RESENHAS
(Íntegra das minhas resenhas publicadas final de semana passado, na Folha)
"SE VIVÊSSEMOS EM UM LUGAR NORMAL"
O mexicano Juan Pablo Villalobos
fez uma estreia sensacional em 2010 com Festa
no Covil¸ publicado no Brasil pela Companhia das Letras e em quinze línguas
pelo mundo. O romance focava a vida de um chefe do narcotráfico, narrada por
seu filho, mostrando a realidade violenta do México. Agora o autor volta a retratar
seu país, de maneira ao mesmo tempo terna e crítica com “Se Vivêssemos em um
Lugar Normal”, seu segundo romance, do que promete ser uma trilogia.
Orestes é um adolescente de uma
família de sete filhos, vivendo numa “caixa de sapato” no alto de um morro,
oprimido tanto pelo aperto da casa quanto pelas aspirações limitadas do pai. As
possibilidades de fuga, ascensão ou simplesmente mudança são frequentemente
frustradas pela condicional do título. “Mamãe é possível deixar de ser pobre?”,
pergunta o protagonista. “Não somos pobres, Oreo, somos classe media.” Ao que
ele conclui: “Essa coisa de classe media parecia algo que só podia existir em
um país normal, em um país onde não estivessem permanentemente tratando de
foder a sua vida.”
Os paralelos com o Brasil são
inevitáveis – porém o humor típico mexicano e as referências culturais
distantes (apresentadas em notas e num glossário) travam um pouco a fluidez do
texto em português. O texto soa como traduzido
(como de fato foi), ainda que o autor more há alguns anos no Brasil.
Com o decorrer da trama, Orestes
foge de casa, recorre a estratagemas para sobreviver e testemunha a desgraça
familiar. O tom entre o nonsense e o tragicômico é delicioso, principalmente
nos diálogos, mas ao chegar ao desfecho o livro descamba para um absurdo
apressado e insatisfatório, que dessa vez não se justifica nem pela proposição
do título.
Avaliação: regular.
"LOST BOYS"
Em tempos pós-globalização, a
língua ainda é a principal barreira para a circulação dos produtos culturais
brasileiros no exterior, mas não é a única. Os atravessadores do mercado e suas
expectativas sobre os temas e histórias que podem repercutir lá fora muitas
vezes travam a exportação. Especialmente na literatura, acostumou-se a
acreditar que os estrangeiros só buscam um autor brasileiro quando estão à
procura de temas brasileiros, e assim
tudo o que passa por fantasia, thrillers, policiais ou fuja em geral da
expectativa (ou estereótipo) que se faz do país é em geral desprezado.
Porém, com a proliferação das
ferramentas de auto-publicação, os e-books e sites de compartilhamento, vem se
tornando mais comum autores nacionais furarem a barreira e alcançarem mercados externos
por conta própria. Foi assim com a carioca Marcela Mariz, que publicou a ficção
científica The Chosenof Gaia no site
da Amazon, e foi assim com Lilian Carmine (pseudônimo da paulistana Bruna
Brito), que lançou Lost Boys no
Wattpad (site de autopublicação que é considerado como “o Youtube do texto”),
teve milhões de visualizações, publicação física no exterior pela RandomHouse,
e agora sai no Brasil pela Leya.
O romance narra a história de uma
adolescente tipicamente deslocada, que conhece um fantasma e vive uma paixão
proibida. Graças a um feitiço, os dois estão presos um ao outro, mas não podem
assumir esse amor por contingências sociais e ameaças paranormais. O livro é
desavergonhadamente direcionado às fãs da saga Crepúsculo e tem todos os ingredientes que uma garota poderia procurar:
amor proibido, punhados de garotos bonitos, uma heroína incompreendida em quem
as leitoras podem se espelhar. Não é de se surpreender
então que tenha sido sucesso; dá ao público o que ele quer, e nada mais.
O romance é raso, tolo e sem a
menor malícia. O aspecto sobrenatural da trama é apenas um pano de fundo– o
fantasma afinal é um menino reencarnado, e a grande complicação do relacionamento
se dá pelo fato do casal se passar publicamente por irmãos. A tradução também pode
ter contribuído pelo encaretamento do livro – conferindo um tom que se pretende
adolescente, mas soa falso e antigo. O adjetivo “fofo” é usada pela
protagonista para descrever basicamente todos os personagens masculinos, e um
punhado de gírias atuais é encontrado entre expressões como “balançando o
esqueleto.”
Adaptado com habilidade para o
cinema ou a TV, Lost Boys poderia ser
diversão adolescente de primeira, mas em livro sua acertada premissa é
prejudicada por um texto primário. Triste ver que, nesse caso, a universalidade
se deve pela reprodução de uma receita de fácil digestão. Um fastfood de 460
páginas, sem tempero, sem pimenta, sem surpresas.
Avaliação: Ruim