Hoje é o Dia do Livro. E eu, como escritor, sempre considerei mais como uma praga, uma maldição...
(Sintomático que venha colado ao Halloween...)
Acho bonito o depoimento de tantos escritores, tantos leitores que falam como a literatura abriu um mundo para eles, foi uma forma de conhecimento e de ascensão social. Na minha vida, na minha família, foi justamente o contrário.
Minha mãe veio de uma família rica, armênia, sempre foi apaixonada pelos livros e no começo da idade adulta se apaixonou por um artista (plástico, no caso), que vinha de uma família quatrocentona, e que também viu a decadência financeira ao se dedicar à arte. Ela fugiu de casa para morar com ele, nunca mais viu meu avô, e não teve o destino próspero da maioria dos meus tios. Quando se separou de meu pai, teve de camelar em diversos empregos para sustentar os filhos pequenos – meu pai (“artista!”) nunca ajudou, nem com a presença nem financeiramente (“Você é de família rica, afinal”, dizia ele). Usufruíamos de algo dessa riqueza, é verdade, ganhamos uma casa nos Jardins, viagens para a Disney, mas as contas mensais sempre dependeram do trabalho da minha mãe.
No que ela trabalhava? Com livros, em livrarias, na Biblioteca José Mindlin. Os livros ocupavam cada vez mais espaço em nossa casa – a cada ano minha mãe tirava um quadro do ex-marido da parede, para colocar uma nova estante de livros...
Talvez eu possa agradecer que foram os livros que me garantiram uma criação de classe média... Ou talvez eu deva lamentar que foram os livros que me restringiram a uma criação de classe média...
Sempre estudei em colégios particulares. Me formei numa faculdade particular (Comunicação, na FAAP), e comecei uma carreira próspera como redator publicitário (aos 19 anos, por pistolão da família, veja só). Mas a maldição...
Aos vinte e quatro anos larguei a publicidade porque queria trabalhar com livros, escrever, publicar, traduzir. Hoje é o que eu faço... e só eu sei como é difícil fechar as contas... Com ensino superior... 5 idiomas... 12 livros... uma centena de traduções...
Para além do ganho financeiro, a literatura (ou o meio literário) sempre me recebeu com ressalvas. Sempre viram meu trabalho com desconfiança – nunca entenderam se eu era comercial, underground, descartável, literário ou o quê. Nunca vendi horrores, nunca ganhei grandes prêmios; minha maior (única?) conquista nesses vinte anos foi conseguir continuar sempre publicando, por grandes casas, fazendo só o que eu realmente acreditava, dizendo o que eu queria dizer.
Talvez não seja pouco. Talvez seja uma grande maldição.
Mas a maldição não se limita a isso. A praga se estende também pelo meu apartamento (que não é meu, a literatura nunca me deu casa própria), pelas paredes, os livros empilhados, a poeira os ácaros. “Você tem toc ou rinite?” tenho de perguntar a qualquer um antes de vir à minha casa. Se tiver os dois, ele MORRE ao entrar aqui. É mesmo uma praga.