06/09/2015

CANADÁ

Resenha que assino na Folha deste final de semana: 

A princípio pode soar irônico que um romance tão "estadunidense" (para usar o termo odioso mais preciso) como esse de Richard Ford se intitule "Canadá", principalmente porque as primeiras 215 páginas se passam inclusive no norte dos Estados Unidos, retratando muito do "american way of life". Porém, ao se analisar a obra como um todo, identifica-se uma hábil estrutura dividida em duas partes –Estados Unidos de um lado, Canadá do outro, como o Estado de Montana e a província de Saskatchewan, respectivamente, que se espelham revelando suas diferenças– além de um curto epílogo.

O romance reflete sobre as identidades desses dois países por meio do olhar de um menino de 15 anos. Nos anos 1960, Dell vive com sua família: um pai sedutor e aventureiro, uma mãe fraca e resignada, e a impulsiva irmã gêmea. Sobrevivendo de negócios escusos, o pai arma um assalto a banco para saldar dívidas e acaba desestruturando toda a família. Dell tem de fugir para o Canadá, onde é empregado num hotel de veraneio por Arthur Remlinger, um refugiado americano que parece esconder um passado sombrio.

O que poderia ser um romance de formação mais se encaminha a um romance de deformação, com perdão do trocadilho. Sem uma identidade bem definida, o protagonista adolescente, ainda bastante infantil, procura entender a história das figuras paternas que o rodeiam, que parecem sempre entregues à atração americana por "armas e violência".

O fascínio pela hipermasculinidade e a exaltação da beleza física dos homens adultos no romance (em detrimento da personalidade esmaecida e assexuada de Dell) geram uma latência homossexual constante, que vai além do meu olhar viciado. Há inclusive um personagem indígena que coloca isso em cheque, contrastando práticas "viris", como a caça e morte de animais, com maneirismos afeminados.

A forma muitas vezes indireta como são narrados os acontecimentos do romance (principalmente na primeira metade) o aproximam bastante da leitura de uma biografia –talvez a razão pela qual Ford procurou deixar claro na primeira parte que "'Canadá' é uma obra de imaginação".

Isso torna o começo do romance um tanto quanto cansativo, porém seu desenvolvimento é recompensador. Canadá daria um belo filme de Clint Eastwood.

Único escritor a ter ganho o Prêmio Pulitzer e o Pen/ Faulkner pelo mesmo livro, o americano Richard Ford trouxe uma visão crítica, porém profundamente humana, sobre seu país.

CANADÁ
AUTOR Richard Ford
TRADUÇÃO Mauro Pinheiro
EDITORA Estação Liberdade
QUANTO R$59 (456 págs.)
AVALIAÇÃO bom

NESTE SÁBADO!