03/11/2021

NOTAS PÓS-APOCALÍPTICAS

Meu deus, as pessoas estão voltando à vida...


600 mil mortes depois, entrei no shopping sem nem medirem minha temperatura. Como se eu não tivesse mais chances de morrer. Como se eu não tivesse mais chances de matar. Mas eu não tinha mais dinheiro para comprar nada...

Me lembra aquela canção do Assis Valente (ou um esquete do Porta dos Fundos). Investi no apocalipse e agora não tenho mais o que vestir.

O apocalipse só tinha igualado as realidades, para mim: todo mundo bonzinho, trancadinho, trabalhando em casa, fazendo tudo por delivery, pelas redes sociais. A vida como uma ideia virtual. Agora a vida volta a ser presencial; vejo os amigos se encontrando, viajando, os eventos literários... A vida como uma festa a qual eu não fui convidado...

Não é que eu não tinha planos pós-apocalipse, para o futuro, o ano que vem... É que não tinha expectativas, desejos, nem sonhos. O que faço agora que a gente tem de tirar a máscara? Não tenho vocação para sorrir.

Fui ao shopping não para comprar roupa nova, na verdade. Fui reativar meu celular. Uso tão pouco – a vida toda – que tinha perdido meu número. Ninguém NUNCA me liga. Até porque mantenho em modo avião. Permanente. Não recebo notificações. O atendente perguntou meu número e eu não tinha certeza.

“Não tem um nove a mais?”

“Pera, onde vê?”

(Se nesse tempo você recebeu mensagens minhas pedindo dinheiro, desconsidere. Mande por pix para o meu email: santiagonazarian(arroba)gmail.com)

Mas quem usa celular nessa vida em que não saímos, não saíamos de casa? Trabalho na frente do computador. Troco mensagens por email, Messenger, instagram... até Whatsapp, quando inevitável. (Mas Whatsapp checo uma vez a cada dois dias... Não, meu celular nunca recebe notificações).

“Que bonitinho, você troca e-mails com sua mãe?” Me perguntou esses dias meu namorado.

Sim, com minha mãe eu SÓ troco e-mails, porque ela não mora em São Paulo, não tem celular, nunca teve (eu já dei, ela repassou – detesta, e o sinal na casa dela é péssimo; e eu mesmo já fiquei tantos períodos sem celular...) e tenho fobia de fixo, esse zumbido invasivo. (Tenho um fixo, também, mas deixo fora da tomada.)

Isso não quer dizer que eu esteja desligado do mundo, veja só... Isso está longe de dizer que estou desconectado e “é por isso que você ainda não alcançou o sucesso, a felicidade, a fortuna, o Prêmio São Paulo.” JAMAIS furei um prazo. Eu trabalho o dia inteiro conectado (na frente de um PC de mesa). Também tenho um Macbook (prestes a falecer). E tenho um celular... Sou antenado acompanho a dancinha dos meninos bonitos seminus no Tik-tok, pelamordedeus!

O problema é a vida lá fora...


O professor Thomas Schmidt ao ser entrevistado pela Globonews sobre os maiores desafios nessa realidade pós-pandemia, colocou: “Uma única morte nunca terá o mesmo peso de antes; e uma simples tosse nunca mais será vista como inocente.”  Isso, obviamente, é frase minha.

NESTE SÁBADO!