25/09/2015
ESTATUTO
Família é papai e mamãe. Papai e mamãe já têm direitos garantidos. É bom separar para garantir o que é dos solteiros, abandonados, dos viúvos. Tire as famílias e olhe para os idosos, homossexuais, moradores de rua. Você nunca foi de família, então busque ser respeitado como indivíduo. Quem precisa de proteção especial é quem está sozinho. A família não precisa ser reconhecida.
18/09/2015
QUE HORAS EVA VOLTA?
Há poucas semanas, publiquei aqui no blog a microcrônica (argh!), Eu Não Bato Panela, que retrata uma realidade que poderia ter visto no filme de Anna Muylaert, mas que conheço a vida toda, então descrevi mesmo antes de ver o filme.
Cresci em casa com empregada - na maior parte do tempo, duas empregadas que moravam no quartinho dos fundos. Não usavam uniforme, eram "praticamente da família", uma delas, a Eva, era minha "mãe preta", assim se chamava. Grande, gorda e negra, cuidava de mim e de minha irmã enquanto minha mãe trabalhava fora.
Apesar do tratamento humano, era uma típica relação patrão-empregada, a qual hoje se vê cada vez menos. Para mim, na infância e adolescência, era normal. Para as empregadas, devia ser ainda mais.
Anos depois, morando sozinho, trouxe uma antiga faxineira de casa, a Antônia, para fazer limpezas semanais. Era de confiança, ela limpava e eu cozinhava, ela comia na mesa comigo, mas estava longe de ser "da família". Tentei manter com ela uma relação profissional, e fracassei miseravelmente. Antônia "não sabia o seu lugar."
Quando me mudei para Florianópolis, descobri que Antônia, cearense com mais de 60 anos, nunca tinha visto o mar. Convidei-a para passar um final de semana comigo, passagem paga, hospedagem na minha casa. Antônia relutou em "viajar com o patrão". Aceitou sem entender muito bem o que deveria fazer, se deveria trabalhar. (Contei tudo aqui)
Antônia voltou a trabalhar na minha casa quando voltei a morar em São Paulo. E já não funcionava mais. Começou a vir quando eu dizia para não vir. Passou a pegar escondido roupas minhas e levar para sua casa, para lavar. Um dia, voltando de uma viagem, encontrei-a limpando meu apartamento num dia não combinado, sem receber seu salário. Discuti que não era para ela vir assim. Ela nunca mais veio. Liguei na semana seguinte e ela não atendeu. Depois deixou recado que não viria mais.
A verdade é que a relação com empregada doméstica é algo difícil de administrar. Mora na sua casa, mas não é da família. Busca-se uma relação estritamente profissional, mas é impossível não ter uma relação pessoal com quem vive com você. Não acho um relacionamento saudável e desde então desisti de ter faxineira em casa - até porque não trabalho fora. Estou longe de dar conta da limpeza da casa, mas também não dou conta de alguém passando aspirador enquanto escrevo.
Na Europa ninguém tem empregada em casa, isso é exaustivamente repetido, e é verdade. Verdade também que em geral as casas não são tão limpas, tão arrumadas. Lembro de meu apartamento em Helsinque, que eu até conseguia manter mais limpo do que aqui, mas lá as janelas não abriam, não entrava poeira, eu não tinha tantos livros, tantas coisas, a cozinha tinha uma lava-louças, o frio escandinavo tem menos germes...
Penso em tudo isso semanas depois de assistir a "Que Horas Ela Volta?" de Anna Muylart, belíssimo filme que ainda ecoa por aqui. Tudo é muito identificável - tanto que no começo fiquei na dúvida se a casa usada de locação era a antiga casa de um tio, no Morumbi. As atuações estão todas estupendas, incluindo a do meu querido amigo Lourenço Mutarelli, embora eu ache que a ótima atuação de Regina Cazé destoe um pouco (no registro cômico) do resto do elenco.
Minha avó foi dessas também que viveu a vida toda com empregadas, que usavam uniforme, vinham quando ela tocava um sininho (!); "ninguém pode dizer que sou racista porque todos meus criados são de cor", é uma frase clássica real dela. Meses atrás, teve de ir morar numa casa de repouso. As empregadas foram dispensadas. Clarice, que trabalhava há mais de quarenta anos com ela, foi diagnosticada com câncer e morreu em poucas semanas, depois de sair da casa. Para mim foi o símbolo de uma estranha simbiose, que já estava com os dias contados.
16/09/2015
AGREGADOS DO REALITY
Ontem, na "cozinha mais famosa do Brasil" (em foto da querida Masterchef Larissa) |
Estive ontem na final do Masterchef Brasil, na Band. Depois de meses de expectativas, torcidas e festas, o evento foi bem mais miado do que eu esperava, mas valeu.
Já era fã da temporada anterior, assistia sempre com o Murilo, por isso ele decidiu se inscrever. Depois de selecionado, me tornei marido de mis(ter), e é um equilíbrio delicado para mostrar apoio e parceria, sem se tornar parasita do sucesso do outro. Entrei nos bastidores do mundo dos realities e das subcelebridades como acompanhante, não é meu mundo e não tenho mérito (ou culpa) nisso. Ser esse "mais um" é desgastante - Murilo já está acostumado a ser o meu "mais um" no meio literário - então compareço quando acho que ele precisa de mim, prefiro não ir quando ele está fazendo sua função.
O Ibis promoveu uma competição paralela com alguns dos participantes. E nessa Murilo foi o vencedor! |
Murilo já engrenou nos eventos, jantares, trabalhos publicitários e está tirando uma graninha com isso. Fez seu canal no Youtube (o "Murdidas", segue lá). Domingo participou de uma feira de rua com Jiang, Fernando e Aritana - fui dar uma força para carregar todas as coisas e acabei ficando um tempo cobrindo o caixa (foi divertido até, lembrei dos meus tempos de barman). Segunda ele fez um jantar fino para convidados pagantes, daí não vi sentido em ir.
Domingo, trabalhando com eles e meu pequeno ajudante (filho da Aritana). |
Os participantes se tornaram amigos de fato - nós, os maridos e mulheres, também; por mais que venhamos de meios completamente diferentes temos em comum essas experiência de "agregados do reality." Temos de lidar com uma exposição muito intensa, repentina e passageira - o assédio de nossos parceiros nas ruas é grande, nas mídias sociais é cruel, e gera toda uma nova euforia e frustração, essa corrida por "números de seguidores". Mexe com o ego de formas irracionais. Por mais que sejam grandes cozinheiros, conquistaram "fãs" por terem exposição suficiente na televisão - e alguns se encantam com seus defeitos, alguns se encantam com seus carismas. O público se considera íntimo ou mesmo dono deles. Murilo recebeu de pedidos de casamento a xingamentos e gente sugerindo com quem ele deveria namorar. Dia desses, na Augusta, um cara bêbado o agarrou por trás: "Você é do Masterchef!" Eu o afastei, falando para não encostar, ao que o cara respondeu: "Quem é você? Você não é ninguém!" É um mundo louco, mas é a real dos realities...
(Fico pensando em quem é cozinheiro há anos e não tem esse reconhecimento - como o pessoal da feirinha de domingo, que trabalha dia a dia com isso; as barracas deles estavam às moscas, a fila da barraca do Murilo com a Jiang dava voltas...)
Apesar de tudo, na maior parte do tempo, acho divertido, principalmente por gostar do programa. E para mim é uma nova experiência a que posso assistir com mais conforto do que ele. Certamente não gostaria de estar na posição inversa.
Tive meus 5 segundos no programa de estreia, e foi o suficiente. |
Então ontem fui com ele assistir ao último programa. Foi um esquema bem esquisito - três estúdios com três arquibancadas: a cozinha onde só rolava a apresentação e o resultado ao vivo; um estúdio com a Preta Gil, que ficava isolada só com twitteiros, e basicamente não servia para nada; e a arquibancada onde ficava geral, amigos e torcida dos finalistas, nós os parentes dos participantes, gente sorteada para assistir ao vivo, que entrava de vez em quando só para mostrar a torcida. Os participantes eliminados não ficaram em nenhum estúdio, assistiram dos camarins (?). Só no final foram liberados, daí fomos com eles para a cozinha.
Então não teve muito sentido ir até lá, chegar horas antes com os participantes, para ver por um telão (até porque o programa foi quase todo gravado). Mais sensato seria eles terem feito uma arquibancada com todo mundo, Preta Gil animando a galera, anunciar o vencedor ali, diante da torcida.
O resultado foi ao vivo e bastante inesperado. Posso assegurar que ninguém lá - desde os participantes até a maior parte da produção - sabia o vencedor. Jornalistas de fofoca até vazaram a informação, mas ninguém tinha certeza se era verdade. Um pequeno núcleo do programa foi quem decidiu, então de lá é que deve ter vazado.
Encerramos a noite com o pé na lama. |
A próxima temporada assistirei mais confortável.
Agora para tudo! |
06/09/2015
CANADÁ
Resenha que assino na Folha deste final de semana:
A princípio pode soar irônico que um romance tão "estadunidense" (para usar o termo odioso mais preciso) como esse de Richard Ford se intitule "Canadá", principalmente porque as primeiras 215 páginas se passam inclusive no norte dos Estados Unidos, retratando muito do "american way of life". Porém, ao se analisar a obra como um todo, identifica-se uma hábil estrutura dividida em duas partes –Estados Unidos de um lado, Canadá do outro, como o Estado de Montana e a província de Saskatchewan, respectivamente, que se espelham revelando suas diferenças– além de um curto epílogo.
O romance reflete sobre as identidades desses dois países por meio do olhar de um menino de 15 anos. Nos anos 1960, Dell vive com sua família: um pai sedutor e aventureiro, uma mãe fraca e resignada, e a impulsiva irmã gêmea. Sobrevivendo de negócios escusos, o pai arma um assalto a banco para saldar dívidas e acaba desestruturando toda a família. Dell tem de fugir para o Canadá, onde é empregado num hotel de veraneio por Arthur Remlinger, um refugiado americano que parece esconder um passado sombrio.
O que poderia ser um romance de formação mais se encaminha a um romance de deformação, com perdão do trocadilho. Sem uma identidade bem definida, o protagonista adolescente, ainda bastante infantil, procura entender a história das figuras paternas que o rodeiam, que parecem sempre entregues à atração americana por "armas e violência".
O fascínio pela hipermasculinidade e a exaltação da beleza física dos homens adultos no romance (em detrimento da personalidade esmaecida e assexuada de Dell) geram uma latência homossexual constante, que vai além do meu olhar viciado. Há inclusive um personagem indígena que coloca isso em cheque, contrastando práticas "viris", como a caça e morte de animais, com maneirismos afeminados.
A forma muitas vezes indireta como são narrados os acontecimentos do romance (principalmente na primeira metade) o aproximam bastante da leitura de uma biografia –talvez a razão pela qual Ford procurou deixar claro na primeira parte que "'Canadá' é uma obra de imaginação".
Isso torna o começo do romance um tanto quanto cansativo, porém seu desenvolvimento é recompensador. Canadá daria um belo filme de Clint Eastwood.
Único escritor a ter ganho o Prêmio Pulitzer e o Pen/ Faulkner pelo mesmo livro, o americano Richard Ford trouxe uma visão crítica, porém profundamente humana, sobre seu país.
CANADÁ
AUTOR Richard Ford
TRADUÇÃO Mauro Pinheiro
EDITORA Estação Liberdade
QUANTO R$59 (456 págs.)
AVALIAÇÃO bom
A princípio pode soar irônico que um romance tão "estadunidense" (para usar o termo odioso mais preciso) como esse de Richard Ford se intitule "Canadá", principalmente porque as primeiras 215 páginas se passam inclusive no norte dos Estados Unidos, retratando muito do "american way of life". Porém, ao se analisar a obra como um todo, identifica-se uma hábil estrutura dividida em duas partes –Estados Unidos de um lado, Canadá do outro, como o Estado de Montana e a província de Saskatchewan, respectivamente, que se espelham revelando suas diferenças– além de um curto epílogo.
O romance reflete sobre as identidades desses dois países por meio do olhar de um menino de 15 anos. Nos anos 1960, Dell vive com sua família: um pai sedutor e aventureiro, uma mãe fraca e resignada, e a impulsiva irmã gêmea. Sobrevivendo de negócios escusos, o pai arma um assalto a banco para saldar dívidas e acaba desestruturando toda a família. Dell tem de fugir para o Canadá, onde é empregado num hotel de veraneio por Arthur Remlinger, um refugiado americano que parece esconder um passado sombrio.
O que poderia ser um romance de formação mais se encaminha a um romance de deformação, com perdão do trocadilho. Sem uma identidade bem definida, o protagonista adolescente, ainda bastante infantil, procura entender a história das figuras paternas que o rodeiam, que parecem sempre entregues à atração americana por "armas e violência".
O fascínio pela hipermasculinidade e a exaltação da beleza física dos homens adultos no romance (em detrimento da personalidade esmaecida e assexuada de Dell) geram uma latência homossexual constante, que vai além do meu olhar viciado. Há inclusive um personagem indígena que coloca isso em cheque, contrastando práticas "viris", como a caça e morte de animais, com maneirismos afeminados.
A forma muitas vezes indireta como são narrados os acontecimentos do romance (principalmente na primeira metade) o aproximam bastante da leitura de uma biografia –talvez a razão pela qual Ford procurou deixar claro na primeira parte que "'Canadá' é uma obra de imaginação".
Isso torna o começo do romance um tanto quanto cansativo, porém seu desenvolvimento é recompensador. Canadá daria um belo filme de Clint Eastwood.
Único escritor a ter ganho o Prêmio Pulitzer e o Pen/ Faulkner pelo mesmo livro, o americano Richard Ford trouxe uma visão crítica, porém profundamente humana, sobre seu país.
CANADÁ
AUTOR Richard Ford
TRADUÇÃO Mauro Pinheiro
EDITORA Estação Liberdade
QUANTO R$59 (456 págs.)
AVALIAÇÃO bom
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ENTÂO VOCÊ SE CONSIDERA ESCRITOR?
Então você se considera escritor? (Trago questões, não trago respostas...) Eu sempre vejo com certo cinismo, quando alguém coloca: fulan...