova vida de fato. Talvez Florianópolis tenha sido mais fácil. Aquela realidade praiana-surfística-caiçara que exigia que eu ficasse amigo da mocinha da farmácia talvez seja bem mais distante de SP do que a vida em Helsinque. Mas ainda assim é divertido e lindo estar aqui.


- Ainda estou em hotel. Ainda. Estou cansado. Adoro ficar em hotel, mas tem uma hora que você quer se sentir em casa. E cozinhar. Pulo de hotel em hotel a quase um mês e meio, de cidade em cidade. Parte disso foi trabalho, ok, mas pouca parte. Agora está na hora de me fixar. Mas mudo para meu apartamento na próxima terça.


- Vida em Helsinque: como eu já disse, é difícil se sentir parte da vida da cidade trabalhando trancado em seu próprio computador; a dona do meu apartamento, Anni, se esforçou esta semana para me levar a algumas festas e tentar me enturmar. Mas eram festas do pessoal da moda, lançamento de uma revista e uma festa da Diesel; não acho que o ambiente mais friendly seja uma festa da Diesel...

- Sobre a língua: meu finlandês é o mais precário, mas é bem melhor do que nada. Eu consigo me virar nos cardápios, no supermercado, e absolutamente todo mundo fala inglês de bom
grado.

- O supermercado: esses dias descobri minha perdição, o subsolo da Stockmann. É uma grande loja de departamentos, com um subsolo de supermercado - mil vezes melhor do que qualquer Santa Luzia. E não falo isso de pirraça, até porque, se tem um problema na Finlândia é a comida...

- A comida: há algo muito estranho na comida da Finlândia. Há bons restaurantes, os pratos típicos são ok, mas o approach com a comida é estranho e muito diferente, mesmo comparando com todos os outros países escandinavos. É bacana você fazer um lanche com carne de rena defumada, como fiz hoje, mas... Você não encontra em lugar algum salgados suculentos, doces apetitosos. Se quer comprar um lanche pronto, vai encontrar pão preto recheado com salmão - nada de croissants dourados com presunto e queijo. Se quer comprar um docinho para ver no cinema tem... salmiakki! Que é literalmente "sal de amônia" algo próximo do alcaçuz, meio salgado. E é bem difícil você encontrar algo que não tenha isso. (Para você ter uma ideia, na última vez que fui ao cinema, de doce mesmo só consegui encontrar M&M's.)

Esta é a forma mais rápida de gelar uma vodca por aqui.


- Sobre o tempo: é o que todo mundo me pergunta - do friiiiio! O frio tem sido o menor dos problemas, so far. Tenho sofrido mais, mesmo, sério, com o calor. Todo lugar é muito aquecido aqui. Quarto de hotel, academia... Outro dia fui fazer uma aula de "Hot Pilates", achei que era um pilates mais hardcore. Mas era um pilates numa sala aquecida tipo uma sauna! Fiz até o fim, mas tive de dar uma de brasileiro e dizer "no meu país eu não sofro de calor assim, blá, blá, blá".

Num sábado "de sol."

- O tempo: está tranquilíssimo; hoje estava 9 graus! Nada de neve por enquanto. Me disseram que é razoavelmente comum (e visto como uma maldição) não ter nada de neve até o Natal. Fiquei mega decepcionado. Nada de neve até o Natal? Se não há na Finlândia, onde haverá? (Bem, estamos ao sul da Finlândia, mas ainda assim, ao norte de imensa parte da Europa.) Ano passado eu estive aqui em outubro e já caía uma nevezinha decorativa. Ao mesmo tempo, luz há cada vez menos. O céu está sempre turvo, o sol amanhece tarde e morre cedo, e esse circuito todo parece apenas um fim do dia. Não dá muita vontade de sair da cama.

Num dia estranhamente claro em novembro.

- E o tempo: mexe mesmo com a cabeça e o calendário. O povo começa a voltar para casa por volta das 4 da tarde (que já está bem escuro), sabe-se lá que horas eles vão trabalhar. Sei que é preciso um esforço especial da minha parte para sair de casa antes das 14h (quando já entra mesmo em final de tarde) e sentir que eu vivi o dia.


Mas no final não há nenhum grande choque - já estive aqui várias vezes - e é um pouco constrangedor como as dificuldades têm de ser encaradas (por mim mesmo) como um choque de cultura. Se sofro com o calor de uma sala de academia, não é um problema pessoal meu com uma academia nova, é o problema de um brasileiro com uma academia finlandesa. Não é exatamente assim nem para mim, nem para eles, mas acho que essa é a impressão geral que se estabelece.



Enquanto escrevo isso, Rudolph me observa com censura do canto do quarto. Essa rena tem pacto com o demo, te digo.


23/11/2011

CSS @ ROCKFELLER, OSLO


Resenha que fiz para a revista Noize, de Porto Alegre, sobre o show do CSS neste domingo. Publicada em: http://noize.virgula.uol.com.br


Como uma banda que nasceu para ser underground, uma celebração de amigos do “baixo augusta” paulistano, poderia oito anos depois estar firme e forte, fazendo turnês pelo mundo todo, mantendo a espontaneidade (e a insanidade) que a elevou ao status de uma das bandas mais cools do planeta?


Eu mesmo não assistia ao CSS ao vivo há muito, muito tempo. E a recém saída do baixista/baterista/guitarrista/produtor e principal compositor, Adriano Cintra, me fazia questionar em qual clima encontraria o grupo. O que eu assisti aqui na Escandinávia foi uma banda de punk rock divertidíssima, energética e muito profissional, que cobriu a saída dele com músicos de apoio.


Apesar do som impecável, o que destaca CSS no palco de mais uma banda de rock pesado é, obviamente, o carisma absurdo da vocalista Lovefoxxx. Uma mistura perfeita de Cyndi Lauper com Bjork, ela troca de peruca, conversa com a plateia, dá risada com os outros músicos, e parece estar se divertindo tanto quanto no início de carreira. Não é a toa que seu mantra, tatuado no braço, seja “rip shit”, ou seja, “meter o pé na jaca.”

Nas entrevistas atuais, Lovefoxxx parece ressentir o nome original “Cansei de Ser Sexy”, mais panfletário e menos internacional do que a abreviação “CSS.” Ainda assim, poucas bandas têm um nome tão pertinente a seu conceito. A proposta do CSS parece ser essa celebração do “tô nem aí”, com figurinos mal-ajambrados, gritando o mote de “fuck everything.” A plateia segue o clima. E quando a banda sai do palco, o público pede bis gritando “C-S-S SUX! C-S-S SUX!”

Verdade que a casa estava com menos da metade da lotação, e longe da animação com que os brasileiros estão acostumados. “Achei o povo daqui meio frio,” diz a guitarrista Luiza Sá. “Ontem na Suécia foi uma loucura.” Mas ainda que os noruegueses não sejam lá o povo mais empolgado, pareciam conhecer cada uma das músicas e berravam pedindo “Alcohol” (faixa do primeiro álbum, que não foi tocada). Um rapaz havia dirigido cinco horas da Suécia só para ver o grupo(e ia voltar dirigindo em seguida). E conforme o show foi avançando, os meninos e meninas mais próximos de mim foram se abraçando, cantando junto, e quando eu vi estava pulando abraçado com eles, parando só entre as músicas para anotar o set list.

A divulgação da saída de Adriano foi feita há pouco mais de uma semana, mas ele já não vinha se apresentando com a banda desde setembro, e as meninas já estavam preparadas para isso há muito tempo. O clima tenso que pode ter se estabelecido há princípio não pode ser percebido agora, nem no palco nem conversando com elas depois do show.

Dizer que o futuro do CSS – com a saída de seu principal compositor – é incerto seria um pleonasmo. Todo futuro é incerto. O que importa é que, como nenhuma banda brasileira, o CSS pode dizer que chegou lá, se tornaram cidadãos do mundo, e parecem estar aproveitando cada segundo disso.

Com a Luiza.

Setlist
Rythm to the Rebels
Off the Hook
Hits me Like a Rock
Music Is My Hot Hot Sex
Red Alert
Let’s Make Love
Jager Yoga
Echo of Love
Move
We Could Have it All
Let’s Reggae All Night
Fuck Everything
Alala
City Grrrl

Art Bitch
Rap de agradecimento à plateia
Beautiful Song

20/11/2011

OSLO


Já começo a perder as contas de quantas vezes estive na Dinamarca, Suécia, Finlândia... Mas a Noruega era uma lacuna que faltava preencher no meu mapa.


Oslo é uma cidade bonitinha, mas sem grandes atrativos para quem já conhece outras capitais escandinavas. É pequena, cara, e tem um certo clima pacato... que se transforma de noite.


Verdade que esta não é a melhor época do ano para visitar. Aqui o inverno parece que está de fato começando - cinza, escuro, chuvoso - mas era essa a oportunidade que eu tinha, porque daqui até março a coisa só deve piorar..


Eu também já estou meio cansado de fazer turismo, está gelado demais para andar de bicicleta e eu passei parte do tempo trancado no quarto, trabalhando. Mas a noite compensou...

Dia desses, no café da manhã, o restaurante do hotel foi invadido por meninas pré-pós-púberes magricelas, que fizeram muitos pais de família virarem o pescoço para longe de suas torradas com geleia. Acabei descobrindo que estava havendo um concurso de modelos por aqui e fiquei amigo de dois scouters italianos, com quem virei as noites em Oslo.


Fabio e Estefano, grandes figuras.

E a noite de Oslo é uma loucura... Pequena - só há dois clubes gays: um deles um cabaré com show de drags, lotado de sapas; outro um pub grande, com uma pista de dança no andar de cima - mas com muito amor para dar... Hehe. O povo realmente se joga - não só na pista, mas nos turistas. Enquanto meus amigos italianos recebiam propostas de menage de um casal, eu era bolinado por uma menina somaliana. O povo gosta mesmo da coisa, é bem direto e cumpre o serviço. Fora que brasileiro tem aquela fama de safado - que eu não sei bem se é positiva - e, para eles, eu faço o estereótipo do latino caliente, uma coisa meio fetiche. Enfim, deu para ser feliz, embora eles sejam mais predatórios, não camaradas como os dinamarqueses nem carinhosos como os finlandeses.

Acho que no ranking dos 22 países que eu conheço até agora, eu colocaria a Noruega em oitavo, entre República Tcheca e Estônia.

Perdido entre os nórdicos.

Para continuar no clima de insanidade, hoje de noite tem show do CSS. Dia desses voltava para casa em Helsinque e vi cartazes deles espalhados por todo o centro - o show era quinta e eu já estaria em Oslo. Mas conferindo as datas de turnê descobri que, por sorte, teria show deles aqui neste domingo. Há anos que não vejo CSS - conheço as meninas por alto e já dividi palco e drinques com o Adriano, que acabou de sair da banda. Agora parece que está um clima tenso e uma briga pelos direitos das músicas. Vamos ver no que vai dar...

O último álbum eu achei bem bacana. Confira os clipes dos dois singles. Adriano não aparece em nenhum dos dois, já deveria querer dizer alguma coisa....


14/11/2011

NAZARIAN NA BALADA



Esta semana - de 16 a 20 de novembro - acontece novamente a Balada Literária, evento organizado pelo meu brow Marcelino Freire, que realmente traz um caráter de festa aos debates literários. São diversas mesas, lançamentos, shows, exposições, acontecendo em diferentes pontos da cidade. Reune muita gente legal e sempre se estende pelos bares.

Eu vou estar novamente longe, mas haverá Nazarian na balada. Minha mãe, Elisa Nazarian, participa de uma mesa sábado, às 14h, com Cida Pedrosa, Juliana Amato e Lorena Martins, moderadas pelo Carpinejar. É na Biblioteca Alceu Amoroso Lima, em Pinheiros.

A balada ainda tem João Gilberto Noll, Marçal Aquino, Daniel Galera, Lourenço Mutarelli, Adriana Calcanhotto, Caetano Veloso, Tom Zé, Cida Moreira, Jorge Mautner e muitos e muitos outros.

Programação completa aqui: http://baladaliteraria.zip.net/

Enquanto isso, eu estarei passando o final de semana em... Oslo!

12/11/2011

THERE’S NO PLACE LIKE HOME

Helsinque.

Comecei a tentar criar o que será minha vida em Helsinque. Não é preciso muito. Já estou frequentando uma academia, aluguei uma bicicleta e com meu Macbook e internet posso seguir com os trabalhos do Brasil. Esse não é o esquema ideal; já me mudei algumas vezes para cidades onde conhecia pouca gente ou nenhuma - Porto Alegre, Londres, Florianópolis – e sei que é muito mais difícil se integrar à cidade sem fazer parte da rotina dela (com um trabalho ou estudo diário, em que você conviva com outras pessoas). Mas ainda estou pensando e aberto as possibilidades – embora eu ache (ou eu saiba) que as oportunidades não costumam aparecer gratuitamente na minha vida, eu tenho sempre de correr atrás e investir, inclusive financeiramente.


Correndo de bike.

Um curso intensivo de finlandês é algo que quero muito fazer. Você não precisa saber realmente finlandês para morar aqui, todos falam inglês com boa vontade e simpatia, mas ajuda para se integrar mais, entender melhor a cultura. Eu ainda só entendo o básico do básico, mas tem sido útil.

Os parques de Helsinque.

Os parques de noite...


Toda vez que eu mudo para uma nova cidade também percebo uma curiosidade e uma desconfiança de que há algum amor por trás. Não há. Nunca há. Não há amor na minha vida. Mas talvez haja essa procura... Talvez algo para me fazer sentir em casa, formar uma casa, talvez o mais próximo que posso de uma família.

Tenho um relacionamento bem distante com a minha. Quatro irmãos que vejo duas vezes por ano. Pai uma vez a cada dois anos. Mãe uma vez por mês, quando muito. Também tenho uma rede de amigos bem dispersa, que eu jamais poderia chamar de turma de amigos. Nunca tive isso. Eles não são amigos entre si. E embora a maioria deles seja realmente especial para mim, eu acredito que nenhum deles me considere como seu “melhor amigo.”

Puxa isso está ficando triste...


Nah, não é motivo para drama. É só a compreensão do contexto que me faz sentir tão solto e sempre pronto a procurar algo mais. Um reverso de Feriado de Mim Mesmo, quem sabe. (By the way, pouca gente sabe que quando escrevi aquele livro, eu na verdade não morava sozinho, não era ainda tradutor e tinha recém publicado meu primeiro livro. Foi mais uma expectativa ou uma possibilidade do que uma análise da minha vida.)

Aqui em Helsinque essa vida continua. Terei meu apartamento, minhas traduções, começo a trabalhar num novo romance... Por enquanto ainda estou em hotel – talvez uma realidade mais Mastigando Humanos.

Anni e a mudança que será minha.

Conheci a Anni - a querida que está me alugando um apartamento em Kallio, bairro "boêmio" de Helsinque - em Tóquio, ano passado, num piquenique no Yoyogi Parki. Houve uma simpatia imediata, por ela ser finlandêsa e eu ser finlandófilo, e conversando pelo FB descobri que ela estava alugando agora em novembro o apartamento recém comprado dela aqui.

Ontem ajudei com a mudança – que afinal de contas também é em parte minha – carregando máquina de lavar, cama, mesa, coisas que farão parte dessa minha nova casa. O apartamento é lindinho-lindinho, um ótimo tamanho, todo montadinho e mobiliado (por ela) e só falta um loirinho dentro para me fazer feliz. Haha.

Depois da mudança, comemoramos com os pais da Anni, que são de Nokia (a cidade que deu origem ao celular).


Anni ficará as próximas duas semanas lá, depois volta para Tóquio e o apartamento será meu. Ainda não sei quando volto ao Brasil, depende da grana, dos convites e das oportunidades. Passarei o inverno (verão de vocês) por aqui, isso é certo. Sei que não será fácil, mas a graça é essa. E se a coisa for terrível, será lindo voltar ao Brasil.

Ontem um menino daqui me perguntou: “Inverno na Finlândia, mas você não podia ter escolhido um lugar melhor?” E eu respondi: “Já escolhi. Agora é hora de viver isso.” E é verdade. Já tive outras escolhas. E depois de viver um longo verão em Florianópolis, eu não consigo pensar em outro lugar do mundo onde eu deveria estar...



08/11/2011


JARDINS BIZARROS
Não é a toa que aqui nasceram os contos de fadas...


Copenhague é mesmo mágica... e bizarra. Cidade linda, povo simpatissíssimo, mas tudo naquele clima vintage-fim-do-mundo, difícil de explicar. Parece que estamos em outra época, outro mundo, fim do mundo, e talvez seja assim mesmo.

Toda vez que venho para cá faço amigos instantâneos dos bares da vida. A vida noturna aqui é toda baseada em bares (e a noite já está começando antes das cinco, com o "horário de inverno"), mesmo os clubes são apenas barzinhos um pouco maiores, com pista. A noite gay é bem estranha, umas tavernas cheias de uns vickings quarentões, cinquentões, é uma faixa etária média bem mais alta mesmo (e não é porque caí nos lugares errados, não; é a terceira vez que venho para Copenhague, e já rodei por toda a cena daqui.)

A nova tattoo que fiz em Helsinque.

Nesse contexto, ainda sou petiz, e sempre tem um tiozão amigo me pagando uma bebida. Domingo passado estava num dos bares clássicos, e veio um me alertar que aquele era um lugar gay. "E todo mundo aqui está procurando por sexo. E estão olhando para você, porque você é novo aqui... E agora estão olhando para mim, porque estou conversando com você!"

Me senti naquele roteiro "forasteiro entra numa taverna num povoado distante e atrai todos os olhares"... versão gay.

"Estou tranquilo. Só estou conhecendo a cidade. Não estou procurando por sexo."

"Como não? Você tem problemas com sexo? Sexo é bom!"

"Não tenho problema com sexo... Mas sou um turista, para mim é mais interessante sair pela cidade, conhecer pessoas, do que me trancar necessariamente entre quatro paredes para fazer sexo. Sexo é fácil."

Ele abanou as mãos como se eu estivesse falando bobagem, me pagou outro uísque e apontou para a minha tatuagem (a nova, da "rena-playboy"). "Você é um comedor, eu sei bem, olha só essa sua tatuagem..."

Haha. Ok. Então a tatuagem de "playboy-viado" que fiz em Helsinque é vista por aqui como um símbolo do comedor, o veado um animal que representa virilidade. Haha. Bacana.

Depois de brindar com todo o povo, saí daquele e fui para outro bar. O mesmo contexto vicking-chifrudo-veado-taverna, só que nesse, quando me virei para trás, havia um gordo de bunda de fora levando uns tapas de outros dois.

"O que esse povo tem na cabeça?" Perguntei tentando fazer brodagem com um filipino careca magrelo, sentado no balcão.

"Qual é o problema, você nasceu ontem?" a simpatia me respondeu.

"E onde você nasceu, que o povo toma palmada nos bares, no Iraque?"

A discussão com o filipino continuou com mais uísque e terminou com ele me convidando para jantar na casa dele, no dia seguinte. "Sou bom na cozinha, trabalho com isso. Faço tortas, bolos para casamento..."

"Ah, você é um padeiro?" Provoquei.

"Chaos reigns!"

No final das contas, ontem tivemos um ótimo jantar no apartamento dele: eu, ele, o marido dele e um vizinho velhinho que tem um museu de brinquedos antigos em casa e publicou um livro lindo sobre a história dos ursinhos de pelúcia. Tudo um pouco macabro, é verdade, ainda mais com os animais empalhados que o casal tinha na sala. Mas ficou tudo no terreno folclórico e dos contos de fada. E a comida estava ótima. E eu fiz caipirinhas.


Uma das fotos do livro.

Um dos mostruários do museu do vizinho...



E nenhum lobo mau me comeu.


Mas meus dias aqui não têm sido só de noites, muito pelo contrário. O inverno vem avançando visivelmente, cada dia amanhece mais cedo, as árvores estão cada vez mais nuas e a temperatura vem caindo e caindo; mas ainda estou conseguindo rodar a cidade toda de bicicleta, uns parques lindos.

Hoje também fui ao zoológico. No começo estava achando bem meia boca, umas capivaras, uns pôneis, uns bodes em que as crianças podiam passar a mão. Quem vai a um zoológico para ver bode? Mas aos poucos fui encontrando os "animais fundamentais": leão, tigre, girafa, crocodilo. E o mais impressionante do zoológico de Copenhague é que estão todos numa distância muito mais próxima dos visitantes - não sei se era permitido, mas era só esticar a mão para conseguir tocar numa foca, num pinguim; com um pouquinho de audácia se entrava fácil no cercadinho dos lobos . E os bichos estavam todos bem saidinhos. Não eram aqueles animais apáticos que nem reagem a presença de você. Os bichos pareciam querer se exibir mesmo, seguiam o público. Achei bem divertido.

E para continuar com os programas gays... Amanhã vou ver Annie! Aquele musical da órfã ruivinha. É todo falado em dinamarquês, mas eu já conheço a história e as músicas mesmo.

Quinta volto para Helsinque.

E que a Escandinávia continue doce...

06/11/2011

ENQUANTO AINDA HÁ LUZ NO CÉU...
As cores de outono em Munique.

E Munique também foi bem carinhosa comigo. Cidade lindinha-lindinha, talvez minha favorita da Alemanha, cheia de árvores e rios e patos e ciclovias. Deu para dar um longo passeio na sexta, antes de apresentar minha obra de noite. O inverno ainda não chegou na Europa. Os dias estão bonitos, temperatura em torno de dez graus (aqui mais pro norte) e as árvores estão com aquela cor linda de outono que não existe no Brasil.

Os parques da cidade...

O evento em Munique foi bem mais low-profile do que em Frankfurt, num lugar bem menor, mas isso também garantiu que ficasse lotado (com umas quarenta pessoas). Wanda Jakob, que organizou tudo e me recebeu, foi uma querida, e a minha intérprete Luisa também. Conheci vários brasileiros bacanas (praticamente o público que foi era todo de brasileiros) e deu para dar uma esticadinha depois.

Wanda, minha anfitriã, e Luisa, minha intérprete.

Legal que, tanto neste evento quanto em Frankfurt, se discutiu mais minha obra em si, minha temática, o estilo de escrita, as influências (na sexta pude discorrer longamente sobre as fotografias de Sally Mann – que foram a referência de base para o conto Piranhitas). Muitas vezes os eventos literários (não só no Brasil) se centram mais na biografia do autor e na relação dele com o mercado, o que se torna aburrido e repetitivo. Para saber minha biografia, é só consultar a Wikipedia.

Com a Wanda, provando da Weißwurst, especialidade da Baviera.

E assim se encerrou a turnezinha que me trouxe para a Europa em primeiro lugar. Talvez aproveitemos que vou ficar por aqui mais alguns meses para marcar outras datas - ficou faltando confirmar Berlim, e será imperdoável se eu não conseguir marcar nada em Helsinque.

A Alemanha desta vez foi suave, conheci muita gente bacana e espero que a coisa repercuta por aqui, com novos convites e traduções. Por algum motivo, eu acabo sempre voltando, e já posso dizer que conheço razoavelmente o país: Berlim, Hamburgo, Bremen, Bremerhaven, Frankfurt e Munique.

Agora estou no reino da Dinamarca, onde não há nada de podre, é um dos países do meu coração. Enquanto escrevo, o Grindr apita sem parar, mas também não há nada de novo. O padrãozinho gay é o mesmo em todo mundo - aquela coisa falsamente masculina: "sou macho e procuro machos", que nojo - onde foram parar os alternativos, os alterados, os transviados?

Fora que você seja numa cidade como Copenhague - como São Petersburgo - e quer sair, conhecer gente, ver a cena; mas o povo do Grindr quer mesmo é levar você para o apartamento, trancados entre quatro paredes. Estou descobrindo que não é a melhor forma de fazer turismo e conhecer amigos...

A verdadeira pequena sereia.


Copenhague continua linda, mas meu quarto de hotel é um horror. Peguei um hotel que eu já conhecia, consegui um quarto bem barato, mas quando entrei percebi por quê. Minha cama é praticamente um sofá, o quarto tem um cheiro de mofo, e eu estou me segurando, me segurando para não sair daqui e fazer um check-in em mais um Scandic. Me segurando porque vou ficar quatro meses na Europa, então é bom puxar o freio de mão nos gastos...

Eu sei, eu sei, eu sou esnobe e mal acostumado... Ou bem acostumado, talvez.

Ah, você que é jovem aproveite enquanto ainda pode mochilar, ficar em albergues, dividir banheiro. Eu não tenho mais saúde nem paciência. Não dá mais para dividir quarto com moleques de vinte anos... Hum... pensando bem... dividir quarto com moleques de vinte anos? Alguém conhece um bom albergue aqui em Copenhague?


03/11/2011

FRANKFURT

Na ópera de Frankfurt.

Tá, eu vim aqui para isso. Não para cantar ópera, acho, mas para me apresentar em Frankfurt. Toda a vinda para a Europa (e a passagem, e o cachezin) foi - a princípio - para uma mini turnê que a Embaixada do Brasil está promovendo com autores, para divulgar a literatura brasileira até a Feira de Frankfurt de 2013, onde o Brasil será o país homenageado (e daí já se espera que os autores estejam divulgados, traduzidos e publicados em alemão).


Minha queridíssima agente, Nicole Witt, que é alemã e me representa em todos os países, exceto no Brasil, participou ativamente desse processo e juntos decidimos a melhor forma de me apresentar para o público alemão. Romances são sempre mais fáceis de vender, geram mais prestígio, mas eu também queria divulgar minha obra mais recente, meu volume de contos - PORNOFANTASMA - que acho que é mais representativa do que eu faço. Então ficamos com o conto "Piranhitas", que é curto e um dos meus favoritos, e com Feriado de Mim Mesmo. Foram traduzidos textos do romance, o conto inteiro, eu li em português, Michael Kegler, meu querido intérprete, leu em alemão, e ainda conversei com o público, respondi perguntas....


O pessoal do consulado, da organização e meu intérprete cabeludo.

Foi bem, bem melhor do que eu pensava. Até estou acostumado a me apresentar em países que não sabem bulhufas da minha obra (aconteceu na Colômbia, Peru, Venezuela, Espanha e mais recentemente Argentina), mas geralmente é em grandes festivais, em que eu sou um dos escritores convidados, dentro de um evento maior. Desta vez era só eu. Pelo menos o único do mês (quem se apresenta mês que vem é João Gilberto Noll, mais um motivo de orgulho para eu estar nessa caravana). Eu achava que haveria uma meia dúzia de quinze pessoas na plateia, mas foi diferente: dezenas e dezenas chegando a uma centena e pouco de pessoas. Uma biblioteca lotada, praticamente sem cadeiras vazias, de um pessoal interessado, simpático e combativo.

A divulgação (nos dois principais jornais de Frankfurt) deve ter ajudado bem, e eu só posso ficar mais orgulhoso do espaço que me deram. O evento também teve uma boa cobertura jornalística e devem sair resenhas amanhã e nos próximos dias. Mas o mais bacana foi a troca com o público... que foi até bastante exótica.

Logo que eu cheguei um senhor alemão, muito bem apresentado, muito respeitável, pediu para eu autografar... uma série de fotos minhas, impressas da Internet (e se você acompanha este blog deve imaginar quais são as fotos).

A plateia também teve grande quantidade (talvez 50%) de brasileiros, incluindo uma menina indígena (que fez questão de dizer que era origem indígena) e que entrou numa discussão comigo sobre as piranhas ( Pra quê? Pra quê? O povo pode até me deixar inseguro quando discute comigo sobre literatura, mas quando entramos nessas bizarrices das ciências naturais, estamos no meu habitat natural - e eu tive de expor todo meu conhecimento íntimo das piranhas.... o peixe, digo.)

Camila, amiga dos tempos de colégio.

Frankfurt foi quase só trabalho - dei entrevistas, tive encontros burocráticos - mas hoje de manhã andei duas horas de bicicleta (um passeiozinho meia boca) e deu para encontrar a Camila, querida amiga de colégio que está morando aqui, e um querido amigo bailarino que estava de passagem. A Alemanha foi muito mais doce e suave do que costuma ser comigo, te digo.

Amanhã me apresento em Munique, nesse mesmo projeto. Haveria (haverá?) uma apresentação em Berlim, mas que ficou em suspenso. Então, sábado já volto para a Escandinávia, Copenhague, que é das grandes cidades do meu coração.

Helsinque continua a minha casa. Talvez até fevereiro, talvez até março...




NESTE SÁBADO!