06/02/2013

VELHICE



Demorei para ver o (mais uma vez estupendo) filme do Haneke, Amor. Não estava com paciência para ver "filme de velho", e a definição pode ser tola mas não há definição mais precisa. Amor é um "filme de velho" cruel, lento e mais demonstrativo do que realista.

Um casal encontra-se na situação perfeita da "melhor idade". Tiveram uma vida plena, filhos, testemunham o sucesso de seus alunos de piano. Não têm problemas financeiros, são eternamente apaixonados e aproveitam a vida juntos. Daí surgem os problemas de saúde. Ela tem de realizar uma operação, e à partir disso seu quadro só piora. Ele se dedica a cuidar integralmente dela, sendo fiel à promessa de não levá-la de volta ao hospital ou colocá-la num asilo. E é isso. 

Haneke monta um quadro perfeito para discutir as questões da velhice, da saúde e, claro, do amor. O filme é lento, triste e traz mais questionamentos do que respostas, como qualquer bom filme deveria fazer. 

Me fez pensar muito na história do Walmor Chagas, e numa opinião que eu postei no Facebook há algumas semanas. Ele estava velho, doente, debilitado, preferiu acabar com a vida. Muitas pessoas lamentaram como se não fosse a melhor saída, como se não fosse uma boa saída, como se o melhor fosse ele aceitar entrar em estágios cada vez mais dementes, degradantes, vegetativos. Não foi melhor acabar com tudo antes?

É uma moral muito cristã, apegar-se tanto à vida, mesmo diante das circunstâncias. Na discussão do FB, uma amiga me colocou que "ninguém acaba com a própria vida se não estiver com um quadro grave de depressão", e eu concordo. Mas daí é questão de se pensar o quanto a depressão tem de realismo, de enxergar as coisas como as coisas são. Talvez se Walmor Chagas estivesse devidamente medicado contra a depressão, teria sido mais otimista. Mas quem pode dizer que esse otimismo induzido quimicamente não é uma ilusão, que teria sido melhor ele aceitar sua degradação física e mental?

Ecoando os pensamentos do filme, minha mãe sempre diz que prefere morrer antes que os filhos a vejam caquética, babando. Que ela não quer que os filhos fiquem com uma imagem degradada de quem ela foi. Na verdade é apenas um aprofundamento do bordão "Die Young, Stay Pretty," que também tem seu sentido. 

Em algumas culturas - como entre os esquimós - o final da velhice é visto como uma aceitação para o suicídio. Esquimós idosos são abandonados sozinhos na neve, morrendo de forma resignada. Mas acho que não é preciso ir tão longe... Bom, quando EU estava abandonado na neve, na Finlândia, tudo o que eu pensava realmente era em me matar. Recuperei certa esperança na vida, mas não a ponto de pensar "que bobagem, quem diria que há um ano eu só queria me matar." Não acho que eu teria perdido muita coisa. E teria sido um ótimo, ótimo final; imagine: "morreu aos 34 anos, afogado, jogando-se no Mar Báltico". Garantiria o futuro da minha obra - ah-há!

Acho engraçado, mas não é brincadeira. 

Se eu fosse atropelado hoje, assim, por acaso, as pessoas talvez dissessem: "Ele ainda era tão novo, tinha tanto a viver." Mas não acho que ninguém precisaria se lamentar. Eu já tive uma ótima vida, já fiz basicamente tudo o que eu queria - se terminasse hoje, eu não teria o que lamentar. Só que certamente Morrer no Mar Báltico seria melhor do que atropelado na Paulista... (Ou velho e cancerígeno numa cama de hospital). 

Essas reflexões sempre me fazem lembrar da Leila Lopes, sem zoeira - sabe a atriz que era global, tornou-se um viral na internet, depois fez filme pornô e se matou? Para mim a carta de suicídio dela faz um sentido absurdo, ainda que esteja carregada de uma fé cristã. Alguns trechos:


"Eu decidi que já fiz tudo que podia fazer nessa vida. Tive uma vida linda, conheci o mundo, vivi em cidades maravilhosas, tive uma família digna e conceituada em Esteio, brilhei na minha carreira, ganhei muito dinheiro e ajudei muita gente com ele. (...) É preciso coragem para deixar esta vida. Saibam todos que tiverem conhecimento desse documento que não estou desistindo da vida, estou em busca de Deus. Não é por falta de dinheiro, pois com o que tenho posso morar aqui, em Floripa ou no Sul. Mas acontece que eu não quero mais morar em lugar nenhum. Eu não quero envelhecer e sofrer. Eu vi minha mãe sofrer até a morte e não quero isso para mim. Eu quero paz! Estou cansada, cansada de cabeça! Não aguento mais pensar, pagar contas, resolver problemas... Vocês dirão: Todos vivem!!! Mas eu decidi que posso parar com isso, ser feliz, porque sei que Deus me perdoará e me aceitará como uma filha bondosa e generosa que sempre fui."

Voltando ao filme do Haneke, talvez exista uma mensagem implícita de que a melhor morte possível seja por amor. É um jogo difícil, talvez utópico, porque todo mundo morre sozinho. Pensa-se nesses casais ideais (como no filme) que vão morrer juntos, velhinhos... Mas geralmente é assim, 50 anos de casados, o marido se vai antes da mulher, a mulher passa os últimos dez anos da vida só de lembranças... Não há escapatória da solidão. 

Daí me lembro de outro belo, belo filme, dirigido pelo Dominique Derudere. 



Fugindo de uma suíte de hotel, após cometer um assassinato, um michê se esconde na "Suite 16", onde mora um velho paraplégico. Inicialmente o velho é feito de refém, mas aos poucos a situação vai se invertendo. O velho se alimenta da companhia, atenção e juventude do michê, e passa a dominá-lo maquiavelicamente, gerando até uma relação de amor doentia. É um dos meus filmes favoritos, altamente wildeano, inclusive com uma citação do verso:

Yet each man kills the thing he loves,
By each let this be heard,
Some do it with a bitter look,
Some with a flattering word,
The coward does it with a kiss,
The brave man with a sword!

(de "Ballad of the Reading Gaol", Oscar Wilde).

Para terminar de uma forma um pouco mais otimista, e para demonstrar que eu ainda tenho certa esperança, coloco trecho de algo que escrevi há pouco tempo, trecho de um romance, que sabe-se lá se algum dia verá a luz do dia:

"Trinta e cinco anos é uma idade delicada; num abrir e fechar de olhos, a juventude se vai, se  esvai. Mas mantendo os olhos bem abertos, é possível prolongá-la um pouco mais, só mais um pouquinho, uma última chance. Sentia-se assim, naquele verão, o último verão, última chance, de ser jovem, surfista, saudável e em forma. O mar moldava, o sol esculpia, o sal, os mariscos, as opções de ser feliz e tão poucas alternativas. Há uns bons três verões que ele achava que não mais poderia. Mas nesse último, nesse agora, no que acabara de passar, aproveitou ao máximo as últimas possibilidades de seus trinta e cinco anos, num abrir e piscar de olhos. Uma idade delicada."


MESA

Neste sábado, 15h, na Martins Fontes da Consolação, tenho uma mesa com o querido Ricardo Lisias . Debateremos (e relançaremos) os livros la...