13/12/2021

OUTRO ANO QUE NÃO ACONTECEU


Os passeios possíveis em 2021...

Se 2020 não tinha sido tão ruim para mim, 2021 fodeu de vez...

Já começou zoado - passei a virada aqui em casa, com um menino (que hoje é menina) louco de pó; eu mesmo não cheirava havia uns dez anos (e depois daquela virada posso ficar mais uns dez anos sem); então no começo de janeiro tive de mandá-lo de volta ao sul, ou eu acabava morto.

Em janeiro também passei uma semana com minha irmã internada no hospital, com um problema grave no pâncreas. Foi um ano de saúde ameaçada para toda minha família, minha irmã, minha mãe, eu...

Primeira dose.

Além da velhice progressiva, a cegueira, tive covid logo após tomar a primeira dose. Até que foi suave, só febre fraca e tosse, não cheguei a ser hospitalizado. Mas fiquei três semanas trancado sozinho em casa e já tava pronto para morrer...

Quem acabou indo mesmo foi a Gaia, minha amada coelhinha de seis anos. Ela estava normal até mês passado, mas de um dia para o outro parou de comer e mandei fazer exames. Gastei os tubos, paguei uma operação no útero, mas ela não resistiu. Morreu no começo de novembro e deixou uma solidão imensa neste apartamento.

Com ela ainda mês passado...

O ano não foi de total solidão porque comecei um novo namoro, com um menino bem bacana, o Nicklauz. Coisa de Tinder, que já dura 9 meses. Foi mesmo a melhor coisa do ano.

Passei meu aniversário com ele, numa pousada lindinha em Juquehy, litoral norte de SP. E foi a ÚNICA viagem do ano (tirando as viagens pra casa da minha mãe, no interior).  


Na pousada Tupinambá. 

Como não viajei nada, não saí nada, costumava aproveitar os fins de semana para pedir bons deliveries. Virou uma tradição de sexta postar a dica de um bom restaurante. Mas nem isso pude manter. 


Acho que o melhor delivery do ano foi o cordeiro com aligot do Sal Gastronomia. 

Se o trabalho tinha sido ok durante a pandemia, até o primeiro semestre, no segundo tudo estacionou e minhas economias foram se esvaindo. A veterinária levou uma parte, um calote levou outra, também tive cartão clonado. Termino o ano totalmente quebrado.

De novidade, teve a final dos prêmios - Jabuti, Oceanos, e o segundo lugar no Machado de Assis da Biblioteca Nacional - mas isso gerou mais ansiedade e frustração do que qualquer coisa. Já falei muito sobre isso. 

Agora não tenho mais plano nenhum, nem pra virada, nem pro ano novo, pra nada. Não tenho vontades, não tenho sonhos, não tenho nada a esperar. Ano passado não morri, mas quem sabe este ano ainda eu não morro?

09/12/2021

MEGA SPOILER

 

Começa assim. 


A Editora me pediu uma sinopse/argumento do livro todo, para o material de divulgação lá fora. Achei que valia colocar aqui também, para quem não vai ler, para quem já leu, para quem não se importa com mega spoilers (porque a história toda do livro taí, a grosso modo.) Serve também para estudo do vestibular... se o livro fosse cair no vestibular. Segue: 


FÉ NO INFERNO – Argumento completo

 

Cláudio é um jovem cuidador de idosos, homossexual, de ascendência indígena, passado traumático e passagem pela polícia. Ele é entrevistado por Dona Beatriz, uma senhora de idade, numa mansão nos Jardins, região nobre de São Paulo, Brasil. Ela precisa de alguém para fazer companhia para seu tio-avô, seu Domingos, um armênio de mais de 90 anos, ainda razoavelmente lúcido e independente, mas que, pela idade, inspira cuidados.

Cláudio começa a trabalhar na casa, em jornadas que às vezes passam de 24 horas seguidas, mas não tem muito o que fazer, já que o velho se locomove sozinho e passa a maior parte do tempo lendo e escrevendo. Cláudio aproveita o tempo para jogar um videogame portátil.

Um dia seu Domingos sugere a Cláudio que ele leia um livro, o que o jovem reluta um pouco. Acaba pegando um volume da biblioteca encadernada da casa, que conta a história de um menino armênio anônimo, de oito anos, fugindo da perseguição dos turcos durante a Primeira Guerra Mundial.

O romance dentro do romance começa com a vila do menino sendo incendiada. Ele marcha com seu irmão e outras mulheres e crianças, sendo conduzido por soldados turcos, para um destino incerto. No caminho, são atacados por bárbaros curdos (tchétes), a maior parte da caravana é morta e o menino e seu irmão fogem pelas montanhas.

Encontram abrigo na casa de um cego, que toma o irmão mais velho como servo. O menino menor permanece por perto, sem ser visto, se alimentando das sobras do irmão, dormindo com uma cabra num coberto fora da casa. Um dia ele se farta disso e decide seguir sozinho. Encontra alguns personagens pelo caminho – um garoto ruivo que parece alheio à guerra - é perseguido por turcos e curdos, e às vezes até mesmo é morto, mas continua vivo para seguir em frente.

Cláudio acompanha essa história enquanto pensa em sua própria vida como cidadão de segunda classe num Brasil preconceituoso, às vésperas da eleição de Jair Bolsonaro, de extrema direita. Ao deixar a mansão de seu Domingos nos Jardins, ele é parado pela polícia, simplesmente por ser “pardo e com cara de pobre.” Cláudio e seu namorado também sofrem ataques homofóbicos num bairro boêmio de São Paulo. Parece que Cláudio só encontra conforto quando trabalha com seu Domingos, que o trata como um filho.

Entretanto a saúde do velho vai deteriorando progressivamente. Ele começa a usar fraldas, tem lapsos de memória, até sua mobilidade piora. Dona Beatriz, sobrinha-neta de Domingos, começa a desconfiar de Cláudio.

Avançando na narrativa histórica, o menino armênio encontra abrigo na casa de uma viúva turca, que é coabitada por dezenas de crianças órfãs e comandada por Armin, um garoto andrógino que desperta os primeiros sentimentos sexuais no menino – que já avança para a pré-adolescência. Certa noite, ao avistar Armin se banhando escondido num lago, o menino percebe que Armin é na verdade uma garota, que se veste de homem para sobreviver em tempos de guerra. A partir daí, sua convivência na casa se torna tensa, e ele decide novamente seguir em viagem.  

Arruma emprego como pastor de ovelhas para um senhor curdo, mas é castigado severamente quando algumas ovelhas se perdem. As três esposas do senhor se alternam cuidando dele, à beira da morte. Ele se recupera apenas para ser castigado novamente, quando uma das mulheres se engraça com ele.

Fugindo novamente pelas montanhas, a fronteira entre vida e morte, realidade e fantasia já é bem mais tênue. Ele vê uma procissão de armênios mortos seguindo pela estrada; conversa com animais selvagens, lobos e raposas que querem seduzi-lo e se alimentar dele; encontra uma senhora turca moribunda que tenta sugar seu sangue.

Exausto, com fome, perseguido por todos, o menino acaba num hospital. Lá recebe a visita do garoto ruivo, que o questiona sobre seu estado. Lá ele também reencontra seu irmão, que arrumou um novo senhor turco e o leva para trabalhar com ele, mas enfatiza que ele precisa se converter ao islamismo. O menino reluta, e teme ter de fugir mais uma vez.

Surgem então notícias de que a guerra acabou, assim como a perseguição aos armênios. Sobreviventes de todos os cantos saem de seus esconderijos e se reúnem numa igreja cristã ortodoxa. Mas era apenas uma armadilha. Soldados turcos trancam todos lá dentro e incendeiam o local. Para o menino, é apenas mais uma forma de morrer.

Nos tempos de hoje, seu Domingos sobre um AVC e Cláudio é dispensado por dona Beatriz. Ela investiga o passado dele e descobre que ele matou o próprio irmão mais velho, quando tinha dezesseis anos de idade. Desde os oito, Cláudio era abusado física e sexualmente, até que não suportou mais e esfaqueou o irmão na frente da mãe. Ele foi mandado para uma instituição para menores infratores (Fundação Casa), e lá que começou sua carreira de cuidador de idosos, num programa que aproximava os jovens internos de velhos abandonados.

Agora, Cláudio é visto com desconfiança por dona Beatriz, que o culpa pela deterioração no estado de saúde de seu Domingos. Ela não quer mais que ele se aproxime do velho. Cláudio deixa o emprego, mas fica com o livro, como uma última lembrança. Suspeitando que seja um relato ficcional da própria vida de seu Domingos, ele deixa de ler os últimos capítulos, não querendo que a história acabe.

Passam-se dois anos, Cláudio consegue entrar na faculdade de Antropologia, ainda trabalha como cuidador de um menino autista, mas se prepara para deixar esse serviço. Não teve mais notícias de seu Domingos e teve medo de ligar, pelas ameaças de dona Beatriz. Até que recebe uma ligação do velho, que quer vê-lo numa manhã de sábado.

Cláudio volta à casa dos Jardins e encontra seu Domingos razoavelmente saudável – um milagre para um senhor na casa dos 100 anos de idade. Dona Beatriz morreu antes, e agora seu Domingos quer contratar de volta os serviços de Cláudio. Cláudio lamenta, diz estar com seu último paciente, começando uma formação de antropólogo. Domingos fica feliz por seu jovem amigo.

Cláudio o questiona sobre o livro - se é a história de um irmão mais velho de seu Domingos, o quanto a história pode ser verídica; eles discutem sobre as possibilidades de retratar uma tragédia como aquela, como manter a memória de sobreviventes, e o poder da literatura e da ficção em representar e sublimar fatos históricos.

Domingos então pergunta o que Cláudio achou do livro como um todo, da conclusão. Envergonhado, Cláudio admite que não leu até o fim, tinha medo de que, quando terminasse, seu Domingos “deixasse de existir.” Seu Domingos acha aquilo uma bobagem e pede para que Cláudio leia o último capítulo.

Nele, o menino se encontra perdido entre campos e montanhas, com um incêndio destruindo tudo, como se estivesse de fato no Inferno. A salvação lhe surge ao longe, ao avistar o monte Ararat, montanha símbolo do povo armênio, além da qual fica a Armênia russa, livre da perseguição dos turcos.

Quando se prepara para seguir para lá, é abordado pelo misterioso garoto ruivo, com quem cruzou algumas vezes em sua jornada. O garoto pede para que ele permaneça com ele, e lhe oferece uma fruta fresca e rara. O menino percebe então quem a figura realmente é, e o ataca com fogo, revelando estar diante do próprio Diabo.

O menino armênio deixa o Diabo Ruivo entre o fogo e segue em direção ao Ararat. Mas, ao olhar para trás, não vê uma expressão de ódio nem de derrota. Com quase um milhão e meio de armênios mortos, o Diabo está satisfeito.  

(Fé no Inferno, de Santiago Nazarian, Companhia das Letras, 2020, 376 páginas.)



08/12/2021

OS PRÊMIOS (QUE NÃO GANHEI)



Não tenho mais Fé...


Passada a temporada dos prêmios, fica a lição: nunca tenha esperança.


Não, não é bem isso. Foi uma experiência nova para mim - e é sempre bacana ter experiências novas numa carreira que já chega a vinte anos. Com doze livros publicados, foi a primeira vez que fui finalista do Jabuti, do Oceanos (Prêmio SP ainda nunca), e levei segundo no Machado de Assis, da Biblioteca Nacional. Não é pouca coisa, mas não foi o bastante. (O que eu precisava mesmo era de um premiozinho em grana, para me tirar do sufoco. Estou muito, muito, MUITO quebrado.) 

Vejo a postura blasé - normalmente de quem já foi finalista, de quem já ganhou - de que os prêmios não significam tanto, que o importante é ser lido, blábláblá, mas os prêmios ajudam a ser lido, o livro a repercutir. Mesmo que seja só para a "classe", como dizem alguns, é a classe que vai te chamar para eventos, debates, para trabalhos que pagam as contas - e "a classe" se pauta muito pela lista de nomes. (Não só ela, minha irmã mesmo, que é do meio teatral, disse que costumava pautar suas leituras pela lista de finalistas do Prêmio SP.) 

Tem tanto escritor que escreve UM livro, ganha UM prêmio importante e passa a vida vivendo disso, sendo reconhecido pelos pares. Eu lancei uma dúzia e ainda estou camelando, ainda visto com desconfiança. Talvez eu não devesse escrever tanto...

Tenho uma carreira bem estranha, como tudo em minha vida. Tive um hype muito cedo, mas que nunca se refletiu em vendas, nem em prêmios, nem em respeito. Construí um nome que está longe de ser unanimidade, e tenho uma base forte de haters - mesmo nunca fazendo nenhuma grande merda... acho. Sempre cumpri prazos, sempre fui profissional, sempre fui gente boa e dei força para os colegas, mas até hoje é difícil me chamarem para trabalhos, eventos, orgias... 

"Fé no Inferno" foi um livro muito pouco lido, repercutiu pouco, foi pouquíssimo resenhado... e a gente se pergunta por quê. Com meu histórico de tantos "semi-fracassos", é inevitável eu questionar a qualidade da minha própria escrita. Eu mesmo não tenho como avaliar (e se quem é pago para isso não está avaliando positivamente...)

Sei que há muito o "perfil de livro premiável", que trate de questões relevantes do momento, que esteja inserido num contexto, e eu raramente escrevo coisas assim. Então não é surpreendente ter entrado agora nos finalistas, e menos ainda um livro como o do Jeferson Tenório ter ganho o Jabuti. 


Torcida, só de mãe.


(Eu até comentei brincando que, se eu ganhasse, as manchetes nos jornais seriam "Jeferson Tenório não ganha o Jabuti". Nas matérias dos finalistas, ele era sempre o destaque, meu nome mal aparecia...) 

O livro do Tenório não vai se beneficiar tanto, porque é um livro que já aconteceu, já vendeu horrores, já repercutiu, já foi lançado lá fora. Nesse sentido o Prêmio SP (para Morgana Kretzman e Edimilson de Almeida Pereira, que também levou segundo no Oceanos) e o primeiro lugar do Machado de Assis (para Marcelo Labes), todos autores pouco badalados, de editoras pequenas, cumpre mais uma função de revelar obras (do que premiar obras consagradas do ano).

Existe toda essa bandeira de premiar mulheres, negros, LGBTQ (bem, aí nem tanto) e editoras pequenas, mas acho que a questão daí não passa tanto por cotas e sim por esses grupos tratarem das questões mais em pauta atualmente, questões que historicamente ficaram à margem. 

Foi isso o que tentei fazer com o lugar de fala que me cabe - como gay, armênio e brasileiro. E foi um livro de quase 400 páginas, que exigiu um trabalho gigante de pesquisa. Agora, depois disso, não sei muito mais o que dizer, o que escrever, o que tenho de relevante para acrescentar... 

Sempre escrevi principalmente porque me dá prazer. Mas o prazer vai sendo minado pelos resultados (ou falta de resultados). Principalmente porque para continuar tendo tempo para escrever, para conseguir continuar publicando, e pagando as contas, eu preciso pensar em algo relevante para me dedicar. A impressão é que nunca sou bom o bastante. 

É muito por isso que nunca dou oficinas literárias. Primeiro que não me considero uma autoridade, segundo que acho que é alimentar sonhos terríveis no outro - eu não recomendo a ninguém ser escritor. 



Resta dizer que a posição de estar em "editora grande" é discutível. Sem dúvida a grife da Companhia das Letras gera uma atenção maior ao título, mas os lançamentos da casa não recebem todos o mesmo tratamento. Meu livro saiu em plena pandemia, não foi mandado a nenhum jornalista, não teve noite de autógrafos, eu mesmo tive de comprar e vender pelas minhas redes sociais, porque as livrarias estavam fechadas (e o livro saiu caaaaaro). Acho que a editora poderia ter trabalhado mais o livro depois com a reabertura... (Mas daí estavam lançando o livro do Jeferson, do Laub...). Eu fiz tudo o que podia, como um autor independente. 

A presença do livro nas finais dos prêmios fortaleceu um pouco meu laço com a Editora - que agora vai tentar publicações lá fora; uma segunda edição também está saindo. Mesmo assim, acho que foi uma obra desperdiçada... Não vejo muito mais o que pode alcançar, um ano e meio depois do lançamento.  

De resto, fica aquela merda que falei para a Tatiana Salem Levy, meio na brincadeira... mas não muito: agora não posso dizer nem que sou totalmente ignorado, nem que sou premiado. É mesmo uma maldição. 


Só me resta rir...


NESTE SÁBADO!