A turma. |
Passei os últimos dias trancado com uma dúzia de malucos,
num sítio afastado, sem sinal de celular e internet.
O “Fim de Semana do Terror” foi organizado pela Cássia
Carrenho (ex-Carlos Carrenho) para reunir novos autores de terror, thriller e
policial, com grandes nomes do gênero como a Ilana Casoy (o maior nome da literatura criminal no Brasil), Mariana Rolier (editora da Harper Collins, com passagens pela Rocco,
Leya e Ediouro), Raphael Montes (garoto prodígio da literatura policial) e eu. Os
inscritos traziam ideias sobre o que estavam escrevendo para debatermos todos,
e nós dávamos direcionamentos possíveis e workshops sobre a escrita.
A sala onde os inscritos apresentavam suas ideias. |
Nunca me considero apto a ensinar ninguém a escrever. Não
dou oficinas, não tenho fórmulas, não tenho metodologia e cada livro meu é
conduzido de uma forma, de maneiras muito instintivas. Então dividi com eles
minha experiência no mercado, apontei caminhos da escrita de horror (e
pós-terror) e passei depoimentos de outros conhecedores do gênero por aqui (Antônio Xerxenesky, Carlos Primati, Hugo Guimarães e Fernando de Abreu Barreto). Já Raphael apresentou
estruturas do romance policial, com bastante embasamento, Ilana dividiu algumas
de suas histórias e entrevistas em vídeo com “assassinos célebres” e Mariana
deu o “outro lado”, das editoras.
Eu nunca tive crise criativa, nunca fiquei travado para
escrever e, bem ou mal, sempre consegui viabilizar meus projetos literários em
nove livros publicados por grandes editoras. Então foi nas conversas
individuais que tivemos no domingo que me senti mais no meu território. Os
novos autores sentavam-se comigo e traziam o que estavam trabalhando e eu
conseguia ver claramente caminhos possíveis, desenvolvimentos para a história,
tinha de me conter para não dar a eles uma trama completa.
Os meninos (que iam de 21 até 71 anos) tinham ótimas ideias.
Mas achei curioso como todas as propostas eram baseadas em enredo, e enredos
bastantes complexos, fossem no romance ou no conto. Talvez pela maioria ser fã
do Raphael e da Ilana, traziam macro-histórias de investigação policial, que
remetiam a traumas da infância e se desdobravam em épicos. Eu, como grande
partidário do minimalismo, tentava conduzi-los ao simples, à essência. Ontem,
conversando no café da manhã, em cinco minutos eu e Ilana desenvolvemos uma
ideia de conto para exemplificar a eles:
“Imagine eu e Ilana tomando café aqui na varanda, vendo os
esquilos passarem, conversando sobre as manchetes criminais do momento.
Esperamos pela Mariana, que demora a acordar. Ilana conta sobre um serial killler que age pela região,
matando mulheres. Raphael chega e perguntamos se ele viu a Mariana, que costuma
acordar cedo. Ninguém sabe dela. Então vemos um esquilo carregando um dedo de
mulher na boca...”
Temos aí um conto completo, uma única cena (que obviamente
precisa ser desenvolvida em clima e diálogos). Era a uma simplicidade assim que
eu tentava direcioná-los.
Também repeti incansavelmente a pergunta básica que faço a todos
novos autores: “mas o que você quer dizer?” Acho curioso que os aspirantes a
autor de gênero sejam tão conduzidos por histórias, mas menos por conceitos e
pulsões internas, que é o que garante a densidade do
texto. Uma coisa é a história que você criou, outra coisa é uma verdade que você precisa comunicar.
Um romance como “Neve Negra” nasce da minha necessidade de
tratar das questões da paternidade. O que eu quero dizer é isso, como a
paternidade pode ser uma utopia cruel. Com esse tema martelando na minha mente,
vou atrás de um personagem que possa personificá-lo – poderia ser um novo pai
adolescente, um pai solteiro, um pai adotivo; escolhi um pai tardio, meio
ausente. Com o conceito e o personagem, a história vai se desenvolvendo meio
que naturalmente para mim.
Ilana debatendo na varanda. |
O fim de semana também teve churrasco, não faltaram bebidas,
e jogamos uma partida de “Perfil” temático de terror, onde criei fichas sobre
filmes, livros, crimes reais e métodos de assassinato. O pessoal todo foi muito
querido e, apesar de backgrounds tão diferentes, tudo fluiu muito suave, com a
paixão de todos pelo gênero. Valeu bem.
O encontro também gerará uma antologia, com contos de todos
nós, a ser lançada por plataformas digitais e, quem sabe, em formato físico.
Não sei quando acontecerá outro encontro desses, com outra
turma. Mas a Cássia já está organizando outras viagens de imersão, com
outros gêneros e outros autores. Fique ligado no site dela:
Para coroar o fim de semana, Raphael se redimiu de sua distância e hoje escreveu na sua coluna no Globo não só sobre nossa experiência, como sobre meu livro:
Para ler inteiro, aqui: