04/04/2023

INSPIRAÇÃO HOSPITALAR

 Após uma semana de internação, quatro dias de UTI, dona Elisa Nazarian enfim teve alta do hospital.

Nada resolvido. Ela está com o pulmão bem comprometido e ainda não sabem o que é. Eu resolvi que são os livros, é possível, é o mais interessante, mas os médicos cogitam de tudo – de travesseiro de penas de ganso a fezes de morcego e a nova formação do Saia Justa. Ela vai continuar fazendo exames, agora em casa.

Esses dias no hospital valeram pela Páscoa, Dia das Mães, Natal... Nunca vejo minha mãe tanto assim. Ela mora no interior, eu moro no interior de mim mesmo... (Ai, que cafona, eu sei, mas é verdade...) Agora, enquanto ela tinha overdose de antibióticos, eu tinha overdose de família. Encontrei todo mundo, minha mãe encontrou todo mundo, recebeu visita dos irmãos, amigas, editores; os filhos se revezaram dormindo lá. Eu pouco dormi, naquele sofá estranho, ar insalubre, equipamentos apitando e enfermeiros verificando minha ereção. Quando eu era criança e ia dormir fora de casa, sempre ligava tarde da noite, de madrugada, para minha mãe me buscar, coitada. Agora, dormindo com ela no hospital, não havia quem me salvasse...

Hospital faz a gente pensar em vida, em morte. Sempre achei que as pessoas têm um apego excessivo, acho que eu não tenho, mas sabe-se lá como seria se algo de fato acontecesse comigo. Minha mãe sempre disse que não queria viver muito – eu também não – mas ela está sempre querendo mais um pouco, só mais um pouquinho, só mais uma lauda...

Deve ser duro ver os filhos envelhecerem, a diferença de idade diminuindo... ela se tornando velhinha e eu perdendo meu viço. Minha mãe já viu um filho morrer. Dos seus maiores orgulhos é ter um filho escritor, mas eu já fui um escritor melhor.... ou mais amado. Agora, sua grande motivação para continuar é a neta Valentina: Só mais um pouquinho, só até ela entrar na adolescência, se formar na escola, na faculdade, ter alta do hospital...

Eu não tenho essa motivação. Se deixarei um legado é minha obra – e há muito que eu acho que mais atrapalho do que ajudo; meus livros não precisam de mim. Vocês vão me amar mais depois de morto. Como esqueleto estarei sempre sorrindo.

Como ainda insisto, ainda tenho que continuar respirando, pagar boletos, saldar dívidas, ajudar os amigos... Muita gente me ajudou nos últimos meses, de várias formas possíveis, e agora felizmente o trabalho melhorou bem. Vamos ver até quando.

(Resolvemos um problema, aparece outro. Deus não dá cobertor à cobra...)

Seguimos. Às vezes vale a pena continuar insistindo (na vida, na escrita). Às vezes a literatura (se) paga. A vida também. Pelo menos dei esse orgulho à minha mãe; pelo menos ainda não a envergonhei prestando concurso...

NESTE SÁBADO!