Isso não é uma família. |
Então me casei... E você não tem nada com isso.
Há alguns meses que eu e Murilo estamos morando
juntos. Aconteceu naturalmente, com quase quatro anos de namoro. Ele tinha de
entregar o antigo apartamento, o meu tem um tamanho razoável; mudou para cá enquanto
pensamos se mudamos para um maior, se fugimos do país, se testamos novas
configurações...
Em Búzios, outubro passado. |
Já tive relacionamentos longos, mas nunca morei
junto; então morar junto para mim é um casamento. Muda tudo, mas não muita
tanta coisa. Muitos pensamentos, reflexões, descarregos e desabafos que diríamos num Facebook podemos dizer ao companheiro ao lado, talvez por isso eu esteja postando menos, Existe a rotina, as contas a pagar, e é preciso buscar novos respiros,
preservar espaços... Pensamos juntos no que fazer para o almoço, compramos
juntos o que é preciso para o jantar (e com o talento dele para a cozinha tenho
de freá-lo para que cada refeição não se torne um banquete), dividimos as
tarefas da casa e a atenção com a coelha. Isso não é uma família...?
No Masterchef (2015), com nossa ex-coelha Asda. |
A mim não importa.
Acompanho com curiosidade os debates sobre o
estatuto da família, as possibilidades de casamento e conquistas da comunidade
LGBT. Apoio a bandeira, mas não é uma briga pessoal. Não entendo a
hipervalorização do conceito de família, não preciso da institucionalização da
minha união.
Em Londrina, terra dele. |
“Proteção à família”: um conceito equivocado, que
visa proteger quem já tem a maior proteção, a família tradicional: pai, mãe,
filhos. Esses já têm ajuda entre si. Quem precisa de proteção é quem não tem
família: o idoso esquecido, a criança abandonada, o eterno solitário. Daí vejo tantos gays com gato, cachorro,
coelho, filho adotado, brigando por serem reconhecidos como família... Para mim
é família, óbvio. Para mim, não importa. Acho que deveríamos nos conscientizar
de que família não importa, não é nada sagrado, nada que mereça tratamento
especial. É pai que estupra a filha, mãe que expulsa filho de casa, filho que
esfaqueia os pais para comprar crack. Isso tudo é família. Que lindo.
Murilo empratando o almoço de domingo passado. |
E a foto dele do prato. |
Voltando ao casamento, ao meu casamento, deixei a lista de presentes na Camicado...
Mentira. Se a união de muitos gera uma festa
milionária, me esforcei para que gerasse ao menos um post... para registrar. Estou
morando com meu namorado. E ninguém tem nada a ver com isso. Compareço ao
casamento de amigos gays, héteros, com carinho, mas certo “cinismo interno”
(pensei muito no termo exato, alguém me ajuda? Seria “empáfia”?). A festa, a
pompa, me parece tão descabida quanto uma celebração de debutante. Os dois
resolveram se juntar numa cerimônia solene, em que gastamos tubos em trajes, presentes,
suamos numa festa que não deveria pedir terno num país tão quente; o casal
gasta ainda mais. Nos preparamos como nunca, para um evento que não tem nada a
ver conosco. A máxima homofóbica me vem com força a qualquer anúncio de
casamento: “Não tenho nada contra o que você faz entre quatro paredes, só não
queira que o mundo todo bata palmas!”
(Imagino que depois desse post muitos amigos
deixem de me convidar para seus casamentos... Por favor, deixem, não gosto.)
Deve ser afinal do exemplo que tenho de casa, do
mau exemplo que tenho de casa, da minha “família”... se é que posso chamar de
família. Minha mãe morou dez anos com meu pai, tiveram quatro filhos, nunca
foram casados. Minha sobrinha de quatro anos é fruto de um relacionamento
estável de 8 anos da minha irmã com o namorado, com quem mora, divide as
contas, as responsabilidades. Minha “família” é ateia, então casamento religioso não faz mesmo sentido, e nunca precisou da aprovação do
estado. Não será agora.
Talvez a oficialização civil seja só uma garantia,
mais do que um símbolo de união, um complicador para dificultar a separação,
para forçar o casal a acreditar e se esforçar ao máximo para a coisa dar certo.
Morar junto já tem um pouco disso. Eu me desfiz de um fogão, Murilo se desfez
da geladeira (mas ainda estamos com uma máquina de lavar a mais estacionada no
banheiro). A separação já vai sair trazer prejuízos financeiros...
O importante é encontrar seu par. Não é fácil. Ter
o Murilo aqui em casa é fácil, tranquilo, natural. Ele é muito companheiro e ao
mesmo tempo reservado. Somos muito diferentes e assim nos entendemos – ter outro
como eu aqui seria um pesadelo, e sei
bem que relacionamentos gays têm muito disso, do narcisismo.
Então é isso, é por isso, estou casado, vivendo em
pecado, e não é festa, não tem cerimônia, não tem porque impedir, comemorar, pedir
aplausos ou permissão.
Remando juntos, seja qual for a maré. |