16/04/2017

PÁSCOA TRADICIONAL

Familinha unida no local de trabalho do tio. 

Feriado de Páscoa e quatro anos de namoro/casamento. Aproveitei para vir a Maresias, onde Murilo está comandando a cozinha do Guató, e convidei minha irmã, cunhado, sobrinha.

Devido à minha inclinação sorumbática, sou conhecido por minha sobrinha como o “Tio Vampiro”; Murilo é apenas o “Tio Murilo”. Ainda que conservadores contestem, somos um casal, pelo menos é nisso o que minha sobrinha acredita.

O casal e a coelha aos olhos da menina... SQN. (Gente, vocês são muito ingênuos. Isso é apenas uma fanfic ilustrada. Desenho meu, fingindo que é desenho dela, retratando nós três e o capeta que nos abençoa.)

Assim como nunca precisamos da aprovação do estado, nunca precisei enfrentar a sociedade. Nasci numa família de artistas e intelectuais, bairro nobre de São Paulo, religião nunca foi argumento, o padrão nunca foi  desejado. Não posso dizer que nunca sofri preconceito porque a escola existe para isso, o bullying básico do ensino fundamental. Seria ingenuidade também pensar que a homossexualidade assumida nunca foi uma questão na minha carreira literária, ainda que nunca tenha sido o tema central dos meus livros – mas talvez tenha aberto portas quase tanto quanto tenha fechado; de certa forma você se torna um representante. Nos tempos atuais de patrulha ideológica, ser gay é o que me salva. Branco, paulistano, bem nascido, a homossexualidade me dignifica em minoria.

Ainda assim algumas batalhas da militância parecem tão alienígenas para mim; ter de argumentar sobre nossas orientações pessoais com gente que se apoia na Bíblia, que diz “não tenho nada contra, mas não gostaria que meu filho visse na TV” - porque, pra esse povo, o filho ver traição, assassinato, mulher apanhando na novela tá de boas, isso nunca é uma questão. A gente tem de descer muito o patamar do discurso, expor o que deveria ser básico para tentar se comunicar com esses seres primitivos. (Na minha família nem se vê novela, para começar...)

Da mesma forma que achei absurdo o casal gay que está enfrentando protestos de moradores de uma rua em Curitiba, que não querem que eles construam uma casa lá, achei desproporcional, por exemplo, o depoimento do Fernando Grostein de Andrade (diretor de “Quebrando o Tabu” e irmão de Luciano Huck), que aos 35 anos de idade assume publicamente a homossexualidade no Youtube, para inspirar outros (como se não houvesse já milhares de canais de gays assumidos com metade da idade dele). Quando leio os comentários de matérias sobre esse assunto na internet parece que estou em outra época, em outro mundo. 

Jesus não ressuscitou, coelho não bota ovo e órgão excretor não reproduz!

“Nenhuma mãe gostaria de ter um filho gay” – esse povo toma a (parca) experiência pessoal como verdade absoluta. Não, muitas mães não se importam se o filho é gay ou não; há até aquelas que PREFEREM permanecer como a grande mulher na vida do filho. “Órgão excretor não reproduz” – verdade, assim como um casal de idade também não; e casais héteros não fazem sexo anal? E todo gay é obrigado a fazer?

Eu não vivo mesmo no mesmo universo que essas pessoas – alienação minha?

Voltando à família, e à família tradicional, que família que não tem um tio veado, uma tia sapa, uma ovelha negra, um urso pardo? Isso é o tradicional.


Há uns dois anos me ocorreu e perguntei pra minha irmã: a Valentina acha que o Murilo é o que, meu amigo?

“Claro que não, é o namorado do Tio Vampiro.”

“E ela não estranha?”

“Ela já nasceu nessa realidade. Para ela é o normal. Ela ainda vai aprender que isso é estranho para alguns.”

Tio Murilo
Parece que ainda não aprendeu. Prestes a completar 5 anos, Tio Murilo já estava presente no aniversário de 1 ano dela, e nós não somos os únicos. Com pais artistas, os amigos da família formam casais de todos os tipos: malabaristas, mulheres barbadas, engolidores de espada, cuspidores de fogo. A escolinha particular em Pinheiros segue o mesmo enfoque.

Nesses dias aqui em Maresias, ela teve sim, um primeiro estranhamento. Com Murilo ainda em São Paulo, comprando produtos para o restaurante, minha irmã explicou que ele não tinha chegado, que estava no meu apartamento. Aquilo já foi uma família moderna demais para ela:

“Mas por que eles moram separados?!”


(E não, isso não é fanfic gayzista.)


Enquanto isso, Tio Murilo recebe visita ilustre na cozinha do Guató. 


NESTE SÁBADO!