28/03/2022

GARIMPO DE MIM MESMO



Aproveitei a manhã de segunda no centro para garimpar meus próprios livros nos sebos. Nesses tempos de pobreza absoluta, tenho que vender o que posso, e tem sempre gente pedindo, perguntando pelos livros mais antigos.

Procurar a si mesmo num sebo sempre desperta sentimentos conflitantes. ‘Fui largado nessas prateleiras empoeiradas, sou leitura de segunda mão.” Mas também, quando não me encontro, sinto que não fiz história. Hoje teve de tudo.

No começo, não estava encontrando nada. “Ninguém quer se desfazer de mim”, eu me consolava. Não é bem assim que funciona. Embora o destino do sebo pareça certo abandono, quanto mais um livro vende, mais fácil encontrá-lo revendido. Não à toa, logo comecei a encontrar vários “Mastigando Humanos”, em diversos níveis de conservação – que foi um livro que chegou até a ser leitura de vestibular (hoje em dia seria impensável...). Também encontrei “Feriado de Mim Mesmo”, que foi um livro que vendeu razoavelmente; BIOFOBIA; Pornofantasma; e nada dos dois primeiros (que sempre alguém me pede).

Nesse garimpo, é importante não olhar muito para os lados – porque o intuito é não gastar mais dinheiro do que se pode recuperar. Concentro-me no N, mas sempre encontro velhos amigos, colegas de alfabeto: Pedro Nava (que não cheguei a conhecer), Raduan Nassar; o saudoso e querido Noll; o Eric Novello; e até minha mãe, Elisa Nazarian, que publicou pouco, mas bonito.

Em alguns livros, reconheço meu próprio autógrafo: “Para João, grande leitor, espero que te assombre”, encontrei hoje num BIOFOBIA (não lembro que João seria, mas a assinatura com certeza é minha). Tenho histórias curiosas com autógrafos em sebo, por sinal.
Anos atrás, o grande Evandro Affonso Ferreira, que tinha um sebo em Pinheiros, me ligou porque tinha um presente para mim. Era o meu primeiro livro, “Olívio”, rabiscado e comentado pelo Bernardo Carvalho. Ele escreveu uma crítica bacana no lançamento (acho que na TRIP), mas o livro tinha trechos marcados com “PÉSSIMO!” (e um ou outro com “ÓTIMO”). Estou guardando o livro aqui, para algum dia leiloá-lo como raridade.

Também encontrei décadas atrás, num sebo, uma primeira edição de “Morangos Mofados”, assinada pelo próprio Caio, com coraçõezinhos, para um rapaz com nome incomum. Eu conhecia um homônimo e sondei com ele se ele teria perdido a edição – se fosse uma perda sentida, eu o presentearia de volta -; mas ele não parecia sentir falta. Fiquei com o livro para mim, assinado para ele.

Anos depois, numa palestra no Recife, uma leitora me traz meu primeiro livro para eu autografar. “Achei num sebo, já tem um autógrafo. Mas coloca também meu nome?”, ela pediu. Quando abri o livro, era autografado para quem? EXATAMENTE o mesmo leitor perdido do Caio. Histórica verídica, ainda que sem graça.

Já eu, nunca me desfaço. Tenho algo de acumulador. Não à toa os livros transbordam das prateleiras da minha casa. Alguém precisa alimentar as traças. Só vendo mesmo os meus... por absoluta necessidade.

Então fui colocar os novos-velhos livros à venda nas minhas redes. Tinha alguns lacrados, alguns mais antigos, edições estrangeiras, mas todos em excelente estado, porque os que estavam capengas (ou caros), obviamente não comprei. (Tinha por sinal um “O Prédio, o Tédio e o Menino Cego” que parecia até ter páginas grudadas... Fiquei de certa forma lisonjeado.)

Tinha colocado a lista aqui, abaixo. Mas em poucas horas vendi TODOS pelo Facebook e Instagram. Já são umas migalhas pro meu almoço. Valeu a todos. Volto no próximo garimpo. 





“FERIADO DE MIM MESMO” (2005): Um thriller minimalista em que um solitário tradutor acha que tem seu apartamento invadido. Tenho a primeiríssima edição e a segunda. (R$60).

“MASTIGANDO HUMANOS” (2006): Um improvável romance narrado por um jacaré de esgoto. Meu grande “hit”. Essa é a edição original da Nova Fronteira, com ilustrações. (R$60)

“BIOFOBIA” (2014): Um thriller de um decadente cantor de rock, um emo velho, em conflito com a natureza. R$60.

“PORNOFANTASMA” (2011): Meu único livro de contos. Histórias longas de morte e sexo. (R$60)

“NEVE NEGRA” (2017): Na noite mais fria do ano, na cidade mais fria do Brasil, um pai ausente começa a duvidar da identidade do filho. Pós-terror de criança do capeta. (R$60)

“FÉ NO INFERNO” (2020): Um romance sobre o Genocídio Armênio e os genocídios do Brasil atual. Finalista do Jabuti e do Oceanos. (R$80)

“A MORTE SEM NOME” (2017): A bela edição sérvia (que provavelmente ninguém vai conseguir ler, mas serve para colecionadores). (R$100)

“MASTICANDO UMANI” (2013): A edição italiana. (R$100).

“GERAÇÂO ZERO ZERO” (2011): A antologia organizada por Nelson de Oliveira, que mapeou os escritores surgidos no começo do milênio. Eu participo só com um conto, mas tem muita gente melhor por lá: Galera, del Fuego, Scott, Mutarelli, Stigger e por aí vai. (R$60).





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