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Começa assim.
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A Editora me pediu uma sinopse/argumento do livro todo, para o material de divulgação lá fora. Achei que valia colocar aqui também, para quem não vai ler, para quem já leu, para quem não se importa com mega spoilers (porque a história toda do livro taí, a grosso modo.) Serve também para estudo do vestibular... se o livro fosse cair no vestibular. Segue:
FÉ NO INFERNO – Argumento
completo
Cláudio
é um jovem cuidador de idosos, homossexual, de ascendência indígena, passado
traumático e passagem pela polícia. Ele é entrevistado por Dona Beatriz, uma
senhora de idade, numa mansão nos Jardins, região nobre de São Paulo, Brasil.
Ela precisa de alguém para fazer companhia para seu tio-avô, seu Domingos, um
armênio de mais de 90 anos, ainda razoavelmente lúcido e independente, mas que,
pela idade, inspira cuidados.
Cláudio
começa a trabalhar na casa, em jornadas que às vezes passam de 24 horas
seguidas, mas não tem muito o que fazer, já que o velho se locomove sozinho e
passa a maior parte do tempo lendo e escrevendo. Cláudio aproveita o tempo para
jogar um videogame portátil.
Um
dia seu Domingos sugere a Cláudio que ele leia um livro, o que o jovem reluta
um pouco. Acaba pegando um volume da biblioteca encadernada da casa, que conta
a história de um menino armênio anônimo, de oito anos, fugindo da perseguição
dos turcos durante a Primeira Guerra Mundial.
O
romance dentro do romance começa com a vila do menino sendo incendiada. Ele
marcha com seu irmão e outras mulheres e crianças, sendo conduzido por soldados
turcos, para um destino incerto. No caminho, são atacados por bárbaros curdos (tchétes),
a maior parte da caravana é morta e o menino e seu irmão fogem pelas montanhas.
Encontram
abrigo na casa de um cego, que toma o irmão mais velho como servo. O menino
menor permanece por perto, sem ser visto, se alimentando das sobras do irmão,
dormindo com uma cabra num coberto fora da casa. Um dia ele se farta disso e
decide seguir sozinho. Encontra alguns personagens pelo caminho – um garoto
ruivo que parece alheio à guerra - é perseguido por turcos e curdos, e às vezes
até mesmo é morto, mas continua vivo para seguir em frente.
Cláudio
acompanha essa história enquanto pensa em sua própria vida como cidadão de
segunda classe num Brasil preconceituoso, às vésperas da eleição de Jair
Bolsonaro, de extrema direita. Ao deixar a mansão de seu Domingos nos Jardins,
ele é parado pela polícia, simplesmente por ser “pardo e com cara de pobre.”
Cláudio e seu namorado também sofrem ataques homofóbicos num bairro boêmio de
São Paulo. Parece que Cláudio só encontra conforto quando trabalha com seu
Domingos, que o trata como um filho.
Entretanto
a saúde do velho vai deteriorando progressivamente. Ele começa a usar fraldas,
tem lapsos de memória, até sua mobilidade piora. Dona Beatriz, sobrinha-neta de
Domingos, começa a desconfiar de Cláudio.
Avançando
na narrativa histórica, o menino armênio encontra abrigo na casa de uma viúva
turca, que é coabitada por dezenas de crianças órfãs e comandada por Armin, um
garoto andrógino que desperta os primeiros sentimentos sexuais no menino – que já
avança para a pré-adolescência. Certa noite, ao avistar Armin se banhando
escondido num lago, o menino percebe que Armin é na verdade uma garota, que se
veste de homem para sobreviver em tempos de guerra. A partir daí, sua
convivência na casa se torna tensa, e ele decide novamente seguir em viagem.
Arruma
emprego como pastor de ovelhas para um senhor curdo, mas é castigado
severamente quando algumas ovelhas se perdem. As três esposas do senhor se
alternam cuidando dele, à beira da morte. Ele se recupera apenas para ser
castigado novamente, quando uma das mulheres se engraça com ele.
Fugindo
novamente pelas montanhas, a fronteira entre vida e morte, realidade e fantasia
já é bem mais tênue. Ele vê uma procissão de armênios mortos seguindo pela
estrada; conversa com animais selvagens, lobos e raposas que querem seduzi-lo e
se alimentar dele; encontra uma senhora turca moribunda que tenta sugar seu
sangue.
Exausto,
com fome, perseguido por todos, o menino acaba num hospital. Lá recebe a visita
do garoto ruivo, que o questiona sobre seu estado. Lá ele também reencontra seu
irmão, que arrumou um novo senhor turco e o leva para trabalhar com ele, mas
enfatiza que ele precisa se converter ao islamismo. O menino reluta, e teme ter
de fugir mais uma vez.
Surgem
então notícias de que a guerra acabou, assim como a perseguição aos armênios.
Sobreviventes de todos os cantos saem de seus esconderijos e se reúnem numa
igreja cristã ortodoxa. Mas era apenas uma armadilha. Soldados turcos trancam
todos lá dentro e incendeiam o local. Para o menino, é apenas mais uma forma de
morrer.
Nos
tempos de hoje, seu Domingos sobre um AVC e Cláudio é dispensado por dona
Beatriz. Ela investiga o passado dele e descobre que ele matou o próprio irmão
mais velho, quando tinha dezesseis anos de idade. Desde os oito, Cláudio era
abusado física e sexualmente, até que não suportou mais e esfaqueou o irmão na
frente da mãe. Ele foi mandado para uma instituição para menores infratores
(Fundação Casa), e lá que começou sua carreira de cuidador de idosos, num
programa que aproximava os jovens internos de velhos abandonados.
Agora,
Cláudio é visto com desconfiança por dona Beatriz, que o culpa pela
deterioração no estado de saúde de seu Domingos. Ela não quer mais que ele se
aproxime do velho. Cláudio deixa o emprego, mas fica com o livro, como uma
última lembrança. Suspeitando que seja um relato ficcional da própria vida de
seu Domingos, ele deixa de ler os últimos capítulos, não querendo que a
história acabe.
Passam-se
dois anos, Cláudio consegue entrar na faculdade de Antropologia, ainda trabalha
como cuidador de um menino autista, mas se prepara para deixar esse serviço.
Não teve mais notícias de seu Domingos e teve medo de ligar, pelas ameaças de
dona Beatriz. Até que recebe uma ligação do velho, que quer vê-lo numa manhã de
sábado.
Cláudio
volta à casa dos Jardins e encontra seu Domingos razoavelmente saudável – um
milagre para um senhor na casa dos 100 anos de idade. Dona Beatriz morreu
antes, e agora seu Domingos quer contratar de volta os serviços de Cláudio.
Cláudio lamenta, diz estar com seu último paciente, começando uma formação de
antropólogo. Domingos fica feliz por seu jovem amigo.
Cláudio
o questiona sobre o livro - se é a história de um irmão mais velho de seu
Domingos, o quanto a história pode ser verídica; eles discutem sobre as
possibilidades de retratar uma tragédia como aquela, como manter a memória de
sobreviventes, e o poder da literatura e da ficção em representar e sublimar
fatos históricos.
Domingos
então pergunta o que Cláudio achou do livro como um todo, da conclusão.
Envergonhado, Cláudio admite que não leu até o fim, tinha medo de que, quando
terminasse, seu Domingos “deixasse de existir.” Seu Domingos acha aquilo uma
bobagem e pede para que Cláudio leia o último capítulo.
Nele,
o menino se encontra perdido entre campos e montanhas, com um incêndio
destruindo tudo, como se estivesse de fato no Inferno. A salvação lhe surge ao
longe, ao avistar o monte Ararat, montanha símbolo do povo armênio, além da
qual fica a Armênia russa, livre da perseguição dos turcos.
Quando
se prepara para seguir para lá, é abordado pelo misterioso garoto ruivo, com
quem cruzou algumas vezes em sua jornada. O garoto pede para que ele permaneça com
ele, e lhe oferece uma fruta fresca e rara. O menino percebe então quem a
figura realmente é, e o ataca com fogo, revelando estar diante do próprio
Diabo.
O
menino armênio deixa o Diabo Ruivo entre o fogo e segue em direção ao Ararat. Mas,
ao olhar para trás, não vê uma expressão de ódio nem de derrota. Com quase um
milhão e meio de armênios mortos, o Diabo está satisfeito.
(Fé
no Inferno, de Santiago Nazarian, Companhia das Letras, 2020, 376 páginas.)