24/04/2023

BALADA FINAL



Foi um final de semana de despedidas e homenagens.


A morte do Pomba foi um baque – simbólica de várias formas. Era um amigo querido que eu via pouco, presente em outras épocas importantes na minha vida. O convite para discotecar ontem em homenagem a ele trouxe essa nostalgia. Como eu contei, não discotecava havia mais de dez anos, e quase o mesmo tempo que eu não saía de balada, topei mesmo por ele, pra ajudar na arrecadação.

Mas o clima ontem estava nostálgico e afetuoso. Muitas homenagens, vários amigos e conhecidos das antigas. Eu estava longe de ser o único “tiozão” da balada. De todo modo, cheguei cedo, toquei cedo e fui embora cedo.

A discotecagem em si... foi ok. Toquei o que eu queria tocar (Suede, Placebo, Peter Murphy, Gerard Way, Röyksopp, Blondie, Horrors). Mas já foi um esforço encontrar coisas discotecáveis, manter a pista cheia foi sofrido (felizmente toquei bem cedo e não tinha essa obrigação, mas depois de uns 50 minutos entreguei a cabine).

Também fazia uns 6 meses que eu não bebia. E virei três doses de Jack Daniel’s. Mas até que foi suave, fiquei bem, acordei bem, acordei cedo. (O problema foi só na hora de pagar – já tô mega cegueta sem óculos, imagina no escuro, depois de beber, quase bloqueei meu cartão em três tentativas erradas. Mas se me lembro de tudo é que não tava tão mal...)

Como não dava para ser só festa... teve o velório. - Entendo a coisa simbólica, dos amigos e familiares se consolarem mutuamente, mas eu mesmo não tenho nenhum desejo quanto a isso; façam o que for mais fácil, joguem meu corpo no lixo, sempre digo. Também cheguei cedo, conversei bem com o irmão do Pomba... É tão estranho ter o corpo ali... Parece uma reunião com a pessoa dormindo do seu lado.... Eu não queria que as pessoas tivessem essa última imagem de mim, não.

(Mais do que no corpo, mais do que nas lembranças, vi o Pomba vivo... no irmão dele. Os traços, um jeito de falar... Sensação bem estranha, com o corpo logo ao lado...)

Agora sinto como se tivesse se encerrado um ciclo. Valeu. Foi uma pá de cal na minha vida baladeira. Não pretendo tocar mais, nem voltar às pistas. Não digo que nunca, que NUNCA mais, mas balada agora só quando VOCÊ morrer.

(Na foto, velhos amigos tiozinhos que continuam sempre presentes na minha vida: Humberto Luminati, Fabia Sartori Fuzeti e Daniel Ambooleg.)

22/04/2023

ANDRÉ POMBA



Com o Pomba, em 2002.


Tristeza imensa de saber do falecimento do Pomba, que estava lutando contra um câncer há mais de um ano.

No lançamento de Mastigando Humanos, em 2006


É um amigo de quase TRINTA ANOS, conheci lá por 1995, nos primórdios da Loca, antes mesmo de ele criar o Grind, uma festa icônica da noite gay paulistana.

Naquela época, a noite gay ainda era muito padrão, baseada nas drags, nas divas, um cenário no qual eu não me identificava em nada. Pomba veio do rock, do metal, teve banda, criou a revista Dynamite e trouxe todo esse cenário para a noite gay paulistana.

Com o querido Ambooleg, no final dos 90. 

Seus domingos na Loca foram, de longe, a festa em que eu mais fui na vida. Toquei várias vezes como DJ, peguei meio mundo, conheci vários namorados, fiz muitos amigos, cheirei meia tonelada de pó...

O Pomba estava lá, sempre simpático, sempre centrado, comandando a festa. Sempre tocava Suede pra mim (e sempre me ouvia reclamar quando tocava pop, Madonna, Ricky Martin), era amigo de todo mundo.

No lançamento de BIOFOBIA, em 2014

E não foi amizade só de balada. Lembro que eu ia lá na revista dele, nos anos 90, quando precisava escanear fotos. A gente sempre morou perto, fosse quando ele morava em Pinheiros, fosse quando ele mudou pra Frei Caneca. A gente fazia a mesma academia. Ele foi a TODOS os lançamentos dos meus livros. A última vez que o encontrei pessoalmente foi em 2021, quando levei um Fé no Inferno na casa dele. Ele é citado no livro, inclusive.

Em 2021

Depois que ele começou o tratamento, mandei mensagem para visitá-lo com minha namorada (que também era amiga dele), mas ele tava numa fase que não podia receber visitas. Ficou só o osso, depois parecia que tava melhorando, fez uma operação... A última vez que mandei mensagem pra ele foi no aniversário, agora em 10 de abril, ele visualizou, mandou coraçãozinho, mas mal respondeu, não sei o quanto estava mal...

Eu ia tocar amanhã numa festa pra arrecadar fundos pro tratamento dele. Agora não sei se vou, se vai rolar, se vai ter clima. Tudo muito triste. Tô revendo as fotos e as lembranças que tenho dele...

Pomba era um cara super do bem. Mas a vida é assim... Abraços a todos os amigos em comum, que com certeza também tão sentindo.

12/04/2023

LEITOR CRI-CRI



Mais um parecer/leitura crítica entregue. Tenho feito bastante.
Uma época eu fazia muito para editora, mas não é mesma coisa... Na leitura crítica para a editora, em geral só se preenche uma ficha apontando pontos positivos/negativos, público alvo, se recomenda a publicação ou não.


A leitura crítica para o autor é como uma conversa direta com ele, dá para marcar dúvidas, sugestões, comentários, elogios. É uma oportunidade de que a gente muitas vezes sente falta quando lê um livro (por prazer): "Por que ele terminou assim? Isso aqui tá mal explicado. 
Não entendi essa passagem... Isso aqui me lembrou o filme tal..."

Como autor, a gente raramente tem essa conversa com o leitor. Costumo dizer que autor não tem plateia, não tem aplauso (não ouve risadas). Como cada passagem, cada parágrafo vai ser recebido pelo leitor, a gente não tem a menor ideia.


(Teve só uma vez, quando a gente tava trabalhando na adaptação do BIOFOBIA pro cinema, que a gente leu o livro INTEIRO, em voz alta - eu, Marçal Aquino, Beto Brant, Renato Ciasca e uma garrafa de Jack Daniel's. Foi uma experiência única, eles rindo numa passagem aqui, falando "isso tá estranho" ali, elogiando pontos que pra mim não eram importantes...)


(Uma vez também o Evandro Affonso Ferreira me deu um presente do sebo dele: era um exemplar do meu Olívio - minha primeira publicação - todo anotado, rabiscado e comentado pelo Bernardo Carvalho, que fez uma resenha - bem elogiosa, por sinal - para a Trip. Tinha umas passagens marcadas com: "Péssimo!")


Mesmo quando o livro volta da leitura da Editora, geralmente não vem com tantas marcações quanto eu coloco. Editora raramente coloca elogios, por exemplo, só pontos problemáticos, porque Editora não deve sentir necessidade de agradar o autor nem mostrar serviço. Tantas dúvidas que EU mesmo tenho como autor, que nunca são sanadas pela Editora, eu tenho que resolver sozinho.


Eu mesmo nunca paguei leitura crítica, porque me acho autossuficiente, mas sou mais é POBRE... (ou mão de vaca, sou armênio, afinal); algumas vezes mandei livros para amigos, camaradas, como troca de favores, para uma leitura especializada. (Como o Heitor Loureiro, que me ajudou pra caralho na parte histórica do Fé no Inferno, ou o Carlos Henrique Schroeder que fez a leitura catarinense do Neve Negra.)


Livro bom dá mais trabalho de ter o que dizer, ter o que acrescentar (você foi pago para isso, afinal), até ter o que corrigir (porque faço uma pré-preparação de texto - já que estou lendo e comentando, não custa marcar erros, reescrever trechos, torna mais fácil também de se enxergar o que estou argumentando).


Um problema que tenho encontrado é a falta de opção de deixar os comentários anônimos - há umas semanas, uma agente me pediu para fazer anonimamente um parecer, mas o Word não dá a opção de deixar os comentários anônimos (ou dá? Se alguém souber como faz...). (Aliás, como o Word está precário, pelamor, cada vez pior. Encontro tantos problemas e limitações. E AINDA é a ferramenta de texto amplamente usada.) Mas se VOCÊ me pedir uma leitura crítica do seu livro obviamente não será anonimamente, eu FALO NA CARA!
Enquanto isso, a pilha de leituras por prazer/curiosidade continua aumentando aqui... Quero muito ler o novo do (lisztiano) Rafael Gallo, do Marcelo Nunes, do meu aluno Tulio Dias, o nazista do Samir Machado de Machado, comprei a biografia da Elke pelo Chico Felliti... E ainda tem as coisas que eu preciso ler/estudar para o PRÓXIMO livro.

Sim, ainda insisto...

(O romance novo - sobre incels e não binários - tá prontinho, com capa e tudo; parece que atrasou um pouco, mas não muito; espero ansioso; qualquer dia desses descubro que entrou em pré-venda pelo Daniel Dago.)

04/04/2023

INSPIRAÇÃO HOSPITALAR

 Após uma semana de internação, quatro dias de UTI, dona Elisa Nazarian enfim teve alta do hospital.

Nada resolvido. Ela está com o pulmão bem comprometido e ainda não sabem o que é. Eu resolvi que são os livros, é possível, é o mais interessante, mas os médicos cogitam de tudo – de travesseiro de penas de ganso a fezes de morcego e a nova formação do Saia Justa. Ela vai continuar fazendo exames, agora em casa.

Esses dias no hospital valeram pela Páscoa, Dia das Mães, Natal... Nunca vejo minha mãe tanto assim. Ela mora no interior, eu moro no interior de mim mesmo... (Ai, que cafona, eu sei, mas é verdade...) Agora, enquanto ela tinha overdose de antibióticos, eu tinha overdose de família. Encontrei todo mundo, minha mãe encontrou todo mundo, recebeu visita dos irmãos, amigas, editores; os filhos se revezaram dormindo lá. Eu pouco dormi, naquele sofá estranho, ar insalubre, equipamentos apitando e enfermeiros verificando minha ereção. Quando eu era criança e ia dormir fora de casa, sempre ligava tarde da noite, de madrugada, para minha mãe me buscar, coitada. Agora, dormindo com ela no hospital, não havia quem me salvasse...

Hospital faz a gente pensar em vida, em morte. Sempre achei que as pessoas têm um apego excessivo, acho que eu não tenho, mas sabe-se lá como seria se algo de fato acontecesse comigo. Minha mãe sempre disse que não queria viver muito – eu também não – mas ela está sempre querendo mais um pouco, só mais um pouquinho, só mais uma lauda...

Deve ser duro ver os filhos envelhecerem, a diferença de idade diminuindo... ela se tornando velhinha e eu perdendo meu viço. Minha mãe já viu um filho morrer. Dos seus maiores orgulhos é ter um filho escritor, mas eu já fui um escritor melhor.... ou mais amado. Agora, sua grande motivação para continuar é a neta Valentina: Só mais um pouquinho, só até ela entrar na adolescência, se formar na escola, na faculdade, ter alta do hospital...

Eu não tenho essa motivação. Se deixarei um legado é minha obra – e há muito que eu acho que mais atrapalho do que ajudo; meus livros não precisam de mim. Vocês vão me amar mais depois de morto. Como esqueleto estarei sempre sorrindo.

Como ainda insisto, ainda tenho que continuar respirando, pagar boletos, saldar dívidas, ajudar os amigos... Muita gente me ajudou nos últimos meses, de várias formas possíveis, e agora felizmente o trabalho melhorou bem. Vamos ver até quando.

(Resolvemos um problema, aparece outro. Deus não dá cobertor à cobra...)

Seguimos. Às vezes vale a pena continuar insistindo (na vida, na escrita). Às vezes a literatura (se) paga. A vida também. Pelo menos dei esse orgulho à minha mãe; pelo menos ainda não a envergonhei prestando concurso...

NESTE SÁBADO!