25/07/2018

CINEMA NOVO

Do baixo augusta para o mundo. 


Ontem fui na pré-estreia do novo longa do Esmir Filho (do fantástico "Os Famosos e os Duendes da Morte") com Mariana Bastos. Temia que fosse uma comedia romântica indie, e começa um pouco nesse tom, mas o filme envereda por outros caminhos, encerra-se brilhantemente, e me despertou várias lembranças e reflexões.




A história segue um casal de amigos - ele (André Antunes), um garoto gay, e ela (Caroline Abras), a amiga louquinha - que começa no baixo augusta e se estende para Berlim. O longa foi filmado ao longo de doze anos (a la "Boyhood"), iniciando com um curta, que eu já tinha visto lá por 2006.

É um filme que diz muito sobre essa geração, a minha geração, e sobre essa camada paulistana, nossos percursos e nossa fase da vida.

Não por acaso, lá no começo dos 2000, conheci tantos, tantos desses novos cineastas - incluindo o Esmir, Daniel Ribeiro, Marco Dutra, Sergio Silva, Charly Braun, Juliana Rojas, Rafael Primot, Gustavo Vinagre, Felipe Sholl, Ismael Caneppele - literalmente nos cenários do filme, no baixo augusta. Nos botecos de esquina, no Vegas, n´Aloca, eu comemorava meus primeiros passos como autor e conferia os primeiros curtas deles, no Festival Mix Brasil, no Espaço Unibanco da Augusta.

Muitos de nós também seguiram para a Europa, para Berlim, e agora nos deparamos com a demolição da antiga vida de baladas, com novas responsabilidades, a vida ao redor dos 40, novas configurações de famílias e filhos.

Sintomático que, pouco antes de a sessão começar, encontrei o DJ Tutu Moraes (que na minha época era apenas Arthur), que trocou aquele "sumido, nunca mais te vi na noite, achei que estava morando na Europa", com o meu "já fui, já voltei, agora estou casado, não saio nunca." Daí o filme se desenrolou com essa história.

Acho lindo a rédea que os amigos estão tomando do cinema nacional. Tem muita coisa boa, novos temas, novos gêneros. Mereciam ser mais vistos, mas já é incrível que estejam conseguindo produzir tanto e tão bem. Dou aqui alguns dos meus favoritos:

O terror do Marco Dutra e da Juliana Rojas: 



O suspense polanskiano do Primot: 




O romance amoral do Sholl: 




Agora... se tenho uma crítica veemente a fazer para essa geração de cineastas é quanto a escolha dos "títulos. "Gata Velha Ainda Mia", "Trabalhar Cansa", "Os Famosos e os Duendes da Morte" e mesmo "Alguma Coisa Assim" são títulos de doer, que não condizem com o material e afastam o grande público.

Se não fossem meus amigos, eu não iria.


("Alguma Coisa Assim" estreia amanhã)

22/07/2018

LEIA QUEM QUISER

“Pode me dar uma opinião sobre um texto meu? É curto.”

Que pavor, que tensão, que responsabilidade terrível... Será que todo escritor passa por isso? Ler três, ou oitenta, ou duzentas páginas nunca é fácil . Sempre leva tempo. Sempre é um compromisso. Ao menos para mim. 

Não tenho fórmulas, não tenho respostas, mas preciso encontrá-las. É diferente de ler por lazer, por estudo, até por trabalho. Numa leitura crítica ou resenha para jornal, eu dou minhas impressões – numa leitura para um colega eu preciso dar soluções. Ou ao menos sugestões, isso nunca é fácil.

Acabo de ler um desses. Um belo livro de apenas 80 páginas. E foram dias para ler, reler, tentar entender a estrutura, pensar em alternativas, colocar isso em palavras. (E claro, sem receber nada). Quando o livro é bom, é uma responsabilidade – será que estou à altura de sugerir algo? Ajuda simplesmente elogiar? Quando o livro é ruim, coloca-se em jogo o respeito e amizade – “Quem ele é afinal para criticar?” Bem, sou a pessoa para quem você enviou o livro.

Já tive amizades abaladas por isso. Falei o que o autor não queria ouvir. Talvez ele só quisesse elogios. Provavelmente só queria que eu indicasse uma editora. Desconfio que muitos que me pedem leitura nem tem mesmo porque me respeitar, nunca nem leram nada que publiquei. Só sei que quando recebo aquela típica mensagem de “Primeiramente, gostaria de te parabenizar pelo seu livro...” já estremeço, “também escrevo”, suo frio, “gostaria de saber se poderia ler um conto /capítulo /romance que escrevi,” eu sangro...

(Geralmente já paro no "primeiramente". Pavor. Fica a dica: nunca comece com "primeiramente...")

Quando aceito, fico com aquele arquivo latejando no HD. Enquanto jogo videogame, vejo um filme bagaceiro, enquanto me masturbo, sinto que há um escritor iniciante sentado na minha sala de espera.

Como autor, eu mesmo nunca sei para quem mandar, nunca quero pedir, incomodar. Sempre me admiro com os "acknowledgements" dos autores que traduzo - com dúzias e dúzias de nomes de amigos, colegas, editores, agentes, que leram "incontáveis versões" dos manuscritos. Talvez seja porque lá fora tenha alguma grana para as publicações, para as leituras críticas. Por aqui, muitos dos meus livros nem tenho certeza se o EDITOR leu; não gosto de pedir nem para meu marido, para minha agente, para quem ENCOMENDOU o livro. Imagina se posso me dar ao luxo de ter várias leituras, de diversas versões em processo. Sempre sinto que estou incomodando. Quem afinal se importa com o que tenho a dizer?


03/07/2018

LEMBRANÇAS DA RÚSSIA


Rússia no filtro de 2011. 

O mundo só fala de futebol. E ainda me surpreendo que tantos escritores engrossem o coro. Na busca por uma voz, um universo, uma identidade literária, não deveríamos ter nossos temas exclusivos? Não. O escritor bem sucedido é aquele que fala o que todo mundo está falando, que escreve o que todo mundo quer ler, que gosta de futebol, de samba, de MPB; venera Machado, lê Chico Buarque, não tem nada de novo a dizer...

Quem faz diferente não faz diferença, já dizia eu em BIOFOBIA.

Então aqui estou eu, falando de futebol. Ou quase. Não assisti a jogo nenhum, não por protesto, apenas desinteresse. Na infância, adolescência, a gente ainda se obriga, assiste ao jogo para pertencer. Para mim, sempre foi um tédio. Hoje, sozinho aqui em casa, não tem mais por quê, não tem ninguém para deixar a TV ligada.

Mas ainda pego as rebarbas no jornal da noite, no feed dos amigos...

O que essa Copa despertou em mim foi saudades da bela Rússia, onde estive duas vezes, em outubro e dezembro de 2011, durante minha temporada na Finlândia.

O inverno de 2011 foi atípico na Rússia - demorou para começar. (nesta foto, em dezembro, estava cerca de 5 graus positivos, mas tirei o casaco para impressionar). 

São Petersburgo fica a apenas 3 horas de trem de Helsinque e é uma viagem bem curiosa. Segue-se por cenários bucólicos, nevados, casinhas no bosque, até sair da Finlândia. Daí o cenário muda completamente e parece que cruzamos vilas bombardeadas, casas em ruínas, anunciando que a vida por lá é mais dura.

O controle de passaporte é feito no próprio trem em movimento. Oficiais passam, verificam os documentos (uma vez reviraram minha mala) e carimbam. Se eu fosse recusado, não sei se me mandariam descer ou me colocariam num trem de volta...




A cidade é linda, com aquele ar imponente, cheia de monumentos, cortada por rios. Mais lindo ainda são os meninos  - o povo mais lindo que já vi no mundo! Todos com aqueles rostos angulosos, talhados, meio freaks... e eles te encaram. O povo anda na rua olhando feio; não se sabe se querem te matar ou te comer...



Em 2011, quando estive lá, ainda não tinha passado a lei "antipropaganda gay", que proibe qualquer manifestação LGBT em público. Então ainda havia boates gays bem divertidas. Uma delas era o Cabaré, que fazia jus ao nome: tinha pista de dança, karaokê, e shows de drag a noite toda; assisti inclusive a uma performance de "Tico-tico no Fubá" em Russo.

Na boate gay. 

Outra boate em que fui era a Central Station, com garçons (incríiiiiiiiveis) só de sunguinha e gravata borboleta, e também tinha shows e karaokê. Isso era uma coisa bem bacana das boates de lá, tinha muita coisa para fazer... Por sinal fiquei horas só vendo os meninos no karaokê, todos cantando hits locais, com aquele vozeirão típico, nenhuma música em inglês.

Na época eu estava solteiro, e fui feliz por lá... Não deixei de conferir por exemplo o Grindr - ainda no início dos aplicativos gays, ele chegava aos meninos da Rússia mesmo de Helsinque, em horários de pouco movimento. Em São Petersburgo, marquei de encontrar um menino que parecia bem simpático, embora não me apetecesse, trabalhava na ópera e se ofereceu a me mostrar um pouco da cidade.

A única foto que tenho do menino. 


Fomos jantar num restaurante típico, pedimos vodca e veio uma GARRAFA de vodca, que tomamos pura, gelada, em shots.

No final da noite ele já não estava tão gentil e tive literalmente de fugir para ele não abusar de minha pureza...


Mas comi bem em São Petersburgo, as delícias típicas como blinis e ovas, pato com sorvete de trufas, e o straganoff que, apesar do que falam, achei idêntico ao nosso estrogonofe, só que servido com purê de batatas em vez de arroz e palha.

Caminhei muito pelas ruas, as longas avenidas, fui ao Hermitage, um museu absurdo de grande, que mistura arte, história e antropologia; fui também num museu meio freakshow, com fetos de sereia, bezerros de duas cabeças... E na segunda vez que estive lá foi para assistir ao show do Suede, numa casa de shows que me deixou bem próximo do palco.

Suede no Glavclub, 16 de dezembro de 2011. 

As lembranças que ficaram são as melhores - embora o povo não seja exatamente simpático e ninguém fale inglês. Nunca vou me esquecer da segunda vez que cheguei na cidade, que atravessei uma ponte a pé, a caminho do hotel, e dei com um pelotão de dezenas e dezenas de soldadinhos russos, nos seus 18, 19 anos, todos maravilhosos, todos me encarando feio...

A Armênia e sua herança soviética, na vista do meu hotel (2015). 

Desde 2011, não voltei mais, embora tenha passado perto na viagem para a Armênia (em 2015), terra dos meus antepassados, que também tem muito da cultura russa-soviética. Acho que hoje a experiência não seria tão divertida, com a homofobia cada vez mais institucionalizada por lá.

De toda forma, agora que todo mundo está indo, também não tem mais graça...




NESTE SÁBADO!