03/07/2018

LEMBRANÇAS DA RÚSSIA


Rússia no filtro de 2011. 

O mundo só fala de futebol. E ainda me surpreendo que tantos escritores engrossem o coro. Na busca por uma voz, um universo, uma identidade literária, não deveríamos ter nossos temas exclusivos? Não. O escritor bem sucedido é aquele que fala o que todo mundo está falando, que escreve o que todo mundo quer ler, que gosta de futebol, de samba, de MPB; venera Machado, lê Chico Buarque, não tem nada de novo a dizer...

Quem faz diferente não faz diferença, já dizia eu em BIOFOBIA.

Então aqui estou eu, falando de futebol. Ou quase. Não assisti a jogo nenhum, não por protesto, apenas desinteresse. Na infância, adolescência, a gente ainda se obriga, assiste ao jogo para pertencer. Para mim, sempre foi um tédio. Hoje, sozinho aqui em casa, não tem mais por quê, não tem ninguém para deixar a TV ligada.

Mas ainda pego as rebarbas no jornal da noite, no feed dos amigos...

O que essa Copa despertou em mim foi saudades da bela Rússia, onde estive duas vezes, em outubro e dezembro de 2011, durante minha temporada na Finlândia.

O inverno de 2011 foi atípico na Rússia - demorou para começar. (nesta foto, em dezembro, estava cerca de 5 graus positivos, mas tirei o casaco para impressionar). 

São Petersburgo fica a apenas 3 horas de trem de Helsinque e é uma viagem bem curiosa. Segue-se por cenários bucólicos, nevados, casinhas no bosque, até sair da Finlândia. Daí o cenário muda completamente e parece que cruzamos vilas bombardeadas, casas em ruínas, anunciando que a vida por lá é mais dura.

O controle de passaporte é feito no próprio trem em movimento. Oficiais passam, verificam os documentos (uma vez reviraram minha mala) e carimbam. Se eu fosse recusado, não sei se me mandariam descer ou me colocariam num trem de volta...




A cidade é linda, com aquele ar imponente, cheia de monumentos, cortada por rios. Mais lindo ainda são os meninos  - o povo mais lindo que já vi no mundo! Todos com aqueles rostos angulosos, talhados, meio freaks... e eles te encaram. O povo anda na rua olhando feio; não se sabe se querem te matar ou te comer...



Em 2011, quando estive lá, ainda não tinha passado a lei "antipropaganda gay", que proibe qualquer manifestação LGBT em público. Então ainda havia boates gays bem divertidas. Uma delas era o Cabaré, que fazia jus ao nome: tinha pista de dança, karaokê, e shows de drag a noite toda; assisti inclusive a uma performance de "Tico-tico no Fubá" em Russo.

Na boate gay. 

Outra boate em que fui era a Central Station, com garçons (incríiiiiiiiveis) só de sunguinha e gravata borboleta, e também tinha shows e karaokê. Isso era uma coisa bem bacana das boates de lá, tinha muita coisa para fazer... Por sinal fiquei horas só vendo os meninos no karaokê, todos cantando hits locais, com aquele vozeirão típico, nenhuma música em inglês.

Na época eu estava solteiro, e fui feliz por lá... Não deixei de conferir por exemplo o Grindr - ainda no início dos aplicativos gays, ele chegava aos meninos da Rússia mesmo de Helsinque, em horários de pouco movimento. Em São Petersburgo, marquei de encontrar um menino que parecia bem simpático, embora não me apetecesse, trabalhava na ópera e se ofereceu a me mostrar um pouco da cidade.

A única foto que tenho do menino. 


Fomos jantar num restaurante típico, pedimos vodca e veio uma GARRAFA de vodca, que tomamos pura, gelada, em shots.

No final da noite ele já não estava tão gentil e tive literalmente de fugir para ele não abusar de minha pureza...


Mas comi bem em São Petersburgo, as delícias típicas como blinis e ovas, pato com sorvete de trufas, e o straganoff que, apesar do que falam, achei idêntico ao nosso estrogonofe, só que servido com purê de batatas em vez de arroz e palha.

Caminhei muito pelas ruas, as longas avenidas, fui ao Hermitage, um museu absurdo de grande, que mistura arte, história e antropologia; fui também num museu meio freakshow, com fetos de sereia, bezerros de duas cabeças... E na segunda vez que estive lá foi para assistir ao show do Suede, numa casa de shows que me deixou bem próximo do palco.

Suede no Glavclub, 16 de dezembro de 2011. 

As lembranças que ficaram são as melhores - embora o povo não seja exatamente simpático e ninguém fale inglês. Nunca vou me esquecer da segunda vez que cheguei na cidade, que atravessei uma ponte a pé, a caminho do hotel, e dei com um pelotão de dezenas e dezenas de soldadinhos russos, nos seus 18, 19 anos, todos maravilhosos, todos me encarando feio...

A Armênia e sua herança soviética, na vista do meu hotel (2015). 

Desde 2011, não voltei mais, embora tenha passado perto na viagem para a Armênia (em 2015), terra dos meus antepassados, que também tem muito da cultura russa-soviética. Acho que hoje a experiência não seria tão divertida, com a homofobia cada vez mais institucionalizada por lá.

De toda forma, agora que todo mundo está indo, também não tem mais graça...




NESTE SÁBADO!