13/06/2018

AS LIVRARIAS DA VIDA

Na Biblioteca de Adamantina, ano passado. 


Nos últimos anos rodei por um circuito de bibliotecas públicas de São Paulo, do interior e do Paraná, em programas de aproximar escritores e comunidade (principalmente estudantes), estimular o hábito da leitura e desmitificar a literatura como algo aburrido e distante.

Espero que eu tenha cumprido minha parte.

Esse encontro com as bibliotecas não foi um “reencontro”, foi uma experiência nova, em cenários novos, onde passei algumas horas conversando com bibliotecárias nos bastidores, passeando por acervos muitas vezes constrangedores, vez ou outra surpreendentes, entendendo como funcionavam aqueles espaços.

Nunca frequentei bibliotecas. Nascido e criado na capital, filho de pais leitores, os livros para mim sempre estiveram ao alcance, da livraria para a casa. Na infância, visitar livrarias era um programa rotineiro, para escolher livros – de contos dos irmãos Grimm a Ruth Rocha, Eva Funari e livros de ciências sobre animais (principalmente répteis, eu era um geek nesse sentido). São Paulo era bem melhor em livrarias – livrarias pequenas, de bairro, que faziam toda a diferença pelos livreiros.

As livrarias dividiam essa função com as bibliotecas - incentivar o hábito de leitura, para quem podia pagar - assim como eram um ponto de encontro de escritores e intelectuais. O ponto de encontro talvez se mantenha em menor medida, em algumas, como a Vila da Fradique ou em sebos para um público específico. (O Clepsidra, por exemplo, na Cesário Mota Júnior é imbatível em literatura gótica. Também me lembro com saudades dos longos papos que eu tinha com o Evandro Affonso Ferreira em seu Sebo Avalovara - em que ele só vendia literatura e mandava embora quem vinha pedir Dan Brown).


O ótimo papo que tive ano passado, com o amigo de longa data, Cid Vale, no Sebo Clepsidra. 

Minha mãe trabalhou muito tempo em livraria. Desde a Argumento (que era de meu tio-avô, Fernando Gasparian, também editor da Paz e Terra), passando pela Vila e a “lendária” Antes do Baile Verde, na Gabriel Monteiro da Silva. Ela ocupou cargos diversos de vendedora, compradora, gerente, mas nunca foi dona. Semana passada me falava como esse era um grande sonho não-realizado:

“Sempre sonho com a possibilidade de a gente pegar um nicho de pessoas que gostam mesmo de ler, que odeiam as grandes redes, que não se sentem bem com a falta de livreiros. Uma coisa pequena, sem livros de arte, só literatura e infantil. Talvez cozinha, porque hoje cozinha vende. Menor que a Blooks. Eu acredito que as livrarias grandes estão quebrando porque todo mundo se perde lá dentro, não existem livreiros, e livro muitas vezes inibe. Além de não ser barato. "

Eu mesmo já trabalhei em livraria. Aos dezenove anos fui vendedor por um curto período na Vila (da Fradique), depois o dono me convidou para trabalhar no projeto e lançamento da primeira livraria gay do Brasil – a Livraria do Meio, na Oscar Freire, que durou pouco tempo e se transformou na Futuro Infinito.

Hoje tenho uma visão menos esperançosa do que minha mãe. Se as grandes quebram porque o povo se perde, as pequenas não conseguem concorrer nos descontos, no volume, com as vendas online. Sugeri a ela que talvez pudesse funcionar sendo mais um café com livros – mais café do que livraria – um lugar bacana para ser esse ponto de encontro, fazer lançamentos todas as noites, porque São Paulo não tem um lugar gostoso para fazer lançamentos, onde as pessoas possam se sentar, conversar, tomar algo. Em livraria é aquela coisa fria e transitória, ou então o povo faz em bar, em muquifo no centro...

“Não quero um café que funcione mais do que uma livraria. Além disso, lançamento todo dia é ceder para lançar porcarias, o que não seria a minha ideia”, disse dona Elisa.

Com André Fischer e os queridos do Põe na Roda, na Fnac, ainda ano passado. 

Esses dias a Livraria Cultura, que agora comanda as operações da Fnac no Brasil, anunciou o fechamento da Fnac de Pinheiro, a primeira loja da rede do país, ocupando o lugar do antigo Shopping Ática (que era quase todo só de livros, e no qual minha mãe foi gerente de literatura). Há muito que aquela loja andava capenga – mas curiosamente, foi a única livraria em que fiz uma mesa ano passado (com André Fischer), ainda recebendo cachê, talvez numa tentativa da rede de conseguir uma sobrevida.

Acho que ajudei a enterrar o lugar...


Responda rápido: Cultura ou Mercado?

O que resta de livrarias em São Paulo é deprimente – biboquinhas vendendo papelaria ou grandes redes com brinquedos, eletrodomésticos, rodas tomadas por livros de youtubbers e de minecraft. E infelizmente é uma realidade mundial. Se ainda podemos nos impressionar visitando as livrarias de Buenos Aires, Paris, Londres e Nova York, não se pode comparar com o que essas cidades tinham no passado.

Mas, se as livrarias, se os os livros estão ameaçados, tento manter o otimismo em relação aos escritores. Como produtores de conteúdo, talvez consigamos sobreviver com as palestras, os roteiros. O mercado das séries só cresce – o de games também. De uma forma ou de outra, se não nos prendermos a um único formato, um formato falido, o livro, talvez sobrevivamos como contadores de histórias. Mas tá difícil. Tá bem difícil.

06/06/2018

CRÍTICA NEGATIVA

Publiquei ontem na Folha mais uma crítica negativa, de mais um romance de "mulher alcoólatra de meia idade abandonada pelo marido", aparentemente uma onda atual.

Ronaldo Bressane comentou abrindo uma discussão interessante, questionando por que se perdia tempo com crítica negativa, com livro que "não merecia espaço".

"O que eu não entendo mesmo é por que motivo você resenhou de novo mais um livro ruim. não tem realmente nenhum lançamento bom para você nos apresentar? Não vejo o menor sentido em dar espaço pra livro merda. mesmo que se fale mal, está ocupando espaço que poderia ser dado para uma obra relevante."

Obviamente que a resenha em questão foi uma encomenda; a Folha me enviou, eu li e registrei minhas impressões sinceras. E crítica tem de ser assim mesmo. Não faria sentido eu só poder elogiar, ou o texto apenas ser publicado se a crítica fosse positiva. É um trabalho, pelo qual estou recebendo.

A crítica negativa também tem sua função. Esse, no caso, é um livro campeão de vendas, traduzido para diversas línguas, está sendo adaptado para o cinema, tem sua relevância para ser resenhado - nem que seja para observar uma tendência atual.

Como autor, prefiro uma resenha negativa a não sair nada. Muitas vezes a gente fica com uma impressão equivocada da própria obra por causa disso - todo mundo só fala bem, não porque o livro é uma unanimidade, mas porque quem não gostou fica quieto.

Nas vezes em que eu proponho para o jornal, ou coloco aqui no blog ou no Facebook, foco em livros que gostei. E não se pode dizer que deixo de apresentar novos talentos: Ana Paula Maia, Raphael Montes, Hugo Guimarães, Fernando de Abreu Barreto, Kiko Rieser, Mauro Nunes, Victoria Saramago, Daniel Lisboa e Gabriel Spits são alguns dos nomes de quem eu fui o primeiro a falar, seja aqui no blog, na Folha, no Facebook ou assinando orelha.

Anos atrás, num texto para o Suplemento Pernambuco, discorri um pouco sobre isso, sobre a importância da crítica, com depoimentos de autores como Andrea del Fuego, Evandro Affonso Ferreira, Veronica Stigger e Paula Fábrio.

“Já não há muito espaço. Por que ocupar com resenha negativa?” - disse Veronica Stigger

“Na hora [em que se lê a resenha negativa] a dor é física. Mas depois eu prefiro [a não sair nada]. Gera uma discussão sobre o livro.” - disse Del Fuego

O texto integral pode ser lido aqui: 

http://www.suplementopernambuco.com.br/edi%C3%A7%C3%B5es-anteriores/85-cronica/1427-a-quem-interessa-a-cr%C3%ADtica-liter%C3%A1ria.html

Segue então a crítica de ontem na Folha:

Abandonada pelo marido, uma mulher alcoólatra e solitária cria uma obsessão pela vizinha, que vive um relacionamento abusivo. Temos aqui as linhas gerais de A Mulher na Janela, mais um “romance de sororidade”, com premissa idêntica a sucessos como A Garota do trem, de Paula Hawkins, e A Mulher entre nós, de Greer Hendricks e Sarah Pekkanen (que resenhei há poucas semanas para a Folha). Desta vez a autoria é de um homem, A. J. Finn, pseudônimo do editor americano Daniel Mallory, que teve um sucesso instantâneo com essa sua primeira obra, primeiro lugar na lista do The New York Times, vendida para quase quarenta países e direitos para cinema adquiridos pela 20th Century Fox.
Em A Mulher na Janela a protagonista é Anna Fox, um psicóloga de meia idade, que desenvolveu agorafobia  (pavor de espaços abertos) depois de um acidente de carro. Trancada em sua enorme casa no Harlem, ela passa os dias espiando os vizinhos pela janela, misturando medicamentos tarja preta com vinho, até que testemunha uma agressão – ou um possível assassinato – de sua vizinha na casa logo em frente. Obviamente, ninguém acreditará no que ela viu.
Composto por cem capítulos curtos, em parágrafos também curtos e objetivos, o romance parece ter sido feito de encomenda para o cinema, incluindo dezenas de referência a filmes noir, favoritos da protagonista, que ditam muito do estilo da narrativa (sendo Janela Indiscreta, de Alfred Hitchcock, uma das referências mais óbvias). Em termos literários, é uma nulidade, não comunicando nada além da trama, não trazendo nenhuma reflexão mais densa ou inovação no estilo.
Se nada se extrai do texto, a elegância da prosa e a sofisticação do universo narrativo afastam um possível tom cafona, tão comum em literatura de massa; é uma leitura bastante fácil, prazerosa, que não ofende a inteligência. Entretanto, a revelação final do livro, em longos diálogos expositivos (em meio a uma tempestade de relâmpagos, para piorar), é preguiçosa e decepcionante, fechando o livro em baixa. A impressão que fica é de um roteiro mal acabado. Melhor esperar pelo filme.
Avaliação: Regular

NESTE SÁBADO!