E O MUNDO LÁ FORA...
Além da retrospectiva pessoal (que sempre gosto de fazer para mim mesmo), acho que este foi um ano muito importante politica-social-moral-filosoficamente para o país.
Acima de tudo, a força das redes sociais se intensificou de uma maneira transformadora, revelando um efeito por vezes colateral do "crescimento nacional". Nós sabemos bem que esse crescimento foi inteiramente baseado no consumo: redução de impostos para certos bens, facilidade ao crédito, isso alavancou nitidamente o Brasil nos últimos anos. Mas agora, não só esse crescimento mostra um esgotamento, como se revela os efeitos negativos dessas conquistas.
O brasileiro hoje tem smartphone, tem banda larga, está no Facebook. Mas ainda tem uma educação de merda, transporte de merda, cultura de merda. É a análise mais evidente que se pode fazer dos protestos que começaram em junho - milhares de pessoas que tinham o que reivindicar, protestar, reclamar, agora tinham os meios para divulgar, registrar, fotografar, publicar. A ação truculenta da polícia ficou mais flagrante do que nunca. As contradições também.
Ao meu ver, essa foi das coisas mais positivas deste ano (e do crescimento, e das redes sociais, blablablá). Não existe mais uma verdade estabelecida. Até bem pouco tempo, saía na TV, era verdade. Agora cada indivíduo é uma fonte. Cada opinião pode ser compartilhada. A Globo transmite sua edição de um protesto, o Joãozinho publica no Facebook a sua própria. A Veja dá sua versão de um fato, milhares de comentários dão outros. Isso não só tirou o monopólio da verdade dos grandes grupos, como obrigou o indivíduo a pensar, refletir, avaliar, ponderar no que ele acreditar.
Infelizmente...
Infelizmente é um processo lento. Ainda mais para um povo sem cultura, e que não está acostumado a pensar. Junto dessa reflexão veio também a cultura do apedrejamento. Não há mais unanimidade - até Caetano, Chico, Roberto viraram os apedrejados de vez por suas opiniões. Veio também muita paranoia. Com todo mundo sendo uma fonte de notícias, tornou-se difícil saber em que fonte confiar. E neste final de ano estamos num nível em que notícias verdadeiras são divulgadas como notícias falsas (vide a morte de Lou Reed e o perfil do "Rei do Camarote").
Falando em Rei do Camarote...
Os valores mais mesquinhos e consumistas do brasileiro ganharam força este ano com o funk ostentação, os rolezinhos, e a relativização dessa "resposta da periferia". Procurou-se legitimar esses movimentos, dizendo que era resposta do povão ao império do consumo. Bem, é uma resposta, e que não muda nada. Sofistas como Rafinha Bastos alegaram que todo mundo tem sua veia de ostentação - quando tira uma foto na piscina, quando publica um prato chique que está comendo. Sim, mas uma coisa é trabalhar diariamente em algo transformador, que faça alguma diferença ou que tenha alguma densidade, e nas horas vagas postar uma foto de um descanso merecido, outra coisa é dedicar a sua vida (sua "arte") em retransmitir os valores consumistas mais clichês, da maneira mais rala possível. Tem rico que manda o filho estudar na melhor escola da Suíça, que vai à ópera, que compra um Monet. Tem rico que gasta tudo em carro importado, baladinha da moda e bebida que pisca. E me preocupa que, aparentemente, o dinheiro está cada vez mais indo para gente como essa, sem cultura, sem bom gosto, sem nada para dizer.
Enfim, esse pseudo-crescimento econômico do Brasil talvez tenha deixado mais flagrante a distância entre as classes. Porque o povo de classe A, B, C e D, agora também se cruza no Facebook, nos comentários dos vídeos do Porta dos Fundos. Gente semianalfabeta, que teve sua cultura intimamente ligada aos dogmas da igreja, agora tem a chance de opinar publicamente - e anonimamente. Gente que não entende ironia, sarcasmo, o relativismo e a teoria da relatividade. É só ler os comentários de qualquer vídeo (não só do Porta dos Fundos) que trate de religião, homossexualidade ou qualquer tema mais polêmico para se identificar uma guerra santa online.
Ao meu ver, esse crescimento do poder dos evangélicos é dos efeitos mais funestos do fortalecimento da classe C. (Porque não venham me dizer que são os burgueses dos Jardins que votam em Marco Feliciano.) O povo que comprou seu carrinho ostentação em oitocentas prestações é o mesmo que vota em seu pastor como deputado. Falta de educação. E seguimos numa nova forma de atraso.
Tenho medo de 2014. A crise econômica já é flagrante; a Copa pode esgotar o país de vez. Não tenho dúvidas de que será uma zona, que todo dinheiro este ano irá para um evento de retorno incerto. Nem é questão de torcer contra - é melhor mesmo que o tudo corra bem e que o Brasil GANHE, para a crise vir mais suave. Mas ela virá. A derrota é inevitável.
Além da retrospectiva pessoal (que sempre gosto de fazer para mim mesmo), acho que este foi um ano muito importante politica-social-moral-filosoficamente para o país.
Acima de tudo, a força das redes sociais se intensificou de uma maneira transformadora, revelando um efeito por vezes colateral do "crescimento nacional". Nós sabemos bem que esse crescimento foi inteiramente baseado no consumo: redução de impostos para certos bens, facilidade ao crédito, isso alavancou nitidamente o Brasil nos últimos anos. Mas agora, não só esse crescimento mostra um esgotamento, como se revela os efeitos negativos dessas conquistas.
O brasileiro hoje tem smartphone, tem banda larga, está no Facebook. Mas ainda tem uma educação de merda, transporte de merda, cultura de merda. É a análise mais evidente que se pode fazer dos protestos que começaram em junho - milhares de pessoas que tinham o que reivindicar, protestar, reclamar, agora tinham os meios para divulgar, registrar, fotografar, publicar. A ação truculenta da polícia ficou mais flagrante do que nunca. As contradições também.
Ao meu ver, essa foi das coisas mais positivas deste ano (e do crescimento, e das redes sociais, blablablá). Não existe mais uma verdade estabelecida. Até bem pouco tempo, saía na TV, era verdade. Agora cada indivíduo é uma fonte. Cada opinião pode ser compartilhada. A Globo transmite sua edição de um protesto, o Joãozinho publica no Facebook a sua própria. A Veja dá sua versão de um fato, milhares de comentários dão outros. Isso não só tirou o monopólio da verdade dos grandes grupos, como obrigou o indivíduo a pensar, refletir, avaliar, ponderar no que ele acreditar.
Infelizmente...
Infelizmente é um processo lento. Ainda mais para um povo sem cultura, e que não está acostumado a pensar. Junto dessa reflexão veio também a cultura do apedrejamento. Não há mais unanimidade - até Caetano, Chico, Roberto viraram os apedrejados de vez por suas opiniões. Veio também muita paranoia. Com todo mundo sendo uma fonte de notícias, tornou-se difícil saber em que fonte confiar. E neste final de ano estamos num nível em que notícias verdadeiras são divulgadas como notícias falsas (vide a morte de Lou Reed e o perfil do "Rei do Camarote").
Falando em Rei do Camarote...
Os valores mais mesquinhos e consumistas do brasileiro ganharam força este ano com o funk ostentação, os rolezinhos, e a relativização dessa "resposta da periferia". Procurou-se legitimar esses movimentos, dizendo que era resposta do povão ao império do consumo. Bem, é uma resposta, e que não muda nada. Sofistas como Rafinha Bastos alegaram que todo mundo tem sua veia de ostentação - quando tira uma foto na piscina, quando publica um prato chique que está comendo. Sim, mas uma coisa é trabalhar diariamente em algo transformador, que faça alguma diferença ou que tenha alguma densidade, e nas horas vagas postar uma foto de um descanso merecido, outra coisa é dedicar a sua vida (sua "arte") em retransmitir os valores consumistas mais clichês, da maneira mais rala possível. Tem rico que manda o filho estudar na melhor escola da Suíça, que vai à ópera, que compra um Monet. Tem rico que gasta tudo em carro importado, baladinha da moda e bebida que pisca. E me preocupa que, aparentemente, o dinheiro está cada vez mais indo para gente como essa, sem cultura, sem bom gosto, sem nada para dizer.
Enfim, esse pseudo-crescimento econômico do Brasil talvez tenha deixado mais flagrante a distância entre as classes. Porque o povo de classe A, B, C e D, agora também se cruza no Facebook, nos comentários dos vídeos do Porta dos Fundos. Gente semianalfabeta, que teve sua cultura intimamente ligada aos dogmas da igreja, agora tem a chance de opinar publicamente - e anonimamente. Gente que não entende ironia, sarcasmo, o relativismo e a teoria da relatividade. É só ler os comentários de qualquer vídeo (não só do Porta dos Fundos) que trate de religião, homossexualidade ou qualquer tema mais polêmico para se identificar uma guerra santa online.
Ao meu ver, esse crescimento do poder dos evangélicos é dos efeitos mais funestos do fortalecimento da classe C. (Porque não venham me dizer que são os burgueses dos Jardins que votam em Marco Feliciano.) O povo que comprou seu carrinho ostentação em oitocentas prestações é o mesmo que vota em seu pastor como deputado. Falta de educação. E seguimos numa nova forma de atraso.
Tenho medo de 2014. A crise econômica já é flagrante; a Copa pode esgotar o país de vez. Não tenho dúvidas de que será uma zona, que todo dinheiro este ano irá para um evento de retorno incerto. Nem é questão de torcer contra - é melhor mesmo que o tudo corra bem e que o Brasil GANHE, para a crise vir mais suave. Mas ela virá. A derrota é inevitável.