09/12/2021

MEGA SPOILER

 

Começa assim. 


A Editora me pediu uma sinopse/argumento do livro todo, para o material de divulgação lá fora. Achei que valia colocar aqui também, para quem não vai ler, para quem já leu, para quem não se importa com mega spoilers (porque a história toda do livro taí, a grosso modo.) Serve também para estudo do vestibular... se o livro fosse cair no vestibular. Segue: 


FÉ NO INFERNO – Argumento completo

 

Cláudio é um jovem cuidador de idosos, homossexual, de ascendência indígena, passado traumático e passagem pela polícia. Ele é entrevistado por Dona Beatriz, uma senhora de idade, numa mansão nos Jardins, região nobre de São Paulo, Brasil. Ela precisa de alguém para fazer companhia para seu tio-avô, seu Domingos, um armênio de mais de 90 anos, ainda razoavelmente lúcido e independente, mas que, pela idade, inspira cuidados.

Cláudio começa a trabalhar na casa, em jornadas que às vezes passam de 24 horas seguidas, mas não tem muito o que fazer, já que o velho se locomove sozinho e passa a maior parte do tempo lendo e escrevendo. Cláudio aproveita o tempo para jogar um videogame portátil.

Um dia seu Domingos sugere a Cláudio que ele leia um livro, o que o jovem reluta um pouco. Acaba pegando um volume da biblioteca encadernada da casa, que conta a história de um menino armênio anônimo, de oito anos, fugindo da perseguição dos turcos durante a Primeira Guerra Mundial.

O romance dentro do romance começa com a vila do menino sendo incendiada. Ele marcha com seu irmão e outras mulheres e crianças, sendo conduzido por soldados turcos, para um destino incerto. No caminho, são atacados por bárbaros curdos (tchétes), a maior parte da caravana é morta e o menino e seu irmão fogem pelas montanhas.

Encontram abrigo na casa de um cego, que toma o irmão mais velho como servo. O menino menor permanece por perto, sem ser visto, se alimentando das sobras do irmão, dormindo com uma cabra num coberto fora da casa. Um dia ele se farta disso e decide seguir sozinho. Encontra alguns personagens pelo caminho – um garoto ruivo que parece alheio à guerra - é perseguido por turcos e curdos, e às vezes até mesmo é morto, mas continua vivo para seguir em frente.

Cláudio acompanha essa história enquanto pensa em sua própria vida como cidadão de segunda classe num Brasil preconceituoso, às vésperas da eleição de Jair Bolsonaro, de extrema direita. Ao deixar a mansão de seu Domingos nos Jardins, ele é parado pela polícia, simplesmente por ser “pardo e com cara de pobre.” Cláudio e seu namorado também sofrem ataques homofóbicos num bairro boêmio de São Paulo. Parece que Cláudio só encontra conforto quando trabalha com seu Domingos, que o trata como um filho.

Entretanto a saúde do velho vai deteriorando progressivamente. Ele começa a usar fraldas, tem lapsos de memória, até sua mobilidade piora. Dona Beatriz, sobrinha-neta de Domingos, começa a desconfiar de Cláudio.

Avançando na narrativa histórica, o menino armênio encontra abrigo na casa de uma viúva turca, que é coabitada por dezenas de crianças órfãs e comandada por Armin, um garoto andrógino que desperta os primeiros sentimentos sexuais no menino – que já avança para a pré-adolescência. Certa noite, ao avistar Armin se banhando escondido num lago, o menino percebe que Armin é na verdade uma garota, que se veste de homem para sobreviver em tempos de guerra. A partir daí, sua convivência na casa se torna tensa, e ele decide novamente seguir em viagem.  

Arruma emprego como pastor de ovelhas para um senhor curdo, mas é castigado severamente quando algumas ovelhas se perdem. As três esposas do senhor se alternam cuidando dele, à beira da morte. Ele se recupera apenas para ser castigado novamente, quando uma das mulheres se engraça com ele.

Fugindo novamente pelas montanhas, a fronteira entre vida e morte, realidade e fantasia já é bem mais tênue. Ele vê uma procissão de armênios mortos seguindo pela estrada; conversa com animais selvagens, lobos e raposas que querem seduzi-lo e se alimentar dele; encontra uma senhora turca moribunda que tenta sugar seu sangue.

Exausto, com fome, perseguido por todos, o menino acaba num hospital. Lá recebe a visita do garoto ruivo, que o questiona sobre seu estado. Lá ele também reencontra seu irmão, que arrumou um novo senhor turco e o leva para trabalhar com ele, mas enfatiza que ele precisa se converter ao islamismo. O menino reluta, e teme ter de fugir mais uma vez.

Surgem então notícias de que a guerra acabou, assim como a perseguição aos armênios. Sobreviventes de todos os cantos saem de seus esconderijos e se reúnem numa igreja cristã ortodoxa. Mas era apenas uma armadilha. Soldados turcos trancam todos lá dentro e incendeiam o local. Para o menino, é apenas mais uma forma de morrer.

Nos tempos de hoje, seu Domingos sobre um AVC e Cláudio é dispensado por dona Beatriz. Ela investiga o passado dele e descobre que ele matou o próprio irmão mais velho, quando tinha dezesseis anos de idade. Desde os oito, Cláudio era abusado física e sexualmente, até que não suportou mais e esfaqueou o irmão na frente da mãe. Ele foi mandado para uma instituição para menores infratores (Fundação Casa), e lá que começou sua carreira de cuidador de idosos, num programa que aproximava os jovens internos de velhos abandonados.

Agora, Cláudio é visto com desconfiança por dona Beatriz, que o culpa pela deterioração no estado de saúde de seu Domingos. Ela não quer mais que ele se aproxime do velho. Cláudio deixa o emprego, mas fica com o livro, como uma última lembrança. Suspeitando que seja um relato ficcional da própria vida de seu Domingos, ele deixa de ler os últimos capítulos, não querendo que a história acabe.

Passam-se dois anos, Cláudio consegue entrar na faculdade de Antropologia, ainda trabalha como cuidador de um menino autista, mas se prepara para deixar esse serviço. Não teve mais notícias de seu Domingos e teve medo de ligar, pelas ameaças de dona Beatriz. Até que recebe uma ligação do velho, que quer vê-lo numa manhã de sábado.

Cláudio volta à casa dos Jardins e encontra seu Domingos razoavelmente saudável – um milagre para um senhor na casa dos 100 anos de idade. Dona Beatriz morreu antes, e agora seu Domingos quer contratar de volta os serviços de Cláudio. Cláudio lamenta, diz estar com seu último paciente, começando uma formação de antropólogo. Domingos fica feliz por seu jovem amigo.

Cláudio o questiona sobre o livro - se é a história de um irmão mais velho de seu Domingos, o quanto a história pode ser verídica; eles discutem sobre as possibilidades de retratar uma tragédia como aquela, como manter a memória de sobreviventes, e o poder da literatura e da ficção em representar e sublimar fatos históricos.

Domingos então pergunta o que Cláudio achou do livro como um todo, da conclusão. Envergonhado, Cláudio admite que não leu até o fim, tinha medo de que, quando terminasse, seu Domingos “deixasse de existir.” Seu Domingos acha aquilo uma bobagem e pede para que Cláudio leia o último capítulo.

Nele, o menino se encontra perdido entre campos e montanhas, com um incêndio destruindo tudo, como se estivesse de fato no Inferno. A salvação lhe surge ao longe, ao avistar o monte Ararat, montanha símbolo do povo armênio, além da qual fica a Armênia russa, livre da perseguição dos turcos.

Quando se prepara para seguir para lá, é abordado pelo misterioso garoto ruivo, com quem cruzou algumas vezes em sua jornada. O garoto pede para que ele permaneça com ele, e lhe oferece uma fruta fresca e rara. O menino percebe então quem a figura realmente é, e o ataca com fogo, revelando estar diante do próprio Diabo.

O menino armênio deixa o Diabo Ruivo entre o fogo e segue em direção ao Ararat. Mas, ao olhar para trás, não vê uma expressão de ódio nem de derrota. Com quase um milhão e meio de armênios mortos, o Diabo está satisfeito.  

(Fé no Inferno, de Santiago Nazarian, Companhia das Letras, 2020, 376 páginas.)



MESA

Neste sábado, 15h, na Martins Fontes da Consolação, tenho uma mesa com o querido Ricardo Lisias . Debateremos (e relançaremos) os livros la...