27/09/2021

NOTAS SOBRE O APOCALIPSE

 

A vida não vai voltar ao que era antes, porque já temos quase dois anos a mais...

Geralmente a vida vai mudando pouco a pouco, dia a dia, a gente envelhecendo, as fases passando. Mas a pandemia obrigou que tudo mudasse de um dia para o outro – e agora que se pensa em afrouxamentos, que se pensa em voltar atrás, já passamos tempo o suficiente para termos outros desejos, outra rotina...

Hoje um amigo me falava dos programas do fim de semana – foi ao parque, foi beber na Praça Roosevelt – “mas ainda não me sinto seguro pra balada...”, disse ele. Eu também tenho arriscado flexibilizações, mas não me sinto seguro pra balada desde que cheguei à meia-idade, há quase dez anos. Ano, passado, começo do ano, depois de me reaclimatar com a vida de solteiro, até ensaiei umas saídas, carnaval, umas festinhas, mas BALAAADA, acho que nunca mais...

Agora ainda menos, ainda mais.

Penso se para algumas pessoas isso ficou em suspenso – o envelhecimento... ou a passagem do tempo. Não importa que dois anos se passaram, querem voltar a fazer o que fariam em 2020. E isso não é, está longe de ser, uma crise de meia idade.

Eu conversava com minha sobrinha esses dias, que tinha oito, já fez nove, está com quase dez anos. “Mas você passou de ano?” Me pareceu tão esquisito ela ter passado da terceira para a quarta sem o ano ter passado. Ano que vem ela vai para o “ginásio” sem os ritos de passagem, os bailinhos, o bullying, a mudança de escola... Ela deixou de brincar com os amigos no início da pandemia. Agora, se a pandemia acabar, ela não estará mais na idade de brincar...

Todos se reencontrarão pré-adolescentes, tendo que se apaixonar instantaneamente, prestes a se casar...

... ou pior! Os moleques com buço de office-boy estarão cantando baby-shark? Meninas com seios protuberando camisetas da Peppa Pig?

Eu, que sempre fui um ser solitário, muito pouco sociável, não passei a pandemia mais solitário do que ninguém. Minha mãe, minha irmã, sempre falavam que eu precisava sair de casa para conhecer pessoa, mas a vida toda – ou toda a vida adulta – eu conheci pessoas online. Desde bate-papo do Uol até Grindr, passando por todas as redes sociais. (Poderia fazer a defesa: conquisto melhor as pessoas por escrito, mas considerando que como escritor não conquistei tantos leitores, talvez seja o contrário: Achei que meu chaveco poderia se tornar uma carreira...)

(“Chaveco”, você vê, me formei como escritor nos chats dos anos 90.)

Meu namorado conheci há seis meses pelo Tinder. Seguimos todos os protocolos. Por dois meses só nos beijamos de máscara. Ansiava que ele visse meu nariz empinado, temia o que ele acharia da minha barba grisalha...

Semana passada tomei a segunda dose (astrazeneca, sem nenhum efeito colateral, como da primeira vez, mas da primeira vez eu tive COVID cinco dias depois). Ele também já tomou a dele. Já fomos ver uma peça da minha irmã. Uma exposição no IMS. Nesse domingo comemos num barzinho bem gostosinho do Bixiga...

Eu e Klauz no Bixiga. 

E sentado lá, tomando caipirinha no bixiga, coisa que nunca fiz (mesmo morando no Bela Vista há uma vida), olhando as fotos do Adoniran Barbosa,  senti que a vida segue só pra gente mesmo... No tempo, a vida continua sempre a mesma, a gente só muda de assento...

MESA

Neste sábado, 15h, na Martins Fontes da Consolação, tenho uma mesa com o querido Ricardo Lisias . Debateremos (e relançaremos) os livros la...