Hoje em dia gosto muito mais de cozinhar do que de escrever,
do que de ler...
Mas não tenho a menor vocação para fazer disso uma carreira.
Descobri cedo o que era prazer, o que era talento, o que era
vocação. Eu tocava teclado numa banda, fazia fotos, escrevia – tudo de mais ou
menos para péssimo. Abri mão de tudo para me dedicar a escrita. Não porque
tivesse tanto talento, mas porque percebi que era essa minha vocação. Era uma
atividade que eu sabia que podia me dedicar – trabalhar sozinho, em casa, criando
histórias. Acho que é algo que muita gente quer (bom, como sou escritor, parece
que ao meu redor existe APENAS gente que quer isso). E todo mundo tem o
“talento inicial” – no caso, a alfabetização, porque existem outras artes-áreas
com requisitos mais técnicos. Mas a vocação do escritor sempre me pareceu ser
essa, de gostar de ficar sozinho, trabalhar sozinho, sem troca, e ainda assim
conseguir cumprir prazos, ser criativo, ser produtivo. Muita gente diz que
ficaria procrastinando...
Eu nunca tive uma crise criativa. Nunca furei um prazo de
entrega – de livro, de tradução, de matéria, de roteiro. Sou obsessivo, eu
entrego. E sinto sempre que tenho MENOS trabalho do que poderia. Atualmente,
tenho bem menos trabalho do que preciso para sobreviver...
A gente vai criando uma carreira e acha que vai ser sempre
uma crescente. Eu há muito acho que dou um passo para frente, dois para trás.
Com 12 livros, quase uma centena de traduções, o blog de literatura há mais
tempo em atividade no país (18 anos) - pelo qual nunca recebi um centavo – me
sinto na pior fase profissional e financeira da vida. E não dá para culpar nem
o presidente e a covid. A literatura deveria estar surfando na pandemia...
(Eu até que surfei, até o segundo semestre do ano passado.
Depois, tudo desabou...)
Nessas horas, penso que entendi tudo errado. Porque nenhuma
carreira é vocação para os solitários. Mesmo na escrita, as coisas só acontecem
para os bem relacionados, gregários, que prefeririam estar formando uma banda
de rock. Ninguém faz sucesso sozinho.
Mas a gente tem que descobrir tudo isso mesmo na marra, no
murro. Não tem ninguém para perguntar, ninguém para dar conselhos, é um mercado
em que rola pouca grana, então é muito pouco profissional. Em toda minha
carreira, nem editor, nem agente, nunca consegui sentar para conversar,
entender: o que estou fazendo de certo? O que estou fazendo de errado?
Hoje me autodiagnostico com dois erros principais. 1) Sempre
preferi trabalhar sozinho, então nunca formei uma turma, nunca busquei trabalho
em equipe. 2) Sempre busquei o diferente, então sempre evito os assuntos do
momento; só comento se tem algo de diferente para acrescentar (o que gera a pecha
de “polêmico”).
São erros... ou traços de que não me arrependo. Porque é o que
sou e não poderia ter feito diferente. Sempre fiz o que acredito. Eu precisava
encontrar outro caminho...
Agora me encontro no meio do Atlântico, sem pouso à vista. Voltar
ao aeroporto de origem leva mais tempo do que chegar ao destino final. Mas me
encontro sem combustível...
O que a gente faz, sem arrependimentos e sem conquistas? Sem
rumo e sem perspectivas?
Também queria ter sido um escritor mais discreto, daqueles
que não expõem tanto de si. Tipo agora. Bem, nos livros eu consigo... Mas ainda
sou daqueles que tenta resolver tudo pela escrita. E que não tem nada a perder.