06/06/2018

CRÍTICA NEGATIVA

Publiquei ontem na Folha mais uma crítica negativa, de mais um romance de "mulher alcoólatra de meia idade abandonada pelo marido", aparentemente uma onda atual.

Ronaldo Bressane comentou abrindo uma discussão interessante, questionando por que se perdia tempo com crítica negativa, com livro que "não merecia espaço".

"O que eu não entendo mesmo é por que motivo você resenhou de novo mais um livro ruim. não tem realmente nenhum lançamento bom para você nos apresentar? Não vejo o menor sentido em dar espaço pra livro merda. mesmo que se fale mal, está ocupando espaço que poderia ser dado para uma obra relevante."

Obviamente que a resenha em questão foi uma encomenda; a Folha me enviou, eu li e registrei minhas impressões sinceras. E crítica tem de ser assim mesmo. Não faria sentido eu só poder elogiar, ou o texto apenas ser publicado se a crítica fosse positiva. É um trabalho, pelo qual estou recebendo.

A crítica negativa também tem sua função. Esse, no caso, é um livro campeão de vendas, traduzido para diversas línguas, está sendo adaptado para o cinema, tem sua relevância para ser resenhado - nem que seja para observar uma tendência atual.

Como autor, prefiro uma resenha negativa a não sair nada. Muitas vezes a gente fica com uma impressão equivocada da própria obra por causa disso - todo mundo só fala bem, não porque o livro é uma unanimidade, mas porque quem não gostou fica quieto.

Nas vezes em que eu proponho para o jornal, ou coloco aqui no blog ou no Facebook, foco em livros que gostei. E não se pode dizer que deixo de apresentar novos talentos: Ana Paula Maia, Raphael Montes, Hugo Guimarães, Fernando de Abreu Barreto, Kiko Rieser, Mauro Nunes, Victoria Saramago, Daniel Lisboa e Gabriel Spits são alguns dos nomes de quem eu fui o primeiro a falar, seja aqui no blog, na Folha, no Facebook ou assinando orelha.

Anos atrás, num texto para o Suplemento Pernambuco, discorri um pouco sobre isso, sobre a importância da crítica, com depoimentos de autores como Andrea del Fuego, Evandro Affonso Ferreira, Veronica Stigger e Paula Fábrio.

“Já não há muito espaço. Por que ocupar com resenha negativa?” - disse Veronica Stigger

“Na hora [em que se lê a resenha negativa] a dor é física. Mas depois eu prefiro [a não sair nada]. Gera uma discussão sobre o livro.” - disse Del Fuego

O texto integral pode ser lido aqui: 

http://www.suplementopernambuco.com.br/edi%C3%A7%C3%B5es-anteriores/85-cronica/1427-a-quem-interessa-a-cr%C3%ADtica-liter%C3%A1ria.html

Segue então a crítica de ontem na Folha:

Abandonada pelo marido, uma mulher alcoólatra e solitária cria uma obsessão pela vizinha, que vive um relacionamento abusivo. Temos aqui as linhas gerais de A Mulher na Janela, mais um “romance de sororidade”, com premissa idêntica a sucessos como A Garota do trem, de Paula Hawkins, e A Mulher entre nós, de Greer Hendricks e Sarah Pekkanen (que resenhei há poucas semanas para a Folha). Desta vez a autoria é de um homem, A. J. Finn, pseudônimo do editor americano Daniel Mallory, que teve um sucesso instantâneo com essa sua primeira obra, primeiro lugar na lista do The New York Times, vendida para quase quarenta países e direitos para cinema adquiridos pela 20th Century Fox.
Em A Mulher na Janela a protagonista é Anna Fox, um psicóloga de meia idade, que desenvolveu agorafobia  (pavor de espaços abertos) depois de um acidente de carro. Trancada em sua enorme casa no Harlem, ela passa os dias espiando os vizinhos pela janela, misturando medicamentos tarja preta com vinho, até que testemunha uma agressão – ou um possível assassinato – de sua vizinha na casa logo em frente. Obviamente, ninguém acreditará no que ela viu.
Composto por cem capítulos curtos, em parágrafos também curtos e objetivos, o romance parece ter sido feito de encomenda para o cinema, incluindo dezenas de referência a filmes noir, favoritos da protagonista, que ditam muito do estilo da narrativa (sendo Janela Indiscreta, de Alfred Hitchcock, uma das referências mais óbvias). Em termos literários, é uma nulidade, não comunicando nada além da trama, não trazendo nenhuma reflexão mais densa ou inovação no estilo.
Se nada se extrai do texto, a elegância da prosa e a sofisticação do universo narrativo afastam um possível tom cafona, tão comum em literatura de massa; é uma leitura bastante fácil, prazerosa, que não ofende a inteligência. Entretanto, a revelação final do livro, em longos diálogos expositivos (em meio a uma tempestade de relâmpagos, para piorar), é preguiçosa e decepcionante, fechando o livro em baixa. A impressão que fica é de um roteiro mal acabado. Melhor esperar pelo filme.
Avaliação: Regular

ENTÂO VOCÊ SE CONSIDERA ESCRITOR?

Então você se considera escritor? (Trago questões, não trago respostas...) Eu sempre vejo com certo cinismo, quando alguém coloca: fulan...