Familinha unida no local de trabalho do tio. |
Feriado de Páscoa e quatro anos de namoro/casamento.
Aproveitei para vir a Maresias, onde Murilo está comandando a cozinha do Guató, e convidei minha irmã, cunhado, sobrinha.
Devido à minha inclinação sorumbática, sou conhecido por
minha sobrinha como o “Tio Vampiro”; Murilo é apenas o “Tio Murilo”. Ainda que conservadores contestem, somos um casal, pelo menos é nisso o que minha
sobrinha acredita.
Assim como nunca precisamos da aprovação do estado, nunca
precisei enfrentar a sociedade. Nasci numa família de artistas e intelectuais,
bairro nobre de São Paulo, religião nunca foi argumento, o padrão nunca foi
desejado. Não posso dizer que nunca sofri preconceito porque a escola existe
para isso, o bullying básico do ensino fundamental. Seria ingenuidade também
pensar que a homossexualidade assumida nunca foi uma questão na minha carreira
literária, ainda que nunca tenha sido o tema central dos meus livros – mas
talvez tenha aberto portas quase tanto quanto tenha fechado; de certa forma
você se torna um representante. Nos tempos atuais de patrulha ideológica, ser
gay é o que me salva. Branco, paulistano, bem nascido, a homossexualidade me dignifica em minoria.
Ainda assim algumas batalhas da militância parecem tão
alienígenas para mim; ter de argumentar sobre nossas orientações pessoais com
gente que se apoia na Bíblia, que diz “não tenho nada contra, mas não gostaria
que meu filho visse na TV” - porque, pra esse povo, o filho ver traição,
assassinato, mulher apanhando na novela tá de boas, isso nunca é uma questão. A gente
tem de descer muito o patamar do discurso, expor o que deveria ser básico para tentar se comunicar com esses seres primitivos. (Na minha família nem se vê novela, para começar...)
Da mesma forma que achei absurdo o casal gay que está
enfrentando protestos de moradores de uma rua em Curitiba, que não querem que
eles construam uma casa lá, achei desproporcional, por exemplo, o depoimento do Fernando
Grostein de Andrade (diretor de “Quebrando o Tabu” e irmão de Luciano Huck),
que aos 35 anos de idade assume publicamente a homossexualidade no Youtube,
para inspirar outros (como se não houvesse já milhares de canais de gays
assumidos com metade da idade dele). Quando leio os comentários de matérias
sobre esse assunto na internet parece que estou em outra época, em outro mundo.
Jesus não ressuscitou, coelho não bota ovo e órgão excretor não reproduz! |
“Nenhuma mãe gostaria de ter um filho gay” – esse povo toma a (parca)
experiência pessoal como verdade absoluta. Não, muitas mães não se importam se
o filho é gay ou não; há até aquelas que PREFEREM permanecer como a grande
mulher na vida do filho. “Órgão excretor não reproduz” – verdade, assim como um casal de
idade também não; e casais héteros não fazem sexo anal? E todo gay é obrigado a
fazer?
Eu não vivo mesmo no mesmo universo que essas pessoas –
alienação minha?
Voltando à família, e à família tradicional, que família que
não tem um tio veado, uma tia sapa, uma ovelha negra, um urso pardo? Isso é o tradicional.
Há uns dois anos me ocorreu e perguntei pra minha irmã: a
Valentina acha que o Murilo é o que, meu amigo?
“Claro que não, é o namorado do Tio Vampiro.”
“E ela não estranha?”
“Ela já nasceu nessa realidade. Para ela é o normal. Ela
ainda vai aprender que isso é estranho para alguns.”
Tio Murilo |
Parece que ainda não aprendeu. Prestes a completar 5 anos, Tio Murilo já estava presente no aniversário de 1 ano dela, e nós não somos os
únicos. Com pais artistas, os amigos da família formam casais de todos os
tipos: malabaristas, mulheres barbadas, engolidores de espada, cuspidores de fogo. A escolinha particular em Pinheiros segue o mesmo enfoque.
Nesses dias aqui em Maresias, ela teve sim, um primeiro
estranhamento. Com Murilo ainda em São Paulo, comprando produtos para o
restaurante, minha irmã explicou que ele não tinha chegado, que estava no meu
apartamento. Aquilo já foi uma família moderna demais para ela:
“Mas por que eles moram separados?!”
(E não, isso não é fanfic gayzista.)
Enquanto isso, Tio Murilo recebe visita ilustre na cozinha do Guató. |