Já à venda. |
Aceitei participar não só pela boa ação - porque boas ações raramente geram boa literatura - mas pelo que o tema me instigava. Gostei bem do resultado. Meu conto "Domingo Maior" é praticamente uma história de fantasma, um conto de pós-terror, como uma prova de que esse novo subgênero está aí de fato para tratar de questões mais densas.
A mãe tirou o prato do forno, levou até ele. “Cuidado que está quente”, mas não estava muito. O dia havia acabado, já estava escuro, mas ela não se preocupou mais em acender a luz; sentou-se ao lado dele e ficou observando o filho comer com apetite. Lembrava um pouco o marido, lembrava um pouco ela mesma, era um menino que ela havia amado por toda a vida, que quase lamentava amar para sempre, porque para sempre ela iria sofrer...
Escrever contos sempre é um bom exercício, uma maneira de testar novos formatos, temas, tratar de questões mais imediatas (como essa), e fico feliz que este ano tenham me encomendado um punhado deles.
Ilustração de Marcos Garuti para meu conto na revista do Sesc. |
A morte de João Gilberto Noll, por exemplo, também me inspirou um pós-terror: "A Coelha Vampira", que publiquei na revista do Sesc (e depois em versão estendida aqui no blog).
Um bicho de estimação é um exercício de síndrome de Estocolmo. Ela não precisava de mim, eu não gerava empatia, e sentia que fracassava miseravelmente como sequestrador. Perguntava-me se para a síndrome se estabelecer era preciso um mínimo de charme por parte do perpetrador, um mínimo de ameaça, transgressão, juventude, coisas que eu não tinha, e a coelha sentia. A coelha sentia falta.
Mês passado também publiquei um conto no jornal Cândido, da Biblioteca Pública do Paraná, uma resposta aos neo-consevadores que querem limitar os temas da arte e da literatura, uma visão de violência pelos olhos do agressor: "Maldita Primavera", aqui.
Marcelo levanta-se e olha para baixo. Fecha o zíper. A menina como um personagem de desenho animado, esmagado por um rolo compressor. Não, seu pulmão ainda infla. Palpita. Marcelo pega o tijolo ao lado e é um golpe rápido na lateral esquerda da cabeça. Pronto, nada mais a palpitar. Geleia orgânica. Ele sente o ombro. Um gosto azedo na boca. O cheiro pungente de seus próprios líquidos e os mosquitos o devorando vivo.
Pré-Trevoso ilustrado por Wagner William. |
Então o velho o viu, com pés leves, pernas longas, passos largos, como Jesus caminhando como um lagarto sobre as águas. O menino. Ocre como a lama. Vasta cabeleira desgrenhada. Com um balde em mãos. Saltava catando os caranguejos.
O texto integral só saiu na revista impressa. Quero reunir esses e outros para um novo volume de contos, contos de "pós-terror" ou apenas um pós-Pornofantasma. Sei que livro de contos é visto como algo menor no mercado, então estou me concentrando em publicar antes um novo romance (que ainda levará um bom tempo para eu terminar - vai numa direção totalmente diferente dos meus romances mais recentes), mas ano que vem devo experimentar uma pequena publicação para outro público... E antes disso tenho de fazer o conto para a antologia de terror com os novos autores que encontramos no fim de semana. Felizmente, a criatividade continua pululando por aqui.