Na Biblioteca de Adamantina, ano passado. |
Espero que eu tenha cumprido minha parte.
Esse encontro com as bibliotecas não foi um “reencontro”, foi uma experiência nova, em cenários novos, onde passei algumas horas conversando com bibliotecárias nos bastidores, passeando por acervos muitas vezes constrangedores, vez ou outra surpreendentes, entendendo como funcionavam aqueles espaços.
Nunca frequentei bibliotecas. Nascido e criado na capital, filho de pais leitores, os livros para mim sempre estiveram ao alcance, da livraria para a casa. Na infância, visitar livrarias era um programa rotineiro, para escolher livros – de contos dos irmãos Grimm a Ruth Rocha, Eva Funari e livros de ciências sobre animais (principalmente répteis, eu era um geek nesse sentido). São Paulo era bem melhor em livrarias – livrarias pequenas, de bairro, que faziam toda a diferença pelos livreiros.
As livrarias dividiam essa função com as bibliotecas - incentivar o hábito de leitura, para quem podia pagar - assim como eram um ponto de encontro de escritores e intelectuais. O ponto de encontro talvez se mantenha em menor medida, em algumas, como a Vila da Fradique ou em sebos para um público específico. (O Clepsidra, por exemplo, na Cesário Mota Júnior é imbatível em literatura gótica. Também me lembro com saudades dos longos papos que eu tinha com o Evandro Affonso Ferreira em seu Sebo Avalovara - em que ele só vendia literatura e mandava embora quem vinha pedir Dan Brown).
O ótimo papo que tive ano passado, com o amigo de longa data, Cid Vale, no Sebo Clepsidra.
Minha mãe trabalhou muito tempo em livraria. Desde a Argumento (que era de meu tio-avô, Fernando Gasparian, também editor da Paz e Terra), passando pela Vila e a “lendária” Antes do Baile Verde, na Gabriel Monteiro da Silva. Ela ocupou cargos diversos de vendedora, compradora, gerente, mas nunca foi dona. Semana passada me falava como esse era um grande sonho não-realizado:
“Sempre sonho com a possibilidade de a gente pegar um nicho de pessoas que gostam mesmo de ler, que odeiam as grandes redes, que não se sentem bem com a falta de livreiros. Uma coisa pequena, sem livros de arte, só literatura e infantil. Talvez cozinha, porque hoje cozinha vende. Menor que a Blooks. Eu acredito que as livrarias grandes estão quebrando porque todo mundo se perde lá dentro, não existem livreiros, e livro muitas vezes inibe. Além de não ser barato. "
Eu mesmo já trabalhei em livraria. Aos dezenove anos fui vendedor por um curto período na Vila (da Fradique), depois o dono me convidou para trabalhar no projeto e lançamento da primeira livraria gay do Brasil – a Livraria do Meio, na Oscar Freire, que durou pouco tempo e se transformou na Futuro Infinito.
Hoje tenho uma visão menos esperançosa do que minha mãe. Se as grandes quebram porque o povo se perde, as pequenas não conseguem concorrer nos descontos, no volume, com as vendas online. Sugeri a ela que talvez pudesse funcionar sendo mais um café com livros – mais café do que livraria – um lugar bacana para ser esse ponto de encontro, fazer lançamentos todas as noites, porque São Paulo não tem um lugar gostoso para fazer lançamentos, onde as pessoas possam se sentar, conversar, tomar algo. Em livraria é aquela coisa fria e transitória, ou então o povo faz em bar, em muquifo no centro...
“Não quero um café que funcione mais do que uma livraria. Além disso, lançamento todo dia é ceder para lançar porcarias, o que não seria a minha ideia”, disse dona Elisa.
Com André Fischer e os queridos do Põe na Roda, na Fnac, ainda ano passado. |
Esses dias a Livraria Cultura, que agora comanda as operações da Fnac no Brasil, anunciou o fechamento da Fnac de Pinheiro, a primeira loja da rede do país, ocupando o lugar do antigo Shopping Ática (que era quase todo só de livros, e no qual minha mãe foi gerente de literatura). Há muito que aquela loja andava capenga – mas curiosamente, foi a única livraria em que fiz uma mesa ano passado (com André Fischer), ainda recebendo cachê, talvez numa tentativa da rede de conseguir uma sobrevida.
Acho que ajudei a enterrar o lugar...
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O que resta de livrarias em São Paulo é deprimente – biboquinhas vendendo papelaria ou grandes redes com brinquedos, eletrodomésticos, rodas tomadas por livros de youtubbers e de minecraft. E infelizmente é uma realidade mundial. Se ainda podemos nos impressionar visitando as livrarias de Buenos Aires, Paris, Londres e Nova York, não se pode comparar com o que essas cidades tinham no passado.
Mas, se as livrarias, se os os livros estão ameaçados, tento manter o otimismo em relação aos escritores. Como produtores de conteúdo, talvez consigamos sobreviver com as palestras, os roteiros. O mercado das séries só cresce – o de games também. De uma forma ou de outra, se não nos prendermos a um único formato, um formato falido, o livro, talvez sobrevivamos como contadores de histórias. Mas tá difícil. Tá bem difícil.