22/01/2022

APOCALIPSE DE MIM MESMO


Hoje em dia gosto muito mais de cozinhar do que de escrever, do que de ler...

 

Mas não tenho a menor vocação para fazer disso uma carreira.

 

Descobri cedo o que era prazer, o que era talento, o que era vocação. Eu tocava teclado numa banda, fazia fotos, escrevia – tudo de mais ou menos para péssimo. Abri mão de tudo para me dedicar a escrita. Não porque tivesse tanto talento, mas porque percebi que era essa minha vocação. Era uma atividade que eu sabia que podia me dedicar – trabalhar sozinho, em casa, criando histórias. Acho que é algo que muita gente quer (bom, como sou escritor, parece que ao meu redor existe APENAS gente que quer isso). E todo mundo tem o “talento inicial” – no caso, a alfabetização, porque existem outras artes-áreas com requisitos mais técnicos. Mas a vocação do escritor sempre me pareceu ser essa, de gostar de ficar sozinho, trabalhar sozinho, sem troca, e ainda assim conseguir cumprir prazos, ser criativo, ser produtivo. Muita gente diz que ficaria procrastinando...

 

Eu nunca tive uma crise criativa. Nunca furei um prazo de entrega – de livro, de tradução, de matéria, de roteiro. Sou obsessivo, eu entrego. E sinto sempre que tenho MENOS trabalho do que poderia. Atualmente, tenho bem menos trabalho do que preciso para sobreviver...

 

A gente vai criando uma carreira e acha que vai ser sempre uma crescente. Eu há muito acho que dou um passo para frente, dois para trás. Com 12 livros, quase uma centena de traduções, o blog de literatura há mais tempo em atividade no país (18 anos) - pelo qual nunca recebi um centavo – me sinto na pior fase profissional e financeira da vida. E não dá para culpar nem o presidente e a covid. A literatura deveria estar surfando na pandemia...

 

(Eu até que surfei, até o segundo semestre do ano passado. Depois, tudo desabou...)

 

Nessas horas, penso que entendi tudo errado. Porque nenhuma carreira é vocação para os solitários. Mesmo na escrita, as coisas só acontecem para os bem relacionados, gregários, que prefeririam estar formando uma banda de rock. Ninguém faz sucesso sozinho.

 

Mas a gente tem que descobrir tudo isso mesmo na marra, no murro. Não tem ninguém para perguntar, ninguém para dar conselhos, é um mercado em que rola pouca grana, então é muito pouco profissional. Em toda minha carreira, nem editor, nem agente, nunca consegui sentar para conversar, entender: o que estou fazendo de certo? O que estou fazendo de errado?

 

Hoje me autodiagnostico com dois erros principais. 1) Sempre preferi trabalhar sozinho, então nunca formei uma turma, nunca busquei trabalho em equipe. 2) Sempre busquei o diferente, então sempre evito os assuntos do momento; só comento se tem algo de diferente para acrescentar (o que gera a pecha de “polêmico”).

 

São erros... ou traços de que não me arrependo. Porque é o que sou e não poderia ter feito diferente. Sempre fiz o que acredito. Eu precisava encontrar outro caminho...

 

Agora me encontro no meio do Atlântico, sem pouso à vista. Voltar ao aeroporto de origem leva mais tempo do que chegar ao destino final. Mas me encontro sem combustível...

 

O que a gente faz, sem arrependimentos e sem conquistas? Sem rumo e sem perspectivas?

 

Também queria ter sido um escritor mais discreto, daqueles que não expõem tanto de si. Tipo agora. Bem, nos livros eu consigo... Mas ainda sou daqueles que tenta resolver tudo pela escrita. E que não tem nada a perder.

MESA

Neste sábado, 15h, na Martins Fontes da Consolação, tenho uma mesa com o querido Ricardo Lisias . Debateremos (e relançaremos) os livros la...