Rússia com os filtros de 2011. |
Esse poderia ser outro “notas sobre o apocalipse”, um novo
apocalipse que se avizinha, enquanto o anterior nem acabou. Sempre há novas
maneiras de morrer (e escrevo isso desde “A Morte Sem Nome”...), oportunidade é
o que não falta. Mas tenho lido tanta gente comentando sobre a Rússia,
condenando a Rússia, falando sobre a guerra, e eu não tenho nada a falar,
porque estou longe de ser especialista. Só tenho lembranças... intensas das
duas vezes que estive por lá, há dez anos.
Outubro de 2011. |
Acho a Rússia um país fascinante e assustador, seja na
literatura, na música, nos costumes... e nos meninos. Os meninos mais lindos do
mundo.
Lembro a segunda vez que cheguei em São Petersburgo, receoso
de pegar táxi – porque lá eles te extorquem sem o sorriso do brasileiro – e resolvi
ir a pé até o hotel, como eu já conhecia o caminho. Atravessando uma ponte
cruzei com um pelotão imenso de soldadinhos, todos lindoooos, todos olhando
feio para mim...
Isso é algo que me chamou muito a atenção. Todo mundo te
encara na rua. De cara fechada.
As duas vezes eu fui de trem, quando estava morando na
Finlândia, que dá pouco mais de três horas. No lado finlandês eu via os
bosques, as casinhas, tudo parecendo contos de fadas. Ao atravessar para o lado
russo dava com construções destruídas, muros pixados, arame farpado.
O controle de passaporte era dentro do próprio trem – lembro
de duas oficiais carrancudas que abriram minhas malas, me revistaram, sem falar
uma palavra de inglês; ninguém fala inglês, nem no guichê de informações
turísticas da estação. (Me pergunto se não passasse pela imigração – me mandariam
de volta no mesmo trem?)
Dezembro sem neve em São Petersburgo. |
São Petersburgo é uma cidade linda (e cara), dá para caminhar
bem a pé. Peguei um frio bem razoável, tanto em outubro quanto em dezembro, um pouco
acima de zero, o que é sempre imprevisível. Visitei o famoso museu Hermitage – que
é incrível, mas um pouco excessivo demais pro meu gosto. E ainda vi um show do
Suede, que estava preparando repertório para um disco novo e tocou 7 músicas
novas, 5 das quais nunca foram lançadas.
Brett ainda estava com as letras na mão. |
Também conheci a cena gay – dez anos atrás ainda havia
cena gay; a lei “antipropaganda” estava prestes a ser aprovada, e dava para
encontrar um punhado de bares, saunas e boates gays em São Petersburgo. Uma
delas, a Cabaré, era divertidíssima, tinha pista de dança, karaokê, show de
drag (com uma versão russa de “Tico-Tico no Fubá”); lembro também da Central
Station, com garçonzinhos delícia de cueca e gravata borboleta.
Era um perigo fotografar nas boates. Um segurança quase confiscou minha máquina. |
Eu sentia como se tivesse viajado no tempo – para uma versão
alternativa dos anos 80, numa Rússia capitalista. Todo mundo fumava em todo
lugar, a gente pedia uma vodca num restaurante e te traziam uma garrafa inteira...
Ah, e comi o estrogonofe. Tinha gosto de... estrogonofe. Isso de que é
completamente diferente do daqui é lenda; só não tem arroz e batata palha (me
serviram com purê de batata).
Hermitage. |
É triste pensar que um país tão rico culturalmente esteja sendo destruído por seu próprio governante, mas não é o mesmo que está acontecendo aqui? A gente pode culpar o Putin, o Bozo, mas no fim os governantes são reflexo do povo, mesmo governantes que se mantém no poder de maneiras não tão democráticas...
Para Ucrânia nunca fui; adoraria, em outros tempos; conheci Estônia e Armênia, da ex União
Soviética; adoro aqueles lados, mas acho cada vez mais difícil viajar, não só
pelos conflitos, pela guerra, também pela pandemia, pobreza, desânimo, por tudo isso... O
mundo está acabando mesmo, pelo menos para mim.